Parlamentares que vão votar Novo Refis devem R$ 533 milhões à União
Valor inclui dívidas inscritas nos CPFs deles, débitos nos quais são corresponsáveis ou fiadores e o endividamento de empresas
atualizado
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Deputados e senadores que devem à União R$ 532,9 milhões serão os responsáveis por votar o texto do Novo Refis — programa de parcelamento de débitos tributários e previdenciários concedido com descontos generosos de juros e multas. O governo enviou uma proposta ao Congresso, em janeiro, com a expectativa de arrecadar R$ 13,3 bilhões este ano.
Porém, a medida foi alterada pelos parlamentares, derrubando a arrecadação para R$ 420 milhões. A nova versão pretende perdoar 73% da dívida a ser negociada.
Os R$ 532,9 milhões em dívida dos parlamentares consideram apenas as dívidas em aberto, ou seja, o endividamento classificado como “irregular” pela PGFN. Isso porque deputados e senadores já foram beneficiados por parcelamentos passados. O total de débitos ligados a deputados e senadores inscritos em Refis anteriores — ou seja, que estão sendo pagos e se encontram em situação “regular” — é de R$ 299 milhões.
Companhias administradas por parlamentares respondem pela maior parte dos calotes à União que seguem em aberto. As empresas de 76 deputados federais devem R$ 218,7 milhões, enquanto as geridas por 17 senadores acumulam débitos de R$ 201,2 milhões. Neste grupo, se inclui o deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), relator da medida provisória do novo Refis e responsável por modificar totalmente o teor do texto original para ampliar as vantagens aos devedores.
A Receita Federal vai recomendar o veto do novo Refis se permanecerem as condições propostas pelo relator. Desde o início, a Receita queria que essa versão do parcelamento saísse com regras duras para desestimular os “viciados” em parcelar dívidas tributárias — contribuintes que pagam apenas as primeiras prestações e depois abandonam os pagamentos à espera de novo perdão.
Desde 2000, já foram lançados 27 parcelamentos especiais.
A PGNF informou ainda que 11 deputados são corresponsáveis em dívidas que chegam a R$ 31,8 milhões, bem como três senadores estão arrolados em débitos de terceiros que somam R$ 62,2 milhões.
A lista do órgão de cobrança expõe ainda os débitos diretos dos parlamentares, inscritos nos próprios CPFs. Nesse grupo, estão 29 deputados federais, com dívida total de R$ 18,9 milhões, e quatro senadores, que juntos devem R$ 6 milhões.
Relator
Responsável por alterar novamente o Refis com a inclusão de um perdão de até 99% das multas e dos juros das dívidas com a União, Newton Cardoso Jr. deve à União R$ 51 milhões. As planilhas da PGFN mostram que ele figura como presidente da Companhia Siderúrgica Pitangui, que detém dívida ativa de R$ 48,7 milhões. O restante se trata de um débito de R$ 2,3 milhões da NC Participações e Consultoria, da qual o deputado seria diretor.
Reconduzido ao posto de relator do Refis, após ter alterado completamente a primeira proposta enviada pelo governo ao Congresso, Cardoso Jr. voltou a incluir condições mais vantajosas para as empresas. O parecer dele, aprovado na semana passada pela comissão mista da Medida Provisória (MP) 783, também estendeu os descontos — que antes valiam apenas para contribuintes com débitos de até R$ 15 milhões — para firmas com dívidas de até R$ 150 milhões.
Para entrar no programa, todos pagam 20% da dívida ainda este ano, exceto essas empresas com dívida de até R$ 150 milhões, que pagarão 2,5%. O saldo restante pode ser liquidado de várias formas. Os que pagarem tudo que falta em janeiro de 2018, ganham 99% de desconto nos juros e multas. Outra opção é fazer parcelamentos a perder de vista, mas nesses casos os abatimentos em multas e juros diminuem um pouco: 90% para o parcelamento em 145 meses e 85% para 175 meses.
Cardoso Jr. também reduziu o valor da entrada, parte da dívida sobre a qual não incide o desconto de juros e multas e que precisa ser pago em cinco parcelas, em espécie. O governo enviou a MP exigindo que 7,5% da dívida fossem pagos na entrada. O relator diminuiu essa parcela para 2,5%. Com essas modificações, a arrecadação prevista para 2017 com o Refis cai de R$ 13,3 bilhões para R$ 420 milhões.
