Chamado de “juiz ladrão”, Moro abandona CCJ e sessão é encerrada
O hoje ministro da Justiça teve divulgadas supostas conversas que teria tido, quando juiz, com procuradores sobre a Operação Lava Jato
atualizado
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Depois de ir ao Senado prestar esclarecimentos a respeito de conversas vazadas entre ele e membros da Operação Lava Jato pelo site The Intercept Brasil, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados para ser indagado pelos parlamentares. Moro chegou por volta das 14h desta terça-feira (02/07/2019). A expectativa era de que a audiência seguisse até a madrugada.
Pouco depois das 21h30, contudo, após sete horas de audiência, o deputado Glauber Braga (PSol-RJ) começou a sua explanação dizendo que não faria perguntas a Moro. Segundo o parlamentar, o ministro da Segurança Pública não responderia a nenhuma das indagações feitas por ele de qualquer forma. “Então, vou apenas fazer uma analogia”, disse Braga.
Dessa forma, Braga citou um jogo de futebol onde um suposto juiz marcaria um pênalti indevido. Diante do comentário, alguns parlamentares da base já demonstraram irritação. Ao final, o deputado do PSol protagonizou uma discussão acalorada, quando chamou Moro explicitamente de “juiz ladrão”.
“O senhor vai entrar para história como um juiz ladrão e corrompido que ganhou uma recompensa para fazer com que a democracia brasileira fosse atingida”, disse. Depois de um dia de oscilação entre momentos de tensão e provocação com horas de relativa calmaria, foi o que bastou para a sessão virar uma enorme confusão, próxima do pugilato.
Parlamentares do PSL e de outros partidos governistas ficaram inconformados e partiram para cima de Braga.
Com dedos em riste e aos berros, Glauber Braga exigia respeito. Diante da confusão instalada, seguranças tiveram de intervir, a fim de evitar que os parlamentares chegassem às vias de fato.
Moro foi retirado da comissão, sob coro de “ladrão” pelos deputados que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro.
A sessão chegou a ser encerrada oficialmente, e Moro deixou a sala. Poucos minutos depois, entretanto, a pedido da base governista, a sessão foi retomada, mas sem a volta de Moro. Às 21h45, a deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP) encerrou oficialmente a reunião, alegando que Moro tinha ido embora “sem esperar o desenrolar da situação”.
Logo depois da confusão, o petista Paulo Pimenta (RS) afirmou que a oposição apresentará novo requerimento para convocar Moro. O presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), porém, afirmou que não pautará para votação nenhum novo requerimento, porque teria sido impedido por Porfessora Marcivânia de reassumir o comando da sessão e eventualmente encaminhar a volta do ministro para o fim da audiência.
O ministro, ao sair da sala atrás do plenário da CCJ, falou rapidamente e afirmou que apenas deixara a sessão devido a um “deputado despreparado”.
“Um deputado despreparado, que não guarda o decoro parlamentar, fez ofensas inaceitáveis. Tivemos que encerrar a sessão e a culpa é desse deputado, totalmente despreparado. Glauber, acho, Glauber alguma coisa. Sabe Deus de onde veio isso aí.”
“Revanchismo”
Logo no início da sua fala, o ex-juiz destacou números da Operação Lava Jato, que ele coordenou antes de assumir o ministério. Na sequência, assim como fez em seu discurso no Senado, Moro manteve a retórica de que a força-tarefa foi uma das maiores da história do Brasil contra a corrupção. Ele voltou a dizer que não reconhece a autenticidade das conversas.
Já no fim da tarde, depois de aproximadamente quatro horas de sessão, Moro desabafou, adotando mais uma vez o discurso da vítima de ataques pela participação que teve como juiz na operação de combate à corrupção:
“Existe aí muito revanchismo. Tenho certeza (de que), se, durante a condução da Operação Lava Jato, eu tivesse me omitido, tivesse deixado a corrupção simplesmente florescer, virado os olhos para o outro lado, não sofreria os ataques que sofro atualmente.”
Moro negou, já no início da noite, qualquer ação contra a liberdade de expressão e de imprensa.
“Nós não vamos tomar nenhuma providência contra a liberdade de imprensa, nós respeitamos, mas podemos criticar”, afirmou o ministro, que indicou que o governo não processará os veículos de comunicação que publicaram com o site The Intercept Brasil as conversas vazadas.
“Algumas podem ser minhas”
“Eu não reconheço a autenticidade dessas mensagens, eu não as tenho mais no meu celular. Algumas até podem ser minhas, mas podem ter sido adulteradas total ou parcialmente’, afirmou.
“Ao que me parece é que alguém com muito recurso está por trás disso. O objetivo é invalidar as condenações da Lava Jato e impedir novas investigações”, disse o ministro, após afirmar que seu celular foi invadido por hackers.
No dia 19 de junho, durante sessão que durou cerca de nove horas, na CCJ do Senado, o ministro negou reconhecer a autenticidade das conversas vazadas com procuradores da Lava Jato, mas sustentou que, mesmo que algumas tenham ocorrido da forma como foram publicadas pelo site The Intercept Brasil, não cometeu nenhuma irregularidade.
