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Previdência: o que a reforma do Brasil tem a ver com a da Argentina?

As propostas têm diferenças significativas, mas, assim como no país vizinho, Temer deverá enfrentar resistência popular

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FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
LI CÚPULA DE CHEFES DE ESTADO DO MERCOSUL E ESTADOS ASSOCIADOS
1 de 1 LI CÚPULA DE CHEFES DE ESTADO DO MERCOSUL E ESTADOS ASSOCIADOS - Foto: FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Ao encontrar o presidente da Argentina, Mauricio Macri, durante a abertura da 51ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, no dia 21 de dezembro, Michel Temer (PMDB) gritou aos jornalistas presentes: “Ele aprovou a [reforma da] Previdência lá na Argentina. Serve de exemplo”. O governante brasileiro se referia à proposta que altera as regras para aposentadoria no vizinho latino-americano, aprovada no dia 19 deste mês pelo Congresso argentino.

A “expressiva vitória”, nas palavras depois usadas por Temer, em seu discurso oficial, foi na verdade um placar apertado: 127 a 117. Ainda assim, o presidente argentino conseguiu mais do que o brasileiro, pois atingiu o quórum necessário para análise e aprovação do texto. Após contabilizar os votos da base do governo, o Palácio do Planalto adiou para 2018 a apreciação do projeto na Câmara dos Deputados.

Diante da articulação do governo Temer para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em fevereiro do próximo ano, a comparação entre o caso brasileiro e a reforma do vizinho sul-americano – e as reações populares a ela – é inevitável e deixa a pergunta: O que a experiência argentina pode revelar sobre a votação do projeto no Brasil?

As mudanças previdenciárias propostas pelos dois governos têm significativas diferenças entre si. Enquanto, no Brasil, o substitutivo redigido pelo relator Arthur Maia (PPS-BA) mantém a idade mínima e o tempo de contribuição como pilares para a redução do déficit da seguridade social, na Argentina, a reforma se concentrou na mudança do cálculo para o reajuste da aposentadoria, que passa a ser majoritariamente orientado pela inflação. Com a mudança, o próximo aumento dos benefícios, o qual seria de 12% a 14%, ficará em torno de 5,7%.

 

Arte/Metrópoles

Em ambos os países, contudo, as novas regras geraram protestos entre os parlamentares e forte reação popular dos eleitores, contrários às medidas de ajuste fiscal. Na Argentina, políticos da oposição afirmam que a mudança trará perdas para os aposentados. No Brasil, deputados contrários à proposta questionam a própria existência de um déficit previdenciário, argumento central do Ministério da Fazenda para a aprovação da PEC.

Cenário político 
Mauricio Macri e Michel Temer assumiram seus mandatos com um projeto de governo em defesa de uma agenda de reforma para garantir o equilíbrio das contas públicas e a redução da interferência do Estado no mercado. O conturbado cenário político brasileiro, contudo, dificultou o avanço na Câmara de algumas propostas do Palácio do Planalto, como a PEC que prevê novas regras previdenciárias.

Aprovada por comissão especial em 3 de maio, a reforma da Previdência teve o seu trâmite paralisado no Congresso, após a divulgação das delações de executivos do grupo J&F, no mesmo mês. As revelações dos irmãos Joesley e Wesley Batista implicaram Temer e assessores próximos ao presidente, sustentando o envio de duas denúncias contra o presidente pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot.

A articulação do governo para barrar as acusações de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa dominou o noticiário político. Ao longo do último ano, o presidente viu o seu índice de popularidade despencar, atingindo o recorde de apenas 3% de popularidade, segundo pesquisa CNI/Ibope, em setembro deste ano.

Na Argentina, de acordo com levantamento encomendado pelo jornal Clarín, 52,1% da população acreditam na evolução do país desde que Macri assumiu o poder. Em outubro deste ano, o presidente, durante as eleições legislativas, conseguiu aumentar sua base de apoio no Congresso, e isso lhe garantiu respaldo político para impulsionar reformas como a da Previdência e a tributária.

“No Brasil, o problema é muito mais sério e complexo do que na Argentina. Diante do nosso quadro político, as pessoas acabam ficando desapontadas em saber que precisarão pagar uma conta, ao mesmo tempo em que todos assistem à situação caótica de corrupção no país”, explica o sócio da consultoria Mazars Cabrera, Alexandre Almeida.

