“O presidente precisa descer do palanque”, diz vice de Maia na Câmara
O vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira, compara relação entre governo e Congresso à da gestão Dilma
atualizado
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Após as críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), diz que Jair Bolsonaro precisa “descer do palanque” e se colocar no papel de presidente. À frente do PRB e com forte ascendência sobre a bancada, que tem 31 deputados, ele reclama da falta de atenção do governo com os parlamentares, que não estão sendo recebidos nos ministérios.
“O novo Brasil tem de começar de onde o Brasil estava dando certo, não do zero. Eles parecem que querem começar o Brasil do zero.”
Ex-ministro de Indústria de Michel Temer, Pereira, que é advogado de formação e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, avalia que o mal-estar no Congresso hoje é generalizado e que as reclamações lembram o governo Dilma. “É muito parecido. Política é diálogo, é atenção, são gestos. Não tenho visto gestos, atenção nem diálogo”.
Incomoda o discurso do governo contra a política tradicional?
Evidentemente. O presidente não pode dizer que não é político estando há 28 anos na política. Ele se elegeu sem partido, porque o PSL praticamente não existia, e acha que não precisará dos partidos agora. Mas são os partidos que têm como dialogar e conversar com os parlamentares. Quando há fechamento de questão, o deputado tem de seguir a orientação sob pena de responder ao estatuto do partido. As frentes temáticas não têm como fechar questão. Quero deixar claro que não estou falando de troca-troca ou de “toma lá, dá cá”. Estou falando de diálogo. É isso que incomoda.
Respondendo a Rodrigo Maia, o presidente Jair Bolsonaro disse que o trabalho na reforma da Previdência já estava feito.
O presidente parece não querer aprová-la. Como deputado, sempre votou contra todas as propostas de reforma. Como candidato, a criticou. Agora, como presidente, joga a responsabilidade no Parlamento. O Rodrigo está sendo muito proativo. O problema é que o governo não se ajuda. Ele constrói e o governo, do outro lado da rua, desconstrói. Nós não podemos negar a política. Ao negar, corremos o risco de voltarmos ao momento que o Brasil já teve e que não é bom: momentos autoritários.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a falar que só faltavam 48 votos para aprovar a reforma da Previdência.
Hoje o governo não tem 50 votos. Nem o PSL vota 100%. Talvez o governo tenha sido amador por falta de experiência. O governo foi eleito em outubro. Teve todo o período de transição para dialogar e formar uma base mínima. Já era para o Congresso tomar posse com os líderes indicados. Essa morosidade… Esse timing é importante: de escolher as pessoas certas e empoderá-las.
Bolsonaro pode inaugurar nova forma de negociação com o Congresso?
Precisamos avançar e sou favorável que a gente avance. O presidente disse que não tem mais indicação dos partidos nos ministérios. Okay. Disse que gostaria de resgatar o respeito à politica e aos políticos. Isso é tudo que eu gostaria e quero. Apoio. Ele quer empoderar o deputado. Ele disse que, ao anunciar determinada obra em determinado estado, chamaria os parlamentares que podem ser base do governo, levá-los junto e dizer à população que aquilo é possível graças a atuação do deputado tal. Isso se faz com diálogo, conversa, articulação politica. Não é “toma lá, dá cá”. Liberar recursos para as bases dos parlamentares é natural. Se ele fizesse isso, empoderasse os deputados, colocasse os deputados na frente, junto às suas bases, o deputado se sensibilizaria. Eu, como deputado, não quero e não vou indicar para nenhum cargo do governo. Alguns deputados do PRB precisam e eu não vou impedir. Será uma decisão pessoal.
Mas o senhor recebeu oferta de cargos?
A informação que se tem é que a Joice Hasselmann (PSL-SP) está cuidando do assunto e tem alguns cargos que o governo vai dar possibilidade de os deputados apresentarem nomes desde que se cumpram os critérios do decreto nos estados. E que isso vai ser discutido com bancas estaduais. É isso que tem colocado no Congresso via líder do governo.
Mas com os deputados aceitando cargos, o PRB não será cobrado a votar junto?
