Onda de pedidos de impeachment atinge governadores e prefeitos com bases frágeis
Após Dilma, cresceu número de políticos que se tornaram alvo de pedidos de cassação de mandato ao perderem influência no Legislativo
atualizado
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Menos de um mês após o Ministério Público Federal (MPF) denunciar o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por corrupção em esquemas ilícitos na Saúde do estado, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) se movimentou para abrir processo de impeachment contra o chefe do Executivo fluminense. A ferramenta ganhou força a partir de 2016 – quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) foi destituída do cargo –, e, agora, tornou-se uma onda que apanha governadores e prefeitos que não contam com bases políticas sólidas.
Além de Witzel, outros dois mandatários estaduais são alvo de denúncias que pedem a cassação de seus cargos: o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), e o do Amazonas, Wilson Lima (PSC). Até hoje, uma única tramitação chegou a ser concluída no âmbito estadual: em 1957, referente ao então governador de Alagoas, Muniz Falcão.
O processo de impeachment como arma de destituição, contudo, não se limita a apenas chefes do Executivo e mandatários de estados. Nos últimos tempos, prefeitos também se tornaram alvo – os exemplos mais recentes são os de Marcelo Crivella (Republicanos), do Rio de Janeiro, e Nelson Marchezan Jr. (PSDB), de Porto Alegre.
Crivella se livrou, no intervalo de duas semanas, de dois pedidos de cassação. Marchezan tenta na Justiça impedir andamento do processo na capital gaúcha.
Como mostrou o Metrópoles nesta semana, ao menos sete dos 13 prefeitos de capitais que vão tentar a reeleição foram alvo de pedidos de impeachment. Desses, dois tiveram processo votado e arquivado pelos vereadores e dois estão com as ações em aberto, às vésperas do pleito municipal. Os demais ainda não tiveram os processos iniciados.
Bases estremecidas
Embalados pelo sucesso do então postulante à Presidência da República Jair Bolsonaro, Witzel, Moisés e Lima tinham algo em comum: a inexperiência na política. Os três eram novatos, nunca se candidataram a cargos políticos e, por isso, desconhecidos nesse mundo. O primeiro era juiz federal; o segundo, advogado e bombeiro militar; e o terceiro atuava como jornalista.
Alinhados às ideias conservadoras do atual mandatário do país, o trio conquistou a confiança do eleitorado no embalo do bolsonarismo e acabou sendo eleito ao cargo de governador pelos estados do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e do Amazonas. Agora, eles enfrentam percalços pelo caminho. Witzel e Moisés se distanciaram do presidente e, além da pouca experiência política, tiveram as bases estremecidas no Legislativo pelo impacto do afastamento.
O atrito entre Bolsonaro e Witzel deu os primeiros sinais quando o governador do Rio confirmou a pretensão de participar das próximas eleições presidenciais, e aumentou no momento em que as investigações da Polícia Civil sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) e do motorista Anderson Gomes mencionaram a família Bolsonaro, o que gerou a suspeita de interferência por parte do titular do Palácio Guanabara.
Lima, que mantém o apoio a Bolsonaro, também teve desavenças com o titular do Planalto em meio à pandemia de coronavírus. Ele reagiu a um dos primeiros pronunciamentos do presidente na crise, no qual o chefe do Executivo federal defendeu a volta “à normalidade” e atacou o distanciamento social. O governador do Amazonas, no entanto, afirmou que o estado continuaria com as medidas de segurança contra a disseminação do vírus.
No caso de Moisés, ele ainda faz parte do PSL, mas foi se afastando do bolsonarismo ao longo de seu mandato por se mostrar um governante moderado. Em comum, os três governadores se distanciaram de Bolsonaro e estão na mira de processos de cassação.
Segundo o especialista Renato Ribeiro de Almeida, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, “o controverso impeachment da ex-presidente Dilma influiu para aumento significativo de processos dessa natureza, não só contra governadores, mas especialmente contra prefeitos”. Ele, no entanto, pontua outro fator como responsável pelo crescimento de pedidos de impeachment: a falta de influência no Legislativo.
“Dezenas de prefeitos tiveram seus mandatos cassados nos últimos anos. Soma-se a isso o fenômeno de governadores eleitos por siglas pouco consolidadas em âmbito estadual – o que torna o exercício do mandato menos estável”, explicou Almeida.
STF abre brecha
Antigamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tinha o entendimento de que apenas se poderia abrir processo criminal contra governador – que tem foro por prerrogativa de função por crimes comuns – no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com anuência das assembleias. Esse posicionamento foi alterado, e, com isso, começaram a surgir muitas ações no STJ contra governadores. Ainda de acordo com o especialista, esse é outro ponto que abre brecha para a esteira de processos de impeachment.
“Além disso, abriu-se espaço para medidas como aquela adotada pelo STJ contra o governador Witzel: seu afastamento temporário. Tudo isso colabora para uma maior exposição midiática dos fatos, o que dá substrato para o processo político do impeachment”, avaliou Almeida.
Impeachment de Witzel
Nesta semana, os deputados da Alerj decidiram, por 69 votos a 0, dar continuidade ao processo de impeachment de Witzel. As investigações do MPF indicam que houve fraude nos contratos de compra de respiradores e medicamentos e de construção de hospitais de campanha durante a pandemia de coronavírus. O governador do estado fluminense já está afastado do cargo, por ordem do ministro Benedito Gonçalves, do STJ. A decisão foi confirmada pela Corte Especial.
Após a aceitação da continuidade do processo de impeachment, os partidos escolherão nos próximos dias cinco deputados para um tribunal misto, e o Tribunal de Justiça deverá sortear cinco desembargadores. Eles terão até 120 dias para concluir se houve ou não crime de responsabilidade. Caso Witzel seja retirado de vez, quem assume é seu vice, o advogado e cantor católico Cláudio Castro, atualmente em exercício.
Para Eduardo Tavares, advogado especialista em direito eleitoral e membro fundador da Academia Brasileira Eleitoral, apesar de o impeachment ser considerado um “julgamento político”, ele não deve ser “banalizado como arma de ataque do Legislativo“.
“Não pode ser baseado em suposições, deve estar comprovado que o político em questão praticou crime de responsabilidade, e as provas devem ser contundentes, sob pena de esvaziamento da legitimidade do processo. Já tivemos o caso de Fernando Collor, que sofreu impeachment e, anos depois, o Judiciário decidiu de modo favorável a ele”, frisou.