Moro: Bolsonaro não vetou trechos do pacote anticrime para proteger Flávio
Entre os dispositivos estavam o que estabeleciam prisão preventiva e restrições a acordos de colaboração premiada
atualizado
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O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou que achou estranho o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), não ter vetado trechos do pacote anticrime que estabeleciam prisão preventiva e também restrições a acordos de colaboração premiada. Ele relacionou o fato às investigações contra o filho do chefe do Executivo, o senador Flávio Bolsonaro. As informações foram dadas em entrevista à revista Crusoé.
“Me chamou a atenção um fato quando o projeto anticrime foi aprovado pelo Congresso. Infelizmente, houve algumas alterações no texto que acho que não favorecem a atuação da Justiça criminal. Propusemos vetos, e me chamou a atenção o presidente não ter acolhido essas propostas de veto, especialmente se levarmos em conta o discurso dele tão incisivo contra a corrupção e a impunidade. Limitar acordos e prisão preventiva bate de frente com esse discurso. Isso aconteceu em dezembro de 2019, mesmo mês em que foram feitas buscas relacionadas ao filho do presidente”, afirmou.
Moro também criticou a postura do governo em relação às últimas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que impediram a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da PF e autorizaram o inquérito que investiga as acusações feitas por ele contra o presidente da República.
“Não tem nenhum motivo para o Planalto se insurgir e o Planalto sabe disso. O problema é que o Planalto não consegue entender esses limites, que ele não é um Poder soberano. É claro que, eventualmente, pode-se criticar algