País não vai tremer se Lula for condenado, diz FHC
O ex-presidente tucano falou sobre o julgamento do dia 24, as eleições deste ano e os rumos da economia na entrevista a seguir
atualizado
Compartilhar notícia
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que uma eventual condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julgamento marcado para o dia 24 de janeiro, seria ruim para o país, mas acredita que a população não vai “tremer nas suas bases por causa disso”. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, FHC falou ainda sobre o cenário eleitoral em 2018, a Operação Lava Jato, e afirmou não ser otimista nem pessimista em relação ao ano recém iniciado.
Para FHC, o governador Geraldo Alckmin ainda precisa provar ser capaz de aglutinar o centro do espectro político e de “transmitir uma mensagem” aos brasileiros para se viabilizar como candidato do PSDB e de seus aliados ao Palácio do Planalto neste ano. “Se houver alguém com mais capacidade de juntar, que prove essa capacidade e que tenha princípios próximos aos nossos, temos que apoiar essa pessoa.”
Sobre a Lava Jato, Fernando Henrique afirmou que o PSDB não participou do sistema de poder político baseado na propina, “nem em São Paulo”. “No caso de São Paulo, se houve algum malfeito no Rodoanel (uma das obras em investigação – teria havido cartel para linhas de metrô também), não foi o PSDB que fez ou o governador que organizou.”Do ponto de vista econômico, FHC acredita que “estamos começando a ter um bom momento no mundo” e que, “se tivermos condição de eleger alguém confiável ao país, tem possibilidade de um certo avanço no Brasil”.
Veja abaixo a alguns trechos da entrevista:
O senhor tem algum temor em relação a 2018? Está entre os pessimistas ou otimistas?
Tenho, mas estou no intermediário. Do ponto de vista econômico, estamos começando a ter um bom momento no mundo. O mundo conta sempre. Há o momento em que o ciclo é ascendente. Isso ajuda. Nós aqui demos alguns sinais de melhoria. Se tivermos condição de eleger alguém confiável ao país, tem possibilidade de um certo avanço no Brasil. Nesse lado sou otimista. O meu temor é que não se consiga organizar o centro. É preciso que haja lideranças capazes de organizar. Há o perigo de que um demagogo dê sensação às pessoas de que vão influenciar a favor dos que mais precisam. Mas acredito que dá tempo de organizar o centro.
O sr. inclui o ex-presidente Lula nesta lista de demagogos?
O Lula mesmo se declarou uma metamorfose ambulante. Ele é extremamente sensível aos estímulos do momento. Sabe se posicionar definindo o inimigo. Esse inimigo varia, de acordo com o momento. O que ele tem não é demagogia no sentido banal, mas a capacidade de explicar. É muito importante em uma sociedade de massa que o líder fale. A sociedade nem sempre quer ouvir, mas agora está aberta porque está perplexa. É preciso que alguém toque nas cordas sensíveis à população. O Lula toca de ouvido. O candidato sem capacidade de expressão tem dificuldade de se firmar, ainda que esteja certo. Eu não conheço o Bolsonaro. Ele era deputado no meu tempo e não tinha uma expressão maior. Queria me fuzilar, mas nunca dei atenção. Não sei o que ele pensa sobre qualquer tema. Não sei se ele é capaz de expressar o que pensa sobre qualquer tema. Às vezes a pessoa, mesmo sem ter a capacidade de expressar, simboliza.
O sr. acha possível em 2018 termos uma candidatura do Planalto e outra do PSDB, com outros partidos apoiando Alckmin?
É possível, mas não desejável. Chegamos em um ponto em que é preciso unir, colar. Está tudo muito desagregado. No mundo contemporâneo você consegue muito mais essa colagem pela mensagem do que qualquer outro fator, para o bem ou para o mal. Veja o que aconteceu nos Estados Unidos: o (presidente Donald) Trump colou lá. Na França, o (presidente Emannuel) Macron também. Cada um de um jeito, com orientação diferente. Por mais que exista comunicação entre as pessoas, é necessário que alguém lidere e seja capaz de emitir uma mensagem.
Qual é a mensagem?
Esse é o ponto. O partido que tiver uma mensagem que pegue no povo. Não é tanto a mensagem, mas como ela é emitida. No nosso caso, o que é necessário é ter um novo sentimento de coesão nacional. Não dá para levar um país de 200 milhões de habitantes na base de fracionar e destilar uma situação de radicalização, como aparentemente está se formando. Quem tiver uma mensagem mais abrangente tem mais chance. As pessoas querem emprego, segurança – que é um tema que não estava na pauta eleitoral, mas hoje está – e as questões básicas. A mais básica da agenda do Estado é a educação. Não há emprego possível sem educação. Do ponto de vista da agenda das pessoas, há também o transporte e a saúde.
