Previdência: Bolsonaro e Maia fumam cachimbo da paz e definem relator
Lideranças partidárias fazem meio-campo entre os presidente do Executivo e do Legislativo e dão primeiro passo para tirar a reforma do papel
atualizado
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Imagine um caldeirão onde são jogados os ingredientes mais diversos e com sabores que se rivalizam. Críticas, desentendimentos, indiretas e diretas, cobranças, ataques, réplicas, tréplicas e frases de efeito. Não dá outra: o caldo entorna.
A alegoria gastronômica ilustra bem a tensão entre o Executivo e o Legislativo federais nas últimas duas semanas, o que colocou no fio da navalha a reforma da Previdência – projeto prioritário da área econômica para a atual gestão no comando do país. Nessa quinta-feira (28/3), no entanto, ambos os poderes parecem ter caído na real e somaram esforços para que o prato principal do governo Jair Bolsonaro (PSL) não desande de vez.
O primeiro passo para pôr em prática a nova Previdência foi dado, finalmente, com a definição do relator da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, Marcelo Freitas (PSL-MG). Ele foi anunciado nessa quinta pelo presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Não foi uma escolha fácil, ao contrário do que querem fazer crer as lideranças do governo e do Congresso. O trabalho de costura política foi minucioso, tudo para evitar que Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trocassem ainda mais farpas por meio da imprensa.
Os bombeiros não poderiam esperar mais. A quarta (27) terminou com a relação entre o peesselista e o democrata em ebulição. O deputado disse que Bolsonaro brinca de ser presidente. O chefe do Executivo reagiu e afirmou que a atitude do parlamentar foi “muita irresponsabilidade”. “Pare de criticar, chega”, emendou Rodrigo Maia.
Entendimentos e encontros
Eis que, como por milagre, a quinta se mostrou um dia de entendimentos e encontros. Só para ficar na área gastronômica, o presidente da Câmara precisou de muito apetite: tomou café da manhã com o ministro da Justiça, Sergio Moro, com quem trocou palavras duras na semana passada. À mesa, além dos acepipes habituais, estava a tramitação do pacote anticrime elaborado pelo ex-juiz federal.
Já o almoço foi com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o cardápio, claro, não poderia ser outro: a reforma da Previdência. De quebra, disseram ter selado a paz durante a refeição.
“Estava na hora de a gente focar naquilo que vai mudar a vida dos brasileiros. Retomamos o diálogo. Nosso foco sempre serão os temas que podem mudar a vida dos brasileiros e, sem dúvida, o diálogo com o ministro Paulo Guedes é importante”, destacou o parlamentar.
Guedes, por sua vez, elogiou Maia e apostou: “Agora a reforma vai deslanchar”. Depois, assegurou que o democrata apoia a revisão das regras previdenciárias e ajuda na articulação em torno da aprovação da proposta desde o início do governo Bolsonaro.
E o presidente da República também empunhou, nessa quinta, a bandeira branca. De emissários, ouviu que os ministros Moro e Guedes voltaram às boas – pelo menos por ora – com Rodrigo Maia. “Foi uma chuva de verão, mas agora o céu está lindo”, amenizou Bolsonaro, ainda pela manhã.
Ele garantiu que a crise entre os poderes Executivo e Legislativo é “página virada”. “Tive um excelente diálogo com o [presidente do Senado] Davi Alcolumbre [DEM-AP]. Agora, estou à disposição do Rodrigo Maia”, afirmou.
À noite, ao chegar a uma churrascaria da cidade, o chefe do Executivo nacional se mostrou satisfeito com os primeiros passos da reforma da Previdência na Câmara: “Vai dar tudo certo”.
Consenso e ganhos
O discurso do governo é que, mesmo com a demora para a indicação do relator da reforma da Previdência na CCJ, a escolha de um nome em consenso entre Legislativo e Executivo vai trazer ganhos no caminho que está por vir.
“Depois da tempestade, vem a bonança.” A frase usada pelo ministro Sergio Moro para celebrar a retomada de diálogo com Rodrigo Maia parece ter contaminado a todos, principalmente depois que o relator da reforma na CCJ, Marcelo Feitas, foi anunciado.
Antes de divulgar o nome do escolhido, Felipe Francischini caprichou no suspense e disse que a decisão foi conjunta e consensual. “Houve grande entendimento com o presidente Rodrigo Maia e com os líderes da Casa de que nós daremos total prioridade à tramitação da reforma. Agora, com certeza, os ânimos estão acalmados”, destacou.
“A gente precisava ter esse acordo de líderes. O que a gente quer é que a coisa tramite o mais rápido possível. É muito mais inteligente perder alguns dias para construir um consenso do que criar um dissenso e perder muitos dias depois dentro da comissão”, destacou a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP).
Cronograma de trabalhos
Com os ânimos serenados, os líderes partidários se sentiram à vontade para estabelecer o cronograma de trabalho na CCJ. Na próxima quarta (3/4), Paulo Guedes irá à comissão explicar aos parlamentares, detalhadamente, a proposta da reforma da Previdência e os pontos considerados fundamentais ao governo.
No dia seguinte (4), será a vez de uma comissão de juristas ser ouvida pelos integrantes da CCJ. No dia 17, enfim, a comissão vota parecer do relator e a admissibilidade da proposta.
Após a CCJ, o texto seguirá para uma comissão especial na Câmara, onde passará por nova análise. Depois, caso aprovada nessa etapa, a Proposta de Emenda Constitucional da reforma da Previdência poderá ser votada no plenário. Por alterar a Constituição Federal, são necessários dois turnos no plenário para o projeto ser aprovado.
O otimismo também foi externado pelo presidente Jair Bolsonaro, que recorreu ao seu slogan de campanha para assegurar que o caldo respingou, mas não entornou: “Como eu disse, o Brasil está acima de nós”, destacou, garantindo não haver mais qualquer problemas com Maia. “Vamos em frente. Deus acima de tudo”, encerrou.