O deputado Celso Russomanno (PRB-SP) aceitou ser vice-líder do governo, vice-líder da Joice. Ele conversou com o líder Johnathan de Jesus (de RR, líder do PRB na Câmara), mas não conversou comigo, que sou presidente do partido. Então, entendo que é uma decisão pessoal. Isso não obriga o partido a ter de votar 100% as pautas do governo. Se o deputado aceitar certos cargos, em tese, ele deveria votar 100% com o governo. Aí vai da consciência dele. Eu não tenho interesse. Tenho interesse que o governo me ajude com liberação de recursos nos ministérios da Saúde, Educação, Desenvolvimento Regional, Infraestrutura — sobretudo porque sou deputado de primeiro mandato. Estive na semana passada em Francisco Morato para entrega de três ônibus que atuei para ajudar a liberar. Uma região extremamente necessitada. Isso eu quero e preciso. Mas não é isso que vai me fazer votar tema A ou B.
O PRB descarta fazer parte da base do governo?
Da forma como está montado o governo hoje, acho muito difícil, porque não há diálogo. Com político, 50% é atenção e 50% é a solução, a resposta a demanda, que pode até ser não. Tem deputado reclamando que está demorando 15 dias para conseguir uma audiência com ministro. Esse deputado já tem pré-disposição de não votar com o governo.
É um governo de má vontade?
É um governo hoje mal organizado. Pedi uma audiência no MEC com um secretário, porque o prefeito de uma cidade me pediu. Lá tem uma universidade particular que está se instalando na cidade, que será a primeira faculdade de lá. Já está tudo construído. Queríamos pedir para haver celeridade (na autorização) para que o vestibular já fosse colocado na rua. Depois, o prefeito me reportou que, quando o secretário chegou disse (ao dono da faculdade): “Você está aqui com o prefeito, veio com o deputado, mas não precisa de político aqui não, tá? Você poderia ter vindo sozinho”. Uma atitude como essa é negar a política. É uma ofensa, claro. Falta sensibilidade política. Um burocrata vem dizer que não tem política? O dia que ele tiver 140 mil pessoas apertando o nome dele nas urnas ele pode agir da forma que agiu. É falta de respeito com o cidadão. Estou representando o cidadão. É isso que estou falando, não é “toma lá, dá cá”. O novo Brasil tem de começar de onde o Brasil estava dando certo, não do zero. Eles parecem que querem começar o Brasil do zero.
É uma indelicadeza?
Falta tato político. Aí não pedi audiência com mais nenhum ministro. Não quero passar pelo constrangimento de ter que esperar 15, 20 dias ou, de repente, nem ser atendido. Isso não vai ficar bom. O presidente da Caixa Econômica (Pedro Guimarães): tenho informação de várias pessoas que têm pedido audiência e ele não está atendendo. Eu, vice-presidente da Câmara, presidente de um partido que tem 31 deputados, pedi uma audiência para esse senhor para levar lá a Fundação Doutor Amaral Carvalho, de hospitais filantrópicos. Pedi essa audiência há duas semanas. Foi marcada somente para o dia 3 de abril. Sei que ele tem muitas atividades, mas…
E o Congresso?
O Congresso já está com má vontade. Porque a má vontade está vindo do lado de lá. O mal-estar é generalizado. O senador Fernando Bezerra (líder do governo no Senado) é muito jeitoso, tem toda a experiência. O Major Vitor Hugo (líder do governo na Câmara) é dedicado, é boa pessoa, mas não tem experiência. A impressão que ele passa é que não tem força. O líder do governo na Casa tem de pegar o telefone ligar para o presidente ou para qualquer ministro e ser atendido na hora. É assim que funciona. Ao menos para passar impressão que ele tem influência, que consegue resolver as coisas, as demandas. Não estou falando de troca-troca, estou falando de atender as demandas da população.
Era uma reclamação que se ouvia no governo Dilma. É parecido?
Tinha dificuldade também. É muito parecido. Muito parecido. Política é diálogo. É atenção. São gestos. E eu não tenho visto gestos, atenção nem diálogo.
É o caminho que Dilma Rousseff tomou?
