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“Não há lei que permita a polícia matar indiscriminadamente”, diz OAB

Em nota, a OAB repudia afirmação feita pelo governador do RJ de que defensores dos direitos humanos são culpados pelas mortes de inocentes

atualizado

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Tomaz Silva/Agência Brasil
Witzel
1 de 1 Witzel - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A Ordem dos Advogados do Brasil emitiu nota de repúdio nesta sexta (16/08/2019), à declaração do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que colocou ‘na conta dos defensores de direitos humanos os cadáveres dos jovens assassinados nos últimos dias durante operações policiais’.

Segundo a OAB, com a afirmação o governador afrontou a Constituição Federal ao não reconhecer o papel da polícia militar de preservação da ordem pública. “Não há legislação no Brasil que permita a polícia matar indiscriminadamente”, indicou a entidade máxima de representação dos advogados no Brasil.

Durante evento em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o Witzel defendeu a necessidade de matar pessoas que estiverem armadas com fuzis e afirmou: “Quando eu digo que quem está de fuzil na mão deve ser abatido, levantam-se vários defensores dos direitos humanos. Quando eles matam inocentes, dizem que foi a polícia que matou.

Mas, quando digo que tem que abater quem está de fuzil, eles são contra. Mas são esses que estão de fuzil a tiracolo nas comunidades que atiram nas pessoas inocentes. Pessoas que se dizem defensoras dos direitos humanos, pseudodefensores dos direitos humanos, não querem que a polícia mate quem está de fuzil, mas aí quem morre são os inocentes”.

“Esses cadáveres (de inocentes mortos durante confrontos) não estão no meu colo, estão no colo de vocês, que não deixam que as polícias façam o trabalho que tem que ser feito. Quanto mais vocês defenderem esses narcoterroristas, outros cadáveres serão colocados no colo de vocês, pseudodefensores dos direitos humanos”, completou o governador.

Em apenas cinco dias, entre 9 e 14 de agosto, pelo menos seis jovens moradores da periferia do Rio morreram atingidos por balas perdidas durante confrontos entre policiais e criminosos. Entre eles está um estudante de 16 anos que jogava na categoria sub-16 do América-RJ que foi alvejado quando saía de casa, em Niterói, para ir treinar futebol.

Em nota, a Ordem assinalou que o governador tentou transferir para defensores de direitos humanos a responsabilidade de mortes ocorridas a partir de ações do Estado, e indicou que, com tal declaração, Witzel ‘foge de sua atribuição de chefe das forças de segurança’.

“A política de segurança defendida pelo governador tem como método violência e morte, enquanto a que os defensores de direitos humanos defendem é a política da vida para todos”, destacou a entidade.

Intervenção policial
Na nota de repúdio, a entidade destacou ainda os números das mortes por intervenção policial no Estado. De janeiro a junho deste ano, 881 pessoas morreram após intervenção policial no Rio, ante 769 no mesmo período de 2018, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP).

No primeiro semestre de 2019, as mortes por intervenção policial no Estado bateram recorde na série estatística de 21 anos, iniciada em 1998. As Polícias Militar e Civil do Rio mataram 434 pessoas de janeiro a março deste ano – quase cinco (4,82) mortos por dia, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ).Segundo moradores da Maré, operação policial nos primeiros dias de maio incluiu disparos feitos a partir de helicóptero que sobrevoou o complexo.

A OAB ressaltou que a polícia também é vítima da ‘política de morte’ defendida pelo governo. A entidade indicou que em 2018, 92 policiais militares morreram no Rio de Janeiro – 24 em serviço, 55 durante suas folgas e 13 reformados.

Na avaliação da ordem, outra vítima da da política do governo de Witzel é o princípio da presunção de inocência – ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. “É justamente por defender direitos humanos que uma pessoa não pode defender o assassinato dos outros, muito menos execuções sumárias, sem o devido processo legal, cometidas por agentes do Estado”, diz o texto.

Risco aos defensores dos direitos humanos
A OAB indicou ainda que ao fazer a declaração, Witzel colocou em risco a vida dos defensores de direitos humanos, que, segundo a entidade, vem cada vez mais sendo ameaçados.

“A liberdade de expressão, os direitos políticos e o direito à vida daqueles que vêm tentando dar voz aos setores mais vulneráveis em uma sociedade entre as mais desiguais e mais violentas do mundo não pode ser colocada em questionamento em um Estado Democrático de Direito”, ressalta a OAB.

Política de segurança do Rio no Supremo
A mudança da política pública de segurança do Rio, concretizada pelas ações do governador, é alvo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal. Em junho, o PSOL pediu que a Corte estabelecesse uma medida cautelar para que o Rio de Janeiro ‘se abstenha de adotar a política pública de segurança que estimule o abatimento e/ou neutralização de pessoas’.

O pedido inicial do partido cita uma declaração de Witzel ao Estadão em entrevista após sua eleição. “O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”, afirmou o governador.

Segundo o PSOL, as declarações do governador ‘legitimam a violência policial’ e ‘passaram a integrar sua atuação como autoridade máxima do Estado do Rio de Janeiro e Chefe das Polícias Civil e Militar’.

No último dia 9 foi registrada a mais recente movimentação do processo. O ministro Edson Fachin, deu dez dias para que o Governador do Rio de Janeiro se manifeste sobre o assunto, ‘em vista da gravidade dos fatos noticiados’.

Confira a íntegra da nota da OAB
Nota em repúdio às declarações do governador do Rio de Janeiro

A Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB e a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB/RJ manifestam repúdio à declaração proferida, em 16 de agosto de 2019, pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sr. Wilson Witzel, na qual afirmou estar na conta dos defensores de direitos humanos os cadáveres dos jovens assassinados nos últimos dias durante operações policiais.

O governador afrontou o artigo 144 da Constituição Federal ao não reconhecer o papel da polícia militar de preservação da ordem pública. Não há legislação no Brasil que permita a polícia matar indiscriminadamente.

Com esse tipo de afirmação, na verdade, o governador foge de sua atribuição de chefe das forças de segurança, ao tentar transferir para defensores de direitos humanos a responsabilidade de mortes ocorridas a partir de ações do Estado.

A política de segurança defendida pelo governador tem como método violência e morte, enquanto a que os defensores de direitos humanos defendem é a política da vida para todos.

Somente em 2019 a atual gestão do governo estadual alcançou o recorde de maior número de mortes por intervenção policial nos últimos 20 anos. Em 2018 foram mortas 1534 pessoas pela polícia militar do Rio de Janeiro, em 2019 já são 881 mortos. Essa política de morte defendida pelo governo também vitima a própria polícia. No ano de 2018, 92 policiais militares morreram no Rio de Janeiro, sendo 24 em serviço, 13 eram policiais reformados e 55 estavam de folga no momento do crime.

Essa política da morte promovida pelo próprio Estado também mata o princípio da presunção de inocência que estabelece a inocência em relação ao acusado de prática de infração penal.

É justamente por defender direitos humanos que uma pessoa não pode defender o assassinato dos outros, muito menos execuções sumárias, sem o devido processo legal, cometidas por agentes do Estado.

Ao proferir essa declaração, o Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro coloca em risco a vida dos defensores de direitos humanos, que vem cada vez mais sendo ameaçados. A liberdade de expressão, os direitos políticos e o direito à vida daqueles que vêm tentando dar voz aos setores mais vulneráveis em uma sociedade entre as mais desiguais e mais violentas do mundo não pode ser colocada em questionamento em um Estado Democrático de Direito.

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