“Pode ter algo ali que eu falei? Pode. Algo do tipo, eu confio no ministro tal. Bem, confio, sempre tratei respeitosamente, com absoluto respeito. Mas não posso confirmar a autenticidade, porque tem material ali que pode ter sido adulterado”, disse o ministro, em referência velada a uma mensagem que ele teria trocado com Deltan Dallagnol, na qual se refere ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux. “In Fux we trust”, teria dito. Em tradução livre, “No Fux nós confiamos”.
“O que existe é uma invasão criminosa de hackers a aparelhos celulares de agentes públicos. Esses elementos probatórios que foram colhidos nem podem ser chamados de provas porque são ilícitos. Não está demonstrada a autenticidade dessas mensagens. O site se recusou a apresentar essas informações a uma autoridade independente. Poderia tê-lo feito desde o início”, prosseguiu.
Início tenso
Quando a sessão passou para as perguntas, a oposição tomou conta. O deputado Marcio Jerry (PCdoB-MA), por exemplo, sustentou que não se deve combater um crime com outro. “Nesse caso, parece que quem mais prejudicou a Lava Jato foi sua atuação um tanto quanto açodada”, alfinetou.
O deputado Rogério Correia (PT-MG), entâo, começou a ler as reportagens do Intercept e chegou a chamar o coordenador da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, de “cretino.” Revoltados, integrantes da base do governo começaram a gritar.
“Correção”
Depois de um início tenso no debate com deputados oposicionistas, o líder da Oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), passou a questionar o ministro. Com a mesma sobriedade que Moro tenta manter na mesa ao responder, Molon fez uma rápida análise do que está ocorrendo. Segundo ele, o que está em debate não é ser contra ou a favor do combate à corrupção, e sim como isso foi feito.
“Imagino que nenhum dos deputados aqui, nem mesmo Vossa Excelência, gostaria de ser julgado por um juiz que saiba que tem lado. O juiz precisa proteger sua imparcialidade e Vossa Excelência sabe bem disso. Quando sugere que se formalize uma denúncia, que seja ouvida determinada testemunha, não concorda que neste momento coloca em risco sua imparcialidade?”, perguntou Molon.
Moro limitou-se a autoavaliar a própria atuação: “Lhe asseguro que sempre agi com correção, com imparcialidade”, sustentou. E alegou que o sucesso da Lava Jato, as reações positivas em todo o país e no exterior pelo “esforço contra a corrupção”, lhe davam razão na avaliação.
Marielle
Cobrado insistentemente pelos oposicionistas sobre uma resposta definitiva sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ), que teve um assassino apontado e preso, mas, até agora, nem sinal de mandantes identificados, Moro respondeu:
“(foi) Lamentável, e repudio esse atentado. Eu sou a favor de que venha para a Polícia Federal, mas não foi essa a decisão da Justiça. Eu acho que deveria vir para a PF dada a gravidade dos fatos, mas eu espero que tudo seja elucidado.”
Sessão conjunta
Como a sessão é conjunta, reunindo três comissões, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), depois de falar, passou a fala a deputada Professora Marcivania (PCdoB-AP), presidente da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara. Na sequência, o deputado Helder Salomão (PT-ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos, assumiu a palavra, dando sequência à audiência.
Governistas provocam
O deputado Filipe Barros (PSL-PR) afirmou textualmente que o site The Intercept Brazil é mantido por um “embusteiro criminoso”, em relação a Glenn Greenwald. “O dono do site deveria ser expulso desse país”, atacou. “O PT é tchutchuca com seus correligionários e tigrão com a Lava Jato”, emendou, provocando, aludindo ao episódio em que o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) usou as mesmas expressões com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em seguida, foi a vez de Delegado Waldir (PSL-GO), líder do partido do presidente na Câmara, atacar o PT e perguntar a Moro se a PF está investigando “a relação do PT com o vazamento do Intercept”. A pergunta provocou reação imediata e furiosa do líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), que pediu direito de resposta.
“Eu abro mão de todos os meus sigilos próximo ao vazamento. E desafio o Moro a fazer o mesmo sobre as mensagens de seu celular”, contra-atacou Pimenta, ao negar qualquer relação do partido com a divulgação dos diálogos.
“OAB embarcou no sensacionalismo”
O ministro da Justiça foi interpelado sobre a posição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cujo Conselho Federal aprovou, logo no início da crise da divulgação dos áudios, uma recomendação para Moro e o coordenador da Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, pedissem afastamento dos cargos para permitir uma investigação ampla e sem possibilidade de interferência. “Ela (a OAB) embarcou no sensacionalismo das notícias dos primeiros dias. Eu duvido que a OAB teria hoje a mesma opinião que teve”, avaliou. E sentenciou, minimizando as notícias que insistem em continuar lhe cercando:
“”O que existe é um escândalo fake já afundando. Meu depoimento é igual o do Senado porque reflete a verdade.”
Contexto
Em 9 de junho, o Intercept começou a divulgar uma série de reportagens com base em mensagens que mostram suposta interferência do então juiz da Operação Lava Jato no trabalho investigativo. O atual ministro da Justiça e o chefe da força-tarefa do Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol, teriam trocado colaborações. Depois, o site continuou com a publicação de matérias sobre o tema.
Sergio Moro e Dallagnol dizem ter sido vítimas de um ataque hacker criminoso e não reconhecem a autenticidade do conteúdo que veio a público. Com base no que foi exposto, ambos negam haver qualquer irregularidade nas conversas.