“Não somos feministas”, diz presidente do Partido da Mulher Brasileira
Suêd Haidar criou a sigla que acaba de completar dois anos e tem mais homens do que mulheres em seu quadro
atualizado
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Três deputados distribuíam vidros de esmalte para mulheres, na última quarta-feira (4/10), nos corredores do Congresso Nacional. Queriam celebrar o Outubro Rosa, mês de combate ao câncer de mama. Suêd Haidar, presidente do Partido da Mulher Brasileira (PMB), recusou educadamente o mimo. “Para quem conhece de perto as reais necessidades femininas chega até a ser ofensivo”, justificou.
Quem ouviu a fala poderia ter certeza de estar diante de uma feminista. Porém, bastam alguns minutos de conversa com Suêd para desfazer essa impressão. “Nossa bandeira não é o feminismo, é a participação da mulher na política, um tema usado com demagogia pelos outros partidos”, diz Suêd, de 58 anos.
A história da presidente do PMB soa familiar para muitas brasileiras. Ela é uma mulher negra, filha de empregada doméstica, bisneta de escravos, maranhense, casada há 38 anos, católica, mãe de três filhos e avó de dois netos. Na infância, foi exposta ao trabalho infantil e chegou a passar fome. Casou-se aos 16 anos e se separou um ano depois. Em 1977, mudou-se do nordeste para o Rio de Janeiro, onde, com a filha recém-nascida, refez a vida. Tornou-se dona de mercadinhos e lanchonetes.
Em 2008, vendeu seu patrimônio e fundou o PMB, mas só conseguiu homologar a inscrição do partido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sete anos depois. O estatuto e o programa do PMB definem os valores da sigla como “o resgate da moral, da família e do amor pela pátria.”Não há nenhuma menção a pautas frequentemente discutidas por mulheres, como busca por igualdade de direitos entre os gêneros, combate à violência e legalização do aborto. “Nossa identidade está em construção”, admite a presidente.
Antes, Suêd era filiada ao PDT. “Havia reuniões só com homens, já me tiraram da sala por ser mulher. Também cortaram o microfone enquanto eu falava sobre violência doméstica em uma convenção do partido”, relata.
À procura de protagonismo, ela criou a legenda com a promessa de fazer política de “um jeito diferente”. Seu partido, porém, não se desvinculou das práticas machistas tradicionais na política brasileira. A estrutura partidária do PMB tem muitos homens no comando. Cargos importantes como tesoureiro, secretário-geral e diretorias de conselhos de ética e fiscal são majoritariamente ocupados por integrantes do sexo masculino.
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Suêd Haidar
Entre os vereadores eleitos pelo PMB também se vê a discrepância: são 218 nomes, só 56 femininos. “Seria discriminação não aceitar homens no partido. Estamos aqui para defender os direitos de todos, não só de um grupo”, justifica a presidente.
Com 38.242 filiados em todo o país, homens representam 54,8% do total, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A presidente diz que o número oficial está desatualizado e que, na realidade, as mulheres são maioria na sigla.
Um dos principais desafios, segundo Suêd, é atrair “candidaturas naturais” femininas. “Todo mundo sabe que alguns maridos são donos de mandatos das esposas na Câmara e no Senado. Não é esse tipo de parlamentar que queremos”, afirma. Mas são muitas as contradições entre o discurso e as ações do PMB.
A sigla não tem representantes no Congresso Nacional atualmente, mas chegou a reunir 24 deputados federais e 1 senador – eles migraram para o partido depois de eleitos, atraídos por vantagens como tempo de televisão e recursos do Fundo Partidário.
De carona na janela
Entre os 25 políticos do PMB no Congresso, havia somente duas mulheres: Brunny Gomes (atualmente no PR), casada com o deputado estadual Helio Gomes (PDT), e Dâmina Pereira (PMN), companheira do ex-prefeito de Lavras (MG) e ex-deputado Carlos Alberto Pereira, que teve a candidatura federal barrada e lançou o nome da mulher para não perder a vez.
As duas, assim como os outros colegas, ficaram pouco mais de um mês no PMB, aproveitaram a “janela partidária” – prazo de 30 dias para que os políticos mudem de legenda sem punição por infidelidade partidária. “Houve uma grande armação para acabar com o partido. Homens vieram me pedir para assumir a presidência. Mulher, quando tem voz, incomoda”, alega Suêd.
Em setembro, o PMB perdeu seu último representante no Congresso Nacional: o deputado federal Welinton Prado (PROS). Foi ele o responsável pela multa que a sigla levou nas últimas eleições por não dar tempo de televisão para mulheres. Welinton e o irmão dele, Ismar Prado, vereador em Uberlândia (MG), monopolizaram as aparições na telinha.
O Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais não perdoou e puniu a legenda. A Lei dos Partidos determina a reserva de 10% do tempo de propaganda para a divulgação da participação feminina na política. “Foi uma situação muito dura para nós. Eu dava liberdade para os diretórios regionais dividirem o tempo de TV. Agora tudo passa por mim”, afirma Suêd.
O PMB já abrigou também o senador brasiliense Hélio José (PMDB), acusado de abusar sexualmente da sobrinha menor de idade, mas que se diz inocente e afirma já ter sido absolvido na Justiça. Ainda assim, ser associada ao parlamentar causa embaraço à presidente da legenda. “Se soubéssemos da acusação, não teríamos aceitado a filiação dele”, alega Suêd Haidar. Ainda hoje, porém, o PMB não faz qualquer checagem de ficha criminal de seus integrantes.
Apesar do apelo que carrega no nome, o PMB é visto como mais um na multidão. “PMB é uma sigla como qualquer outra, se não fosse, daria todo o seu tempo de TV às candidatas mulheres”, avalia a deputada Gorete Pereira (PR), procuradora da Mulher na Câmara dos Deputados.
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Gorete Pereira, deputada
O fato de o PMB não defender bandeiras feministas também é alvo de críticas entre estudiosos de política e direitos das mulheres. “Eles não têm estofo para defender o direito ao corpo, falar sobre fim do estupro, legalização do aborto. Há uma agenda construída com muita luta pelas mulheres, e ela não pode ser ignorada”, afirma a professora Lucia Avelar, do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp.
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Lucia Avelar, pesquisadora da Unicamp
Lucia Avelar também chama atenção para uma prática comum: a de criar legendas políticas de olho nos recursos financeiros do Fundo Partidário. Há 35 partidos no Brasil, a maioria sem expressão. O montante do fundo é dinheiro público. Ele é dividido de duas maneiras: 5% entre todas as legendas e 95% são repassados proporcionalmente aos votos recebidos na última eleição para o Parlamento.
O PMB briga na Justiça para receber o dinheiro com base nos deputados federais que se filiaram a ele no meio do mandato. Só em 2017, ia abocanhar mais de R$ 7 milhões do fundo. Atualmente, com a debandada de parlamentares, recebe R$ 50 mil mensais.
O tamanho da bancada federal determina ainda o tempo de exposição na mídia, que o PMB luta para não perder com a saída dos deputados. Cada segundo na televisão é valioso. E esse será o principal atrativo do partido para ganhar candidaturas em 2018.