Orçamento secreto: entenda caso que envolve Congresso, Planalto e STF
A ação no Supremo Tribunal Federal foi apresentada pelo PSol. Ministra Rosa Weber suspendeu as “emendas de relator” liminarmente
atualizado
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Um esquema montado pelo Palácio do Planalto para reforçar o apoio no Congresso gerou um orçamento secreto de ao menos R$ 3 bilhões em emendas parlamentares. Conforme revelou o jornal o Estado de S. Paulo, em maio, boa parte dessa verba foi destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas, como retroescavadeiras e caminhões-pipa, por preços superfaturados, chegando até 259% acima dos valores de referência.
O veículo teve acesso a 101 ofícios enviados por deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional para indicar como os congressistas preferiam usar os recursos. Bolsonaro chegou a anunciar que vetaria esse tipo de emenda (conhecida como RP9), mas recuou e aceitou o mecanismo depois de firmar aliança com o Centrão.
Segundo a lei orçamentária, cada parlamentar tem direito a uma cota total de emendas impositivas individuais. Eles podem indicar, no máximo, R$ 8 milhões. No entanto, os congressistas que apoiaram os candidatos do governo nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado conseguiram direcionar muito mais gastos do orçamento por meio das emendas RP9, que não têm transparência, por serem definidas via relator-geral, sem informação pública de quem indicou os projetos a serem apoiados e as razões das escolhas.
Um dos casos emblemáticos revelados foi o do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado e hoje presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, que fez indicações para destinar R$ 277 milhões. Muitos congressistas também enviaram dinheiro para comprar equipamentos agrícolas perto de seus redutos eleitorais. Emendas definidas pelo relator, o governo liberava a verba.
Embora parlamentares de oposição tenham conseguido também emplacar algumas dessas emendas, o número é ínfimo perto dos aliados do governo federal. Calcula-se que apenas 3% tenham sido direcionados a oposicionistas.
Na época em que o caso foi revelado, o presidente Jair Bolsonaro se manifestou sobre o esquema. “Inventaram que eu tenho um orçamento secreto agora. Tenho um reservatório de leite condensado, 3 milhões de latas. Eles não têm o que falar. Como um orçamento foi aprovado, discutido por meses e agora apareceu R$ 3 bilhões?”, afirmou o presidente a apoiadores no Palácio da Alvorada.
Nesta segunda-feira (8/11), Bolsonaro voltou a se defender. Desta vez, porque a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber decidiu suspender todos os pagamentos feitos por meio do orçamento secreto. A decisão é liminar (provisória).
“O Congresso Nacional institucionalizou uma duplicidade de regimes de execução das emendas parlamentares: o regime transparente próprio às emendas individuais e de bancada e o sistema anônimo de execução das despesas decorrentes de emendas do relator”, escreveu Weber.
“Os argumentos usados pela relatora do Supremo não são justos. Dizer que nós estamos barganhando. Como eu posso barganhar se quem é o dono da caneta é o relator, o parlamentar?”, afirmou o presidente durante uma entrevista à rádio Jovem Pan Curitiba.
“O parlamentar é quem sabe onde precisa de recursos. Não vou discutir a legalidade, porque é legal”, acrescentou. O caso já questionado por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU).
Ao decidir sobre o tema, a Rosa Weber alegou que é incompatível com a forma republicana e o regime democrático de governo “a validação de práticas institucionais adotadas no âmbito administrativo ou legislativo que, estabelecidas à margem do direito e da lei, promovam segredo injustificado sobre os atos pertinentes à arrecadação de receitas”.
“Tenho para mim que o modelo vigente de execução financeira e orçamentária das despesas decorrentes de emendas do relator viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado”, afirmou a ministra.
A ação no STF foi apresentada pelo PSol. O plenário virtual da Corte decidirá se mantém a medida liminar de Rosa Weber nesta terça-feira (9/11) e quarta-feira (10/11).