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“Não somos poderosos a ponto de chutar o balde”, diz Aloysio Nunes

Declaração feita pelo ministro das Relações Exteriores tem relação com a mudança da embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém

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1 de 1 aloysio_nunes_dusek-840×474 - Foto: André Dusek/Estadão

A transferência da Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém não traria ganhos na relação brasileira com Israel e tiraria o país de uma posição amparada pelo direito internacional, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

“Não somos um país poderoso a ponto de chutar o balde quando alguma regra internacional não nos beneficia.” Após o futuro governo indicar uma nova orientação diplomática do Brasil neste assunto, o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, programou uma visita inédita ao país na próxima semana. O chanceler brasileiro afirmou também que a eleição de Jair Bolsonaro trará para o governo ideias como o nacionalismo e o “antiglobalismo”, em contraponto com uma cultura política presente no país desde a redemocratização. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:

Como foi esse período à frente do Itamaraty?
Foi um período de muita turbulência. Não nos esqueçamos que o presidente Michel Temer assumiu o governo depois de um processo político penoso, num ambiente polarizado. As forças políticas que perderam o poder se empenharam em acionar todas suas conexões no exterior para lançar uma campanha de descrédito sobre a institucionalidade do Brasil. Isso perdura até hoje.

Mesmo durante o processo eleitoral, tive de explicar que este é um país onde a democracia funciona, onde as eleições seriam limpas e os resultados, respeitados. Paralelamente, houve a retomada da frente econômica, que havia sido deixada em segundo plano. Retomamos os temas que são próprios da ação diplomática do Brasil. A começar pela integração no continente, e aí foi fundamental a dinamização do Mercosul, a busca de uma coordenação com países da Aliança do Pacífico, um programa de segurança nas fronteiras. E fazer do Mercosul uma plataforma para novas parcerias econômicas mundo afora. Retomamos essa obra de Santa Ingrácia, que é a negociação com a União Europeia. E começamos negociações com outros países e blocos: Canadá, Efta, Cingapura, Coreia do Sul.

Embora muitos falem do Itamaraty como uma estrutura dominada pela esquerda, esse foi um período em que a Venezuela foi bastante questionada. Dava para ir além?
Fizemos o que tínhamos de fazer. No momento em que lá se caracterizou a ruptura democrática, aplicamos o que prevê o tratado constitutivo do Mercosul, o Protocolo de Ushuaia: a suspensão. Tomando o cuidado para ela não implicar em prejuízo para os cidadãos venezuelanos. Eles já sofrem muito com a situação de crise no país. E depois trabalhamos para levar o tema venezuelano à Organização dos Estados Americanos (OEA). Mas temos muitos brasileiros que vivem na Venezuela e uma fronteira extensa. Algum nível de diálogo com o governo venezuelano é necessário.

O Brasil também suspendeu a participação na Unasul. O senhor acha que ela deve acabar?
A Unasul ficou numa articulação inspirada por um certo antiamericanismo ginasiano. Mas ela tem uma função importante em programas de cooperação entre países: integração física, energética, combate a crimes transfronteiriços, saúde. São coisas que um país não faz sozinho. É uma organização importante e esperamos que possa retomar sua vida. Não pretendemos acabar a Unasul. Se ela acabar, teremos de criar outra.

E o Mercosul? Ele vai mudar para permitir acordos bilaterais, como aparentemente quer o futuro governo?
O Mercosul tem sido benéfico para a economia brasileira. No comércio intra Mercosul, o Brasil acumulou nos últimos dez anos um superávit comercial equivalente ao que teve com a China. Nesse período, fizemos um acordo de compras governamentais e outro da facilitação de investimentos. Mas as regras do Mercosul não são intangíveis. A questão se mantém ou não a Tarifa Externa Comum e sua condição de união aduaneira (que obriga à negociação de acordos comerciais como bloco) acompanha o Mercosul desde sua origem. Depois de tudo o que fizemos nos últimos dois anos, é preciso um momento de reflexão sobre como fazer para melhorar o Mercosul, mantendo o bloco.

