MPF pede abertura de processo de improbidade contra Sergio Camargo
Órgão técnico do MPF entendeu que o presidente da Fundação Palmares cometeu crime por excluir obras do acervo da instituição
atualizado
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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão técnico do Ministério Público Federal (MPF), pediu, nesta sexta-feira (25/6), a abertura de processo de improbidade administrativa contra o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo.
Os procuradores do órgão dizem que a autorização dada por Camargo para a retirada de circulação de livros de acesso público do acervo da biblioteca da fundação atenta contra princípios constitucionais, como o “pluralismo político, a vedação à censura, as liberdades de expressão do pensamento e de atividade intelectual, bem como a vedação à restrição de direitos por motivo de crença religiosa, convicção filosófica ou política”.
Também é alvo do pedido o coordenador-geral do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, Marco Frenette.
O parecer é assinado por seis procuradores da República e endossado pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena.
Nesta sexta-feira (25/6), Vilhena enviou ofício à unidade do MPF no Distrito Federal (DF) solicitando análise e providências em relação à representação.
Assinam o pedido o procurador regional da República Paulo Gilberto Cogo Leivas, e os procuradores da República Enrico Rodrigues de Freitas, Marco Antonio Delfino de Almeida, Analúcia de Andrade Hartmann, Indira Bolsoni Pinheiro e Sergio Gardenghi Suiama.
Biografias
No documento, Vilhena ressalta “não ser a primeira vez que o presidente da Fundação Cultural Palmares pratica condutas questionáveis do ponto de vista da moralidade e da impessoalidade administrativas”. Ele lembrou que a PFDC já se posicionou, por exemplo, contra a retirada de biografias de personalidades negras do site da entidade e da ameaça de remoção e perseguição a servidores.
No início de junho, o Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra (CNIRC) divulgou, em formato digital, a publicação “Retrato do Acervo – Três décadas de dominação marxista na Fundação Cultural Palmares”. O relatório apontou que 5.165 livros, 54% do total da biblioteca, têm “temática alheia à negra”, com conteúdos relacionados a “sexualização de crianças”, “manuais de greve”, “bizarrias”, “pornografia e erotismo”.
Na época, Camargo anunciou que os exemplares seriam doados. “Estes livros encontrarão um lar que os acolha, nem que sejam cursos de humanas das federais”, ironizou em publicação no Twitter.
“Nomes como Carlos Marighella, ex-deputado federal e fundador da Aliança Libertadora Nacional, organização de resistência à ditadura militar, estão na lista feita por Camargo”, pontuou Camargo.
O Relatório Público 1, que denuncia a dominação marxista na Fundação Palmares, está disponível no site oficial da instituição e pode ser baixado neste link. https://t.co/kopMgGet5y pic.twitter.com/v9gto1ROG9
— Sérgio Camargo (@sergiodireita1) June 24, 2021
Diante da decisão do presidente da fundação, a Coalização Negra por Direitos, grupo que reúne 200 organizações ligadas ao movimento negro, entrou na Justiça contra Sérgio Camargo, para impedir a exclusão de obras do acervo da instituição.
Lista de excluídos
Na lista de exclusão estão livros de autores consagrados como Eric Hobsbawm, Max Weber, Machado de Assis, Câmara Cascudo, Décio Freitas, Clóvis Moura, James Baldwin e Edison Carneiro – os quatro últimos ligados à temática negra.
Na ação civil pública, a Coalizão Negra por Direitos afirmou que “a honra e a dignidade da população afro-brasileira, e também de patrimônio público e social, serão violados caso obras sejam retiradas do acervo”.
A organização destacou que “Sérgio Camargo já desqualificou a luta do movimento negro e minimiza os reflexos do racismo na vida do povo negro no Brasil, reforçando o discurso do governo federal de que as denúncias e lutas contra o racismo representam vitimismo”
Após análise desse documento, o grupo de procuradores avaliou que Camargo apresenta fundamentos genéricos, aleatórios, ignorando premissas básicas do princípio da legalidade para justificar o descarte de obras. De acordo com a publicação, apenas 4% do acervo se encontra totalmente adequado para leitura pelo público que acessa a biblioteca, como estudantes.
Na representação, os procuradores rebatem ainda a justificativa de recolhimento e descarte de 97% do acervo por serem consideradas obras obsoletas já que possuem data anterior ao acordo ortográfico de 2016.
Para eles, os argumentos podem servir de pretexto para restrição de acesso e descartes com fundamento constitucionalmente velado. “De qualquer forma, a triagem com base em razões político-filosóficas, no presente caso, é declarada e manifesta”, afirmam os procuradores.