Causa própria
Para o diretor executivo do instituto Transparência Brasil, Manoel Galdino, a concessão de benesses tributárias para os devedores da União justamente em meio à atual crise fiscal é absurda. “O que estamos vendo são os parlamentares legislando em causa própria.
O regimento da Câmara não proíbe, mas um deputado com dívidas ativas com a União relatar a proposta viola a ética e chega a ser indecoroso”, avalia. “E a adoção consecutiva de programas de Refis penaliza os contribuintes que honram suas obrigações em dia.”
Cardoso Jr. não quis dar entrevista, mas respondeu, por meio de sua assessoria, que todas as dívidas em aberto das empresas ligadas a ele estão sendo questionadas na Justiça. “Não sou devedor. Todos os débitos estão sendo questionados na Justiça. Minha atividade parlamentar não se confunde com a empresarial. Esclareço que fechamos um texto que atende às necessidades da sociedade, acima de qualquer interesse particular ou corporativo”, rebateu.
O deputado alegou que o novo Refis vai permitir a regularização fiscal de milhares de pessoas físicas e jurídicas. “O texto aprovado vai possibilitar a retomada do desenvolvimento do país, que enfrenta uma grave crise econômica, com 15 milhões de desempregados”, acrescentou. “Estamos prestando um grande serviço à nação.”
Conflitos
Deputados e senadores não enxergam conflito de interesse em discutir um novo Refis, mesmo sendo potenciais beneficiados do novo programa de parcelamento. Sabino Castelo Branco (PTB-AM) afirmou que fez o parcelamento do valor e pediu a retirada desse nome da lista. Carlos Melles (DEM-MG) contou que não sabia da dívida de quase R$ 900 mil, mas não vê conflito.
“Sou deputado, mas sou brasileiro, tenho direito de me defender”, afirmou Melles. Carlos Bezerra (PMDB-MT) também negou qualquer tipo de conflito. “O Refis abrange todo mundo”, salientou Wladimir Costa (SD-PA) e disse que deve não só à Fazenda Nacional, como também “a Deus e ao mundo”, mas que vai pedir parcelamento. Já Junior Marreca (PEN-MA) contou que não parcelou seus débitos ainda porque entrou com um pedido de retificação da dívida.
O deputado Bebeto (PSB-BA), por sua vez, explicou que a dívida está sendo paga e vai votar contra a proposta do Refis. Já Cajar Nardes (PR-RS) disse que o débito é de uma empresa da qual era sócio, mas pediu dissolução da sociedade em 2005. O deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) afirmou que está contestando os valores referentes à pendência, enquanto Ezequiel Fonseca (PP-MT) respondeu à reportagem que não tinha ciência do débito, mas que vai pagar.
A deputada Janete Capiberibe (PSB-AP) argumentou que a pendência é de um processo de 1999, que já está quite. Já Augusto Coutinho (SD-PE) alegou que a dívida é referente a uma multa, que está sendo questionada judicialmente. José Fogaça (PMDB-RS), por outro lado, afirmou que votará contrário ao Refis, enquanto Arthur Lira (PP-AL) alegou que seu débito foi parcelado. Franklin (PP-MG) contou que regulariza a situação. Já o deputado Guilherme Mussi (PP-SP) afirmou que não tinha conhecimento da pendência.
Gilberto Nascimento (PSC-SP) disse que estava viajando e não poderia falar. George Hilton (PSB-MG) não quis se manifestar porque o caso está sendo alvo de processo na Justiça. Os demais deputados não foram encontrados.Senado
O senador Roberto Rocha (PSB-MA) informou que o débito se refere à verba indenizatória do início dos anos 90, que foi incorporada no seu imposto de renda e está sendo questionado na Justiça. Lindbergh Farias (PT-RJ) diz que a dívida refere-se a uma multa eleitoral da campanha de 2014 que também está sendo questionada na Justiça. João Alberto de Souza (PMDB) não respondeu os questionamentos da reportagem. Jader Barbalho (PMDB-PA) não foi encontrado.