MPT critica e governo se cala sobre contratação de terceirizados
Editada por Temer, regra que autorizou trabalhadores sem vínculo na União é considerada inconstitucional por procuradores do Trabalho
atualizado
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Em setembro do ano passado, no final de seu mandato, o ex-presidente Michel Temer (MDB) editou o Decreto Presidencial nº 9.507, conhecido como Decreto da Terceirização. Nele, o emedebista regulou como trabalhadores sem vínculo empregatício com a União poderiam prestar serviços na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, além das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pelo governo federal.
No entanto, nesta semana, o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou uma nota técnica recomendado ao atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) a revogação do Decreto da Terceirização. Para o órgão, ao possibilitar que atividades fins sejam executadas por não concursados, a União está contrariando as leis brasileiras que regulam o serviço público. Assim, segundo o MPT, as regras editadas por Temer são inconstitucionais.
“O governo está abrindo um leque de oportunidades para que haja ainda mais corrupção e apadrinhamento dentro da União”, avaliou a procuradora do Trabalho, Carolina Mercante, que assina a nota do MPT. O governo Bolsonaro, porém, ainda não decidiu o que fará com o decreto. Por ora, as contratações terceirizadas no setor público continuam.
“Já pedimos audiências com o Ministério da Justiça para debater o tema e ainda não tivemos retorno”, disse a procuradora, que chefia a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública (Conap). Questionado pelo Metrópoles, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não soube responder se pretende revogar o decreto e, tampouco, se essa legislação pode ter como resultado o aumento da corrupção dentro do governo federal.
O Palácio do Planalto também preferiu o silêncio e afirmou, apenas, que não comentaria a nota e as declarações do MPT. Já o Ministério da Economia, que atualmente gere os contratos de terceirização dentro da União, disse que os resultados apresentados pelo MPT estão em avaliação.
“A conformidade jurídica do Decreto nº 9.507/2018 foi analisada pela Consultoria Jurídica do então Ministério do Planejamento, que concluiu que não havia impedimentos jurídicos à edição da regra”, completou.
Problemas no decreto presidencial
Para o MPT, a terceirização no serviço público poderia existir em atividades acessórias, desde que não se envolvessem fases do processo administrativo e decisões estratégicas do governo federal. No entanto, o decreto presidencial de 2018 deixou de fora apenas as áreas de fiscalização e de poder de polícia. Assim, desde então, nos demais setores da União, é permitido o emprego de empresas responsáveis pela contratação de trabalhadores que efetuarão os serviços.
O Tribunal de Contas da União (TCU) tem o entendimento parecido ao do MPT. Para a Corte, não poderia ocorrer terceirização nas seguintes atividades: ocupação de atividades inerentes às categorias funcionais previstas no plano de cargos da empresa, exercício de atividade-meio com presença de relação de subordinação direta e pessoalidade, e exercício de atividade-fim.
“A ampliação desmedida da terceirização na administração pública permitirá a ocorrência de práticas patrimonialistas de apadrinhamento e nepotismo também. O Supremo Tribunal Federal (STF) também tem o entendimento de que a administração pública direta e indireta deve obediência cogente à regra geral do concurso público para admissão de pessoal”, afirmou o MPT, na nota técnica que o Metrópoles teve acesso.
No entanto, à reportagem, o STF afirmou que ainda não há nenhuma ação na Corte que questiona o decreto nº 9.507. Vale lembrar que só o Supremo ou o atual presidente da República podem derrubar a regra editada por Temer.
Portaria do Ministério do Planejamento
No apagar das luzes do governo Temer, foi publicada, pelo então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, a Portaria n. 443/2018, estabelecendo os serviços que seriam “preferencialmente objeto de execução indireta mediante contratação” após o decreto presidencial. Ou seja, quais serviços poderiam ser terceirizados a partir daquela data no governo federal.
A lista traz 32 serviços que incluem áreas como alimentação, telecomunicações, limpeza, transporte, teleatendimento, mensageria, tratamento de animais, conservação e jardinagem, entre outros (veja lista abaixo).
Para a procuradora Carolina Mercante, ao usar a palavra “preferencial” na portaria, o governo abre uma insegurança jurídica, não deixando claro quais setores da administração pública federal não podem ser de maneira alguma terceirizados. Por isso, o MPT também pede que norma do Ministério do Planejamento seja vedada pelo governo Bolsonaro.
Entenda
O decreto de Michel Temer foi editado menos de um mês depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 7 votos a 4, que é constitucional o emprego de terceirizados na atividades fim das empresas da iniciativa privada. Essa situação, no entanto, já está em vigor desde 2017, quando a reforma trabalhista foi sancionada.
Para o advogado trabalhista Marcos Chehab Maleson, no entanto, o concurso público está na Constituição Federal e, por isso, não pode se espelhar na reforma trabalhista que tratou da inciativa privada. Ele também acredita que tanto o decreto quanto a portaria são inconstitucionais. “Todas essas situações aventadas por essas normas ofendem diretamente os princípios da impessoalidade, eficiência e moralidade, que devem pautar o serviço público. Você não vai ter nada impedindo a nomeação de um funcionário por simples vontade de um gestor”, completa.