Cedo para afirmar. O presidente precisa dar um comando. Dizer que atender parlamentar é prioridade. Se eu não puder levar um prefeito em certo ministério, como vou justificar para o meu eleitor naquela cidade? Outra coisa: o governo diz que montou um ministério técnico, mas não é verdade. Você vai me dizer que Onyx Lorenzoni, Luiz Henrique Mandetta, Osmar Terra, Tereza Cristina e Marcelo Álvaro Antônio são técnicos? Não estou falando isso para pedir cargo. Não é minha intenção indicar ministro do governo. Pelo menos por ora. Se as coisas mudarem, tudo é diálogo. Se for construído, não descarto 100%, mas também por ora não tenho interesse. Mas, ao você colocar ministros de determinados partidos e esses partidos não reconhecem os ministros como indicação deles… não parece um negócio amador? No mínimo, amador.
Em qual sentido?
Um partido tem ministros na Esplanada e, pelo que li, só um quarto dos presentes votaram em apoiar o governo. O governo erra nesse tipo de postura. Não estou falando das pessoas. Tereza Cristina tem competência, toda condição de tocar. Mandetta idem. Marcelo não conheço. Osmar Terra é meu amigo, tem toda competência. Estou falando do modus operandi do governo.
Por que isso está acontecendo?
Eles estão sendo vítimas da retórica da campanha. O governo precisa entender que ele não está mais em campanha. O presidente precisa descer do palanque. Até porque ele não tem essa ampla vantagem, não. Dos 57 milhões de votos, foram 10 milhões de diferença para o candidato derrotado Isso, numa majoritária, significa uma diferença de 5 milhões de votos, porque um voto para um lado é menos um voto para o outro. Ele tem que governar para 210 milhões de brasileiros.
A pauta ideológica do presidente tem atrapalhado?
Esse ativismo do presidente nas redes sociais… Ele tem de entender que agora é o presidente da República, então tem temas que ele não pode abordar porque causam instabilidade. O presidente precisa tirar a senha do Twitter do Carlos (filho de Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro) e se colocar na função de presidente. Parece que, às vezes, Bolsonaro atua na função de presidente e às vezes atua como candidato. Militares reclamam de Carlos Bolsonaro. Gustavo Bebianno (ex-ministro de Bolsonaro) reclamou de Carlos. Congresso reclama de Carlos. Aliados reclamam de Carlos. PSL reclama de Carlos. Imprensa reclama de Carlos. Agora Paulo Guedes reclamou de Carlos. Na cabeça do pai, Carlinhos tem razão e é incompreendido. O governo tem de se concentrar agora. O que acrescenta o presidente postar aquele vídeo do Carnaval? O que acrescenta para o país? A opinião dele até concordo. Não concordo ter postado. São cenas fortes e ele não precisa se expor a esse nível. Olha o que gerou.
As notícias em relação ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro atrapalharam a relação com o governo?
Isso já está minimizado, não está mais na ordem do dia. Claro, gerou desgaste, mas não é o que atrapalha o governo em sua essência. O que mais atrapalha o governo é a falta de diálogo, de sensibilidade na pauta política.
O PRB está apurando as denúncias de casos de “laranjas” em candidaturas femininas?
Em 2018, tivemos de cumprir a determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o tempo foi muito curto para poder atrair mulheres competitivas. Tinha de designar 30% para mulheres competitivas. Imagine você enviar R$ 800 mil para mulheres que têm 300 votos, em tese vão dizer que é laranja, mas não necessariamente é laranja. É preciso diferenciar o candidato que recebeu recursos e tem poucos votos daquele que vendeu a candidatura para ser laranja de outro candidato. Pode ter acontecido e isso já vinha acontecendo com a cota. A Justiça Eleitoral já vinha apurando laranjas para cumprir cotas. Agora, se ele recebeu recursos, teve poucos votos, e pegou o dinheiro para outra candidatura, aí pode configurar laranja. No PRB, fizemos uma resolução muito enfática sobre a responsabilidade da aplicação dos recursos ser exclusivamente do candidato que recebeu. O artigo 6° dessa resolução isenta o diretório nacional do partido de toda responsabilidade após a transferência do recurso.
Na apuração do voto 82 do Senado, lançaram suspeita sobre o senador do PRB, Mecias de Jesus. O senhor, como presidente do partido, está tratando sobre o assunto?
Acho que não foi ele, tenho confiança nele. Mas qual prejuízo disso? A eleição foi anulada. Acho que os senadores erraram ao triturar as cédulas, porque destruiu a prova material. Então, isso prejudicou a apuração (do ocorrido). Estou muito tranquilo quanto a isso. Acho que não houve dolo nem prejuízo.