“PSDB tem que tomar cuidado para não acabar em 2022”, diz Aécio Neves
Tucano defende que partido aposte na “terceira via” e foque em fortalecer bancada federal, sem necessariamente lançar candidato ao Planalto
atualizado
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Desde que saiu derrotado das eleições em 2014 e perdeu o controle do partido para o grupo aliado ao governador de São Paulo, João Doria, o ninho tucano não tem sido tão aconchegante ao hoje deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). Crítico da possível candidatura de Doria ao Planalto em 2022, o mineiro apontou o risco de o partido definhar, caso cometa o erro de ficar refém de um “projeto pessoal”.
Em entrevista ao Metrópoles, Aécio defendeu que os tucanos apostem na chamada terceira via, mesmo que a polarização entre o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se imponha no próximo pleito. O objetivo seria fortalecer as bancadas federais, tanto na Câmara quanto no Senado.
“Acho que o PSDB tem de ter muito juízo”, destacou. “O que eu temo é que uma candidatura que surja única e exclusivamente em razão de uma vontade pessoal ou da força de uma determinada máquina política possa nos levar ao definhamento”, frisou.
“Se essa polarização se confirmar, ela vai gerar um cansaço tamanho na população que, depois de 2022, vai voltar a ter um espaço maior para partidos como o PSDB, que tem projetos para o país, que pensa o país do ponto de vista da economia, do ponto de vista social, que tem uma história para propagar. O PSDB tem que tomar um cuidado grande para não acabar nesta eleição. Tem que ter um cuidado grande para não tomar um caminho errado de isolamento absoluto e voltarmos amanhã como um partido nanico na Câmara dos Deputados”, disse.
“O partido tem que estar preocupado em voltar fortalecido ao Congresso, ocupar os espaços que já ocupou no passado. Voltar a ser um dos polos principais de disputa”, enfatizou.
Para Aécio, as prévias na legenda devem ocorrer, no entanto ele defende que o pré-candidato escolhido tenha consciência de que poderá ter que abrir mão da candidatura em favor de uma composição que garanta o fortalecimento da sigla.
“Acho bom que se discuta internamente esse nome. Esse pré-candidato deve se reunir com outras forças políticas e, se ele obtiver apoios substantivos, poderá vir a ser o candidato. Mas, se não obtiver, deverá ter a responsabilidade de construir esse apoio em torno de outra candidatura, mesmo que não seja do PSDB”, defendeu o deputado.
Entre nomes credenciados para a disputa no PSDB, além de Doria, surgem o do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e do senador Tasso Jereissati (CE). Os dois últimos têm participado de conversas com demais partidos de centro para construir alternativa à polarização.
Nesse rol de possíveis presidenciáveis que podem sair do grupo, está ainda o primeiro ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta (DEM), e já se cogitou o nome do apresentador Luciano Huck – que renovou contrato com a Globo, para substituir Faustão aos domingos, e abandonou a pretensão de ser candidato.
“Seria muito bom se esse candidato fosse do PSDB, que é o meu partido, mas que fosse um nome que pudesse agregar forças políticas. Não adianta termos dois, três, quatro candidatos na chamada terceira via. Aí vamos fortalecer a polarização”, avaliou o tucano.
Rejeição a atos contra Bolsonaro
Aécio demonstrou rejeitar a adesão de políticos do partido a passeatas organizadas pela esquerda contra Bolsonaro.
Ícone máximo dos tucanos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a apontar a necessidade de união de forças do campo democrático contra Bolsonaro, admitindo até a possibilidade de apoiar Lula, caso o PSDB não tenha candidatura própria em 2022.
O deputado Alexandre Frota (SP), ligado ao governador João Doria, chegou a aderir ao “superpedido” de impeachment de Bolsonaro, também ao lado da esquerda. Nesta semana, o dirigente municipal de São Paulo Fernando Alfredo convocou a militância para se juntar à esquerda, no que chamou de “luta em defesa da democracia”.
Ao comentar esses movimentos, Aécio marcou posição como um “defensor ferrenho da terceira via”.
“Eu estou no time do PSDB. Eu não sou do time do Bolsonaro nem do time do Lula. Eu acho que a negação de um significa a aceitação do outro. Eu sou um fervoroso defensor de uma terceira via”, disse.
O deputado se arriscou em algumas projeções eleitorais. “Hoje vamos ter 25% do eleitorado votando em Bolsonaro em qualquer circunstância e 25% votando no Lula, em qualquer circunstância. Esses outros 50% vão votar não. Não quero Bolsonaro, voto no Lula. Não quero Lula, voto no Bolsonaro”, calculou.
“Por isso acho que há espaço para construir uma terceira via, mesmo que ela não comece com números expressivos de intenção de votos”, ressaltou.
Acusações
Aécio Neves chegou a ser investigado numa dezena de processos no STF. De “quase presidente” em 2014, quando perdeu para Dilma Rousseff (PT) por pouco, no segundo turno, ele passou a responder por suspeitas de solicitar R$ 2 milhões à JBS para pagar advogados em um dos inquéritos resultantes da delação premiada do empresário Joesley Batista.
Em outra delação, feita por membros da empreiteira Odebrecht, foi acusado de receber vantagens indevidas para sua campanha à Presidência, em 2014.
Os inquéritos também alcançaram sua família. A irmã de Aécio, Andrea Neves da Cunha, foi acusada de ser a operadora do senador junto à JBS e ter feito pedidos de dinheiro à empresa. Ela chegou a ser presa em 2017, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. O tucano também foi acusado de obter vantagens ilícitas de empresas contratadas pela hidrelétrica de Furnas, processo que restou arquivado no STF.