Articulações no Legislativo
Mesmo com o crescimento de sua base de apoio no Legislativo, Macri teve de traçar uma estratégia de negociações entre os parlamentares argentinos, para a aprovação do texto. Em reuniões com governadores locais, o presidente prometeu que parte da economia obtida com a reforma – estimada em US$ 4 bilhões, em um ano – seria destinada às províncias.

No Congresso, Macri acordou com os deputados um bônus de 5 bilhões de pesos (aproximadamente R$ 970 milhões) a ser dividido entre milhões de aposentados, com o objetivo de “aliviar” a transição do antigo sistema previdenciário para as novas regras. As estratégias surtiram efeito: mesmo após a primeira tentativa de votação ter sido frustrada pela falta de quórum na última semana, o Legislativo aprovou o texto com 127 votos.

No Brasil, por se tratar de uma PEC, a proposta necessita do voto de 308 entre os 513 deputados. A última estimativa do Palácio do Planalto contabilizava o apoio de cerca de 270 parlamentares, o que, de acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), provocou o adiamento da votação para 2018.

Segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Jorge Ramalho da Costa, mudanças no sistema previdenciário são temáticas áridas para vários países, enfrentando forte resistência no Legislativo. “Em alguma medida, pelo arranjo que permitiu ao presidente Temer permanecer no poder, interessa aos políticos que essas reformas aconteçam agora. Caso contrário, terão de ser feitas em outros governos”, afirma.

No Brasil, a articulação com o Legislativo passou por liberação de emendas parlamentares, destinação de verbas aos estados e programas de refinanciamento de dívidas da União. Com a votação prevista para um ano eleitoral, contudo, a aprovação da nova Previdência deve depender de um único item: o apoio popular.

Reações populares e impacto eleitoral
A aprovação da reforma da Previdência no Congresso argentino, na última semana, levou ao que os jornais locais classificaram como a pior crise política desde 2001, quando o congelamento de contas e poupanças provocou manifestações, 38 mortos e a renúncia do então presidente Fernando de la Rúa. Na última terça-feira (19/12), autoridades oficiais contabilizaram 162 feridos e 70 detidos.

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O Congresso argentino foi cercado pela polícia e por forças de segurança, para evitar a chegada dos manifestantes opositores à reforma da Previdência
Reforma foi aprovada na Câmara dos Deputados, por 127 a 117 votos
Segundo informações oficiais, 162 pessoas foram feridas, e 70, detidas e liberadas no mesmo dia
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Manifestantes protestaram, na última semana, contra a mudança na Previdência, em Buenos Aires

VICTOR R. CAIVANO/ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
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O Congresso argentino foi cercado pela polícia e por forças de segurança, para evitar a chegada dos manifestantes opositores à reforma da Previdência

NESTOR J. BEREMBLUM/ELEVEN/ESTADÃO CONTEÚDO
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Reforma foi aprovada na Câmara dos Deputados, por 127 a 117 votos

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Segundo informações oficiais, 162 pessoas foram feridas, e 70, detidas e liberadas no mesmo dia

“O histórico político e social da Argentina é muito diferente do quadro brasileiro. É um país onde os sindicatos e a esquerda têm uma popularidade e uma força dentro da classe média incomparáveis com o Brasil”, afirma Alexandre Almeida. A forte reação popular, contudo, não impediu a aprovação do projeto.

No Brasil, com o componente eleitoral em jogo, é possível, no entanto, que o cenário seja diferente. Manifestações populares contrárias à proposta devem pressionar os parlamentares a adiar ou enterrar a apreciação da matéria na Câmara, segundo a previsão de especialistas. “Se algum grupo político fizer a leitura da reforma como uma política de governo, poderemos ter mobilizações como essas”, explica Antônio Jorge Ramalho da Costa.

Ao longo dos próximos meses, Temer deve, portanto, jogar mais para a plateia do que para os próprios parlamentares. “O governo federal não tem outra opção senão investir pesado em marketing. Apenas com o apoio popular, o Congresso vai se dispor a votar [a reforma]”, diz Almeida.

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