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Projeto que restringe acesso a aborto em caso de estupro vai a Plenário na Câmara

Aprovada nesta quarta-feira (21/10) na CCJ, proposta de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) obriga mulheres a comprovarem violência sexual para obter pílula do dia seguinte e fazer aborto legal

atualizado

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Lucio Bernardo Junior /Agência Câmara
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1 de 1 ccj - Foto: Lucio Bernardo Junior /Agência Câmara

Com direito a gritos de “eu quero B.O., eu quero B.O.”, deputados evangélicos comemoraram a aprovação, nesta quarta-feira (21/10), pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de uma proposta que dificulta o acesso de mulheres vítimas de violência sexual à pílula do dia seguinte e ao aborto legal. O Projeto de Lei 5.069/2013 obriga mulheres violentadas a comunicarem o abuso sofrido às autoridades policiais e a fazerem o exame de corpo de delito para comprová-lo.

A votação teve 37 votos a favor e 14 contra. O texto segue agora para votação no Plenário da Casa. De autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o projeto altera o Código Penal e torna crime o anúncio de métodos abortivos ou a indução à interrupção da gravidez “ainda que sob o pretexto da redução de danos” – com penas mais elevadas para médicos e profissionais de saúde.

O relator Evandro Gussi (PV-SP) apresentou um texto substitutivo ao original, ainda mais amplo. Ele foi aprovado nesta quarta-feira e altera o entendimento legal sobre o que é violência sexual. Em vez de considerá-la “qualquer forma de atividade sexual não consentida”, conforme determina a lei em vigor (Lei 12.845/2013), a nova redação resgata o conceito do Código Penal de 1940, que restringe a violência sexual aos atos que trazem “danos físicos e psicológicos” para a pessoa.

Gilmar Félix/Agência Câmara
O deputado federal e relator da proposta na CCJ, Evandro Gussi (PV-SP)

O texto inicial de Gussi retirava da Lei 12.845/2013 a obrigação de os hospitais públicos oferecerem imediatamente às vítimas de violência sexual a profilaxia da gravidez, mais conhecida como contracepção de emergência. Diante da pressão contrária durante a negociação, o autor desistiu de alterar a lei nesse sentido.

No entanto, o projeto aprovado prevê que “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”. De acordo com críticos da proposta, a mudança abre espaço para que médicos se recusem a oferecer a pílula do dia seguinte ou a realizar o aborto legal.

Ao Metrópoles, Gussi negou que a iniciativa tenha o intuito de proibir a distribuição da pílula do dia seguinte e de restringir o aborto às vítimas de estupro. “A pílula do dia seguinte não é regulada no Brasil e o projeto de lei não a criminaliza. Qualquer mulher pode carregar quantas quiser na própria bolsa”, diz o relator.

O que nós estamos dizendo é o seguinte: o aborto no Brasil é crime, só que ele não é punido quando a mulher é vítima de estupro. Mas como é que eu tenho certeza de que ela realmente foi violentada? E se ela simplesmente teve uma relação sexual, não quer o bebê e mente dizendo que foi abusada sexualmente? Isso precisa ser provado, não é simplesmente alguém dizer

Evandro Gussi

A iniciativa enfrenta resistência do governo federal. Em meio à discussão, o Ministério da Saúde divulgou aos parlamentares uma nota contrária ao projeto, na qual defende a autonomia dos profissionais de saúde responsáveis pelo atendimento às vítimas.

“Os serviços de saúde não devem exigir qualquer documento para a prática de abortamento nesses casos, e a mulher violentada sexualmente não tem o dever legal de notificar o fato à polícia, bem como não tem obrigação da apresentação do Boletim de Ocorrência para sua submissão”, afirma o MS.

Assinado pela Área Técnica da Saúde da Mulher, o documento também reforça a importância da pílula do dia seguinte e afirma que, quando corretamente usada, ela previne 80% de gestações em jovens e mulheres. Segundo o ministério, o uso do levonorgestrel – componente da pílula de emergência – “não contraria a legislação brasileira por não ser abortivo”, visto que ele impede a fecundação do óvulo.

De acordo com a deputada Érika Kokay (PT-DF), a alteração na lei aumentará o sofrimento das vítimas de violência sexual, que passariam por novo constrangimento ao terem de provar a agressão sofrida.

Esse projeto tira o anúncio dos direitos da mulher. A vítima de violência sexual tem direitos – inclusive o de interromper uma possível gravidez

Deputada Federal Érika Kokay (PT-DF)

Contrária ao projeto, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) foi uma das que apresentaram voto em separado na CCJ – assim como os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Rubens Júnior (PCdoB-MA). Ao Metrópoles, a presidente nacional do PTB afirma que a iniciativa faz parte da estratégia de “grupos religiosos, em geral encabeçados por homens, que querem retroagir no direito das mulheres”.

A presidente do PTB lembra que a realização de abortos clandestinos é, atualmente, a maior causa de mortalidade materna no país. A petebista também rebate as afirmações de Gussi de que muitas mulheres mentem sobre serem violentadas para ter acesso ao aborto pelo SUS.

Lucio Bernardo Jr./Agência Camara
Crítica à iniciativa, a deputada federal Cristina Brasil (PTB-RJ) apresentou um voto contrário em separado

“Não acredito que isso seja uma possibilidade. O constrangimento de uma gravidez indesejada fruto de violência não pode ser confundido com um aborto ilegal. Não acredito que nenhuma mulher vá se passar por isso. Não é tirando das mulheres o direito legal de interromper a gravidez que vão conseguir inibir o aborto ilegal”, defende a petebista.

Gustavo Lima/Agência Câmara
O presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o autor da proposta

Entenda o caso
Desde a derrota com a aprovação da Lei 12.845/2013, a bancada religiosa da Câmara tem se articulado para barrar o acesso à contracepção de emergência e ao aborto legal pelo SUS.

Por pressão do então líder do PMDB e atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro, chegou a revogar uma resolução sobre a realização do aborto no SUS, nos casos já previstos em lei.

A portaria 415/2014 estabelecia que o governo deveria pagar R$ 443,30 por cirurgia aos hospitais e alterava o nome do procedimento de “curetagem” para “interrupção da gestação ou antecipação do parto”.

Não satisfeito com a derrubada, Cunha tentou revogar a íntegra da Lei 12.845/2013. Sem sucesso, o peemeebista aposta agora na aprovação do PL 5069/2013, para reverter a situação.

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