De candidato tucano ao Planalto quase vencedor, ele teve de abrir mão da candidatura à reeleição ao Senado em 2018, e optou por se candidatar a deputado federal – foi eleito, mas com muito menos votos do que esperava. Hoje, na Câmara, tenta se reerguer no cenário nacional.
“Demonização da política”
Neves apontou a polarização acirrada de hoje e a chegada de Bolsonaro ao poder como decorrentes de um processo de “demonização da política”, em sua visão, construída durante anos.
“O Bolsonaro é filho da demonização da política.”
“Setores da sociedade e autoridades importantes que defendiam essa demonização devem estar com remorso hoje, de forma generalizada, porque estão vendo a gravidade da situação que estamos vivendo”, disse o deputado. Ao falar da Operação Lava Jato, no entanto, ele elogiou os méritos de ter investigado o governo do PT, mas atribuiu a descrença na força-tarefa a ambições políticas do grupo de Curitiba.
“A Lava Jato tem méritos enormes. Ela ajudou a desbaratar uma organização dentro do governo do PT. O que ocorreu é que, em um determinado momento, algumas dos atores principais, sobretudo procuradores, começaram a ver ali a possibilidade de um projeto político”, apontou o tucano, que também chegou a ser réu da Lava Jato, mas viu o inquérito ser arquivado por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF.
Quebra de patentes
Na próxima terça-feira (6/7), a Câmara deve votar a proposta que quebra patentes de medicamentos, imunizantes e outros insumos em casos de pandemia. Aécio é relator da proposta, e incluiu no seu parecer a possibilidade de que o Congresso também tenha a atribuição de decretar estado de emergência. Hoje, somente o Poder Executivo tem essa competência.
Outra mudança introduzida pelo deputado no relatório é que, durante o tempo em que vigorar emergência sanitária, o país possa produzir vacinas, medicamentos, insumos de propriedade de laboratórios de outros países, ressarcindo em 1,5% o valor líquido que eles receberiam se vendessem as vacinas. A proposta já foi aprovada no Senado e será votada agora na Câmara.
“É um gesto de reconhecimento à pesquisa, ao trabalho desses laboratórios, mas isso, de forma prática, nos tira dessa fila interminável e dessa dependência de hoje”, enfatizou.
O deputado disse que sua intenção é criar um arcabouço jurídico para que o país possa enfrentar com mais eficiência essa e outras pandemias que possam surgir.
“Em caso de emergência sanitária internacional, isso é decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No caso de emergência nacional, esse estado de emergência seria decretado pelo Ministério da Saúde. Eu estou propondo que isso não ocorra apenas por uma iniciativa do Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional tenha esse poder concorrente se houver a omissão do Poder Executivo”, explicou.
Voto impresso
Logo após as eleições de 2014, quando o então senador mineiro perdeu as eleições para Dilma Rousseff, o PSDB pediu auditagem nos votos. Aécio rejeita a avaliação de que essa atitude tenha contribuído para a desconfiança incentivada hoje pelo presidente Bolsonaro no sistema eleitoral, nas urnas eletrônicas. O atual mandatário tem insistido na questão do voto impresso.
Para o agora deputado, o resultado do trabalho feito pela Justiça Eleitoral na época comprovou que as urnas não são auditáveis – ponto refutado, porém, pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Aécio rejeita a crítica comum de que não aceitou, na época, o resultado das urnas. “Nós pedimos ao TSE, em benefício dos processo futuros, que nos permitisse uma auditagem nas urnas. Isso não tem nada a ver com questionamento de resultado da eleição ou contagem de votos. No dia, eu aceitei o resultado das eleições”, destacou, relatando ter ligado na noite do resultado para a então presidente reeleita.
“Existia uma dúvida. Por onde se andava existiam questionamentos. ‘Minha urna estava assim, minha urna estava assado'”, alega o deputado.
“Nós pedimos que fosse feita uma auditoria para que houvesse tranquilidade para o futuro em relação às urnas eletrônicas. O TSE permitiu que fosse feita essa auditoria. Foram contratados 11 especialistas. Produziram um documento de milhares de páginas detalhando todo seu funcionamento. A conclusão é simples: as urnas são inauditáveis”, sustenta o parlamentar, contrariando a defesa feita pelo ministro Barroso.
“Por mais que eu ache que as urnas são infalíveis, que o ministro Barroso ache que as urnas são a oitava maravilha do mundo, uma parcela da população brasileira tem dúvida sobre o sistema”, insiste Aécio.
O mineiro, como integrante na Câmara da comissão que analisa o assunto, encaminhou ao relator da matéria, deputado Felipe Barros (PSL-PR), proposta para que se inicie no próximo ano o registro impresso do voto em 3% das urnas.
“As urnas eletrônicas não podem ser tratadas como uma cláusula pétrea da Constituição”, defende. Ao mesmo tempo, ele diz que sua posição não guarda relação com o pensamento de Bolsonaro. “Nada tem a ver com esse extremismo dos dois lados.”
Na semana passada, 11 presidentes de partidos políticos se reuniram para fechar questão contra o voto impresso. Participou do encontro o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo (PE). Aécio, no entanto, lembra que todo o PSDB votou de forma unânime para derrubar, em 2015, veto da então presidente Dilma Rousseff ao voto impresso.
“Eu acredito que o sistema tenha sido fraudado? Sinceramente, não. Se você me perguntar se o sistema é imune a fraudes, também não sei dizer”, assinalou o tucano. “O que eu sei é que o mundo inteiro, países democráticos, os mais desenvolvidos, rejeitam esse sistema tal como ele está implementado no Brasil, sem possibilidade de conferência física”, argumenta.