Qual sua avaliação sobre o futuro governo anunciar a saída do acordo de migrações quando o sr. formalizava a participação do Brasil?
Em alguns temas, os interesses do país são mais eficientemente tutelados quando há cooperação com outros países. A cooperação não contradiz a soberania do país. A lei brasileira de migração foi aprovada pelo Congresso Nacional. Longe de escancarar as portas do Brasil, fixa critérios seguros para receber imigrantes. A pauta do combate à imigração pode ser dos Estados Unidos, da França, da Itália, da Hungria. Mas não é pauta brasileira. O futuro presidente terá toda a latitude para propor mudança da lei e se afastar de um pacto, que não é obrigatório. Essa comunicação poderia esperar o dia 1.º de janeiro. Não precisava ser feito quando eu apenas descia da tribuna. Não foi um gesto cordial.

E a saída do Acordo do Clima?
As metas do Acordo do Clima, nós propusemos. Se não conseguirmos atingir, vão invadir o Brasil? Vão replantar a vegetação do cerrado na marra? Não. Tem quem ache que o aquecimento global é uma ficção. Há gente que acredita que a humanidade nasceu de Adão e Eva. É uma crença. Mas o aquecimento global é cientificamente constatado. O Brasil se engajou voluntariamente no acordo, e fico feliz quando o futuro ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles), transmitindo posição do presidente Bolsonaro, diz que o Brasil se manterá no acordo.

Esses ataques a ONU e ao multilateralismo são uma negação de pilar da diplomacia brasileira?
A eleição do presidente Bolsonaro foi triunfal, essa é a verdade. É uma vitória incontestável. Não representa apenas a rejeição ao PT. Vejo que os valores responsáveis por inspirar sua campanha têm uma cultura política diferente daquela que predominou da redemocratização para cá. Não creio que haja risco institucional. Mas alguns valores próprios do Brasil e de uma corrente ideológica de extensão global estão presentes nessa cultura política: a desconfiança do globalismo, o fechamento, o nacionalismo.

Isso é bom ou ruim?
É uma coisa nova, vai levar a um debate político. Espero que não bloqueie uma vertente importante do governo Bolsonaro: a reformista. O aprofundamento do processo de reformas, colocado em andamento no governo Temer com resultados benéficos.

Qual sua opinião sobre a mudança da Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém?
Isso (a mudança da embaixada) acrescenta ao interesse nacional? Acho que não. E (a consequência negativa) não é só a questão do comércio. É uma condição de respeito do Brasil à lei internacional. É um padrão de comportamento nosso ao qual temos de nos apegar, porque não somos um país poderoso a ponto de chutar o balde quando alguma regra internacional não nos beneficia. Temo um azedume intercomunitário no Brasil. Temos comunidade árabe, judaica que convivem bem. Não quero briga da José Paulino com a 25 de Março (ruas de São Paulo).

Se a mudança ocorrer, o Brasil pode ser alvo de terrorismo?
Não vejo isso. Mas a gente não ganha nada. E é uma pauta que nunca foi colocada para nós por autoridades israelenses.

O sr. vê ganhos no alinhamento com os Estados Unidos?
Acho positiva a ideia de aprofundar os vínculos econômicos, culturais e tecnológicos com os Estados Unidos. Foi o que procuramos fazer. O futuro chanceler (embaixador Ernesto Araújo) conhece bem os EUA. Foi responsável pelo departamento (de EUA e Canadá, no Itamaraty). Provavelmente terá ideias melhores, mais criativas. Então, creio que dará continuidade ao trabalho.

O futuro da relação do Brasil com a China o preocupa?
Estive com o embaixador da China (Li Jinzhang), que se despedia. Ele tinha tido uma conversa muito positiva com o presidente Bolsonaro. Não tenho maior receio.

Estamos sendo pressionados a escolher um lado na guerra comercial entre EUA e China?
O professor (Henry) Kissinger, com quem estive em Nova York, me disse: “Olha, vocês vão ser pressionados a tomar partido”. Acho que seremos instados a tomar partido à medida que a confrontação China-EUA adquira tonalidades mais dramáticas. Seria um erro. Não creio que o próximo governo incorra nele.

 

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