O sr. disse que o pior cenário seria o centro se fragmentar. Se chegar lá na frente e não acontecer um acordo, se o governo insistir em lançar um candidato, qual deve ser a posição do PSDB: manter uma candidatura que mantenha esses valores ou sucumbir e apoiar outra?
Tem que manter a candidatura, mas tem que ter efeito no voto.
Viabilidade eleitoral?
Isso. Se não vai para a academia. Quem entra na política sai da área de conforto. Tem que ter capacidade de juntar pessoas com opiniões diferentes. Se houver alguém com mais capacidade de juntar, que prove essa capacidade e que tenha princípios próximos aos nossos, tem que apoiar essa pessoa. Não vejo quem seja.
Então não necessariamente o candidato do centro tem que ser do PSDB?
Tem que ter um. Espero que esse (candidato) tenha capacidade de aglutinar. Se houver outro que aglutine, vai fazer o quê? Veja o que houve no Rio: ficou entre (Marcelo) Crivella (atual prefeito pelo PRB) e (Marcelo) Freixo (deputado estadual pelo PSOL que perdeu para Crivella na disputa municipal).
Estamos há menos de um mês do julgamento do recurso de Lula no TRF-4. Do ponto de vista da sociologia e da política, qual seria o impacto para o País de uma eventual condenação de um ex-presidente da República?
Do ponto de vista do país, é sempre ruim. É ruim para o país e para a memória, mas não acredito que a população vai tremer nas suas bases por causa disso. Não acho que o país vai tremer em função disso. É claro que existe também uma estratégia política do PT: a perseguição. Se o julgamento terminar em condenação, tem que aceitar.
Como o sr. explica o fato de o Lula liderar as pesquisas?
Pega o caso do Peru, que nós citamos. O fujimorismo é a força predominante até hoje, e o Fujimori está na cadeia (estava até o dia 24, quando recebeu indulto humanitário do atual presidente Pedro Pablo Kuczynski). O próprio Perón teve um momento assim. É curioso ver que em países como os nossos, com um nível educacional relativamente pouco desenvolvido, as pessoas têm muitas carências. Aqueles que dão às pessoas a sensação de que atenderam às suas carências ganham uma certa permissão para se desviar da ética. É pavoroso, mas é assim. É populismo. É a cultura que prevalece nesses países. A nossa está em fase de mudança. Aqui a sociedade já tem mais informação. Nos regimes parlamentaristas têm menos chance de que isso aconteça. Tem mais filtros. A emoção global não leva de roldão. Pode alguém irromper, mas difícil é governar depois.
O senhor disse que o PSDB precisa fazer autocrítica. Qual seria?
Acho que o PSDB está, à sua maneira, fazendo. Mudou a direção e, ao mudar, escolheu pessoas com responsabilidade. Não que os outros não tivessem. Aécio (Neves, senador por Minas Gerais e ex-presidente do PSDB) não é um irresponsável. Fez coisas positivas para o PSDB. Mas o partido tem que dizer que, se houve erro de algum peessedebista, problema dele. O partido não tem que se solidarizar com o erro de seus filiados. A Lava Jato foi um marco importante na vida brasileira, o que não quer dizer que não tenha excessos aqui e ali. Acho um pouco exagerada essa vontade de vingança que existe hoje.
Além do caso da JBS, que envolve o Aécio, o partido ainda enfrenta, mais recentemente, os impactos do acordo de leniência da Camargo Corrêa e da Odebrecht, na qual ambas as empresas reconhecem cartel em obras nos governos tucanos em São Paulo. Qual o tamanho da avaria no caso do PSDB?
Esse é o ponto. A Lava Jato demonstrou ao País, e isso deixou todo mundo horrorizado, que aqui se montou um sistema de poder político baseado na propina. Não é só uma questão de fulano ou beltrano roubou. É muito mais grave do que isso. As instituições ficaram comprometidas. O PSDB não participou desse sistema nem em São Paulo. No caso de São Paulo, se houve algum malfeito no Rodoanel (uma das obras em investigação – teria havido cartel para linhas de metrô também), não foi o PSDB que fez ou o governador que organizou.
Aqui não se organizou esquema. Não tem um tesoureiro do PSDB que pegou dinheiro. Houve um cartel, mas contra o governo.
Há uma crítica recorrente que as denúncias de corrupção em São Paulo não recebem o mesmo tratamento do que em outros Estados ou no plano federal.
Teve processo em São Paulo. Talvez não tenha produzido o mesmo auê, ou escândalo, talvez por isso: não conseguem envolver o núcleo político e porque não tem a bênção do governo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Com informações da Agência Estado.