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Orçamento secreto: drible no STF não é ilegal, mas mantém poder de parlamentares

Após acordo com governo, Câmara aprovou redistribuição dos R$ 19,4 bilhões do orçamento secreto. Metade seguirá nas mãos do relator-geral

atualizado

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Resultado da votação do segundo turno da PEC da Transição no plenario da câmara - metrópoles
1 de 1 Resultado da votação do segundo turno da PEC da Transição no plenario da câmara - metrópoles - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

A manobra em análise pelo Congresso Nacional para remanejar a verba bilionária do orçamento secreto não afronta a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou o dispositivo “inconstitucional”, segundo avaliam especialistas ouvidos pelo Metrópoles, mas mantém em alta o poder do Legislativo ao deixar a destinação de R$ 9,85 bilhões nas mãos do relator-geral. A questão em xeque, de agora em diante, será a transparência, a impessoalidade e a publicidade.

Após acordo entre o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e lideranças partidárias, a Câmara dos Deputados aprovou, nessa quarta-feira (21/12), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que, dentre outro pontos, prevê a redistribuição das emendas de relator (RP9), que ficaram conhecidas como orçamento secreto.

Inicialmente estavam previstos R$ 19,4 bilhões para o dispositivo. Agora, metade desse valor será direcionada para emendas individuais (RP6) e a outra metade, para despesas primárias discricionárias (RP2) do Executivo. O texto prevê, no entanto, que essa segunda parte seja indicada pelo relator-geral do Orçamento, o mesmo que “assinava” as destinações do orçamento secreto. Na prática, tanto governo quanto parlamentares devem apadrinhar os R$ 9,85 bilhões, como apurou o Metrópoles com interlocutores que participaram do acordo.

Poder nas mãos do relator

“O Congresso muda tudo para que tudo, ou quase tudo, continue como está”, avalia Gil Castello Branco, secretário-geral da associação Contas Abertas. Para ele, o “drible” sobre a decisão da Suprema Corte mantém o poder dos parlamentares sobre bilhões.

“As emendas de relator, portanto, continuarão a existir, contrariando o STF. Há uma referência no texto no sentido de que o relator-geral apresentará emendas para ações voltadas à execução de políticas públicas. Mas o termo ‘políticas públicas’ tem que ser interpretado com rigor, o que significa planejamento com diagnóstico, indicadores, critérios, parâmetros, o que não se coaduna com indicações meramente políticas, o que foi vetado pelo STF. Dessa forma, as emendas de relator RP2 não poderiam ter critérios políticos”, afirma.

“Ainda é bastante poder nas mãos do relator e, ao menos por ora, parece também não haver exigência de transparência sobre esse poder”, acrescenta a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji.

Atoji explica, contudo, que a situação é “menos pior” do que o orçamento secreto, uma vez que o valor é menor (R$ 9,85 bilhões ante R$ 19,3 bilhões previstos) e porque há limitação, em tese, de quem o relator pode atender com esse poder. O texto da PEC aprovado pela Câmara prevê solicitações da equipe de transição do novo governo petista e das comissões permanentes da Câmara e do Senado.

Constitucionalidade

Na última segunda-feira (19/12), o STF decidiu, por maioria, que o orçamento secreto é inconstitucional. A Corte derrubou a emendas de relator na forma como elas vinham sendo aplicadas desde 2019, quando foi dado maior poder ao relator-geral do Orçamento e, consequentemente, ao presidente da Câmara para barganhar com o Executivo e beneficiar, sem nenhuma transparência, seus aliados.

Nos bastidores, no entanto, veio o questionamento se a nova manobra do Congresso não afrontaria a decisão do STF. A resposta é não. A decisão do STF é sobre a alcunha de RP9 (emenda do relator) e também sobre publicidade de gastos públicos. Não ferindo essas duas premissas, as mudanças são legalmente aceitáveis e de prerrogativa do Legislativo.

Seguindo a tese fixada pela relatora das ações que questionavam o dispositivo, ministra Rosa Weber, a partir da decisão do STF, as “emendas do relator-geral do orçamento serão usadas exclusivamente à correção de erros e omissões, vedada a sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual”.

Doutor em direito constitucional, o advogado Acacio Miranda da Silva Filho explica que a transparência é o centro da questão:

“É uma manobra (do Congresso), mas é uma manobra legal. Quando olhamos para a decisão do Supremo, o principal ponto para a inconstitucionalidade foi a falta de transparência, pois todos os atos devem ser praticados de forma pública. Se o orçamento da RP9 for alocado em outras RPs, respeitando a transparência, há legalidade. Se isso for respeitado, não há desrespeito à decisão do STF”, explicou.

Por sua vez, o professor Rodrigo Faria, analista de planejamento e orçamento e doutorando em direito financeiro pela USP, explica que ajustes no projeto de lei orçamentária anual (PLOA) – neste momento – podem ser feitos somente por meio do relator-geral. “É uma questão procedimental. Não se trata, na minha avaliação, de um drible, mas vejo que é uma necessidade que tem que ser feita pelo único mecanismo viável que são as emendas de relator-geral. Senão, se teria que alocar isso em mais emenda parlamentar, de bancada ou de comissão”, afirma o especialista.

Agora, ajustes pelo relator-geral, diz Faria, mesmo oriundos de solicitações do próprio Executivo não serão mais possíveis nos próximos anos.

De volta ao STF

Outros especialistas ouvidos pelo Metrópoles, além de parlamentares e membros da Suprema Corte, acreditam que a matéria pode acabar voltando para o STF se a aplicação dos recursos não seguir os princípios da transparência, da impessoalidade e da como identificação de quem indica, da obra que será feita, se a emenda foi executada ou não, se o dinheiro foi usado e onde foi usado.

Sem seguir o princípio da publicidade, os bilhões remanejados voltam a cair na mesma vala do que levou as emendas de relator a serem chamadas de orçamento secreto. Isso é inconstitucional e pode acabar nas mãos dos ministros do Supremo novamente, em 2023, a depender de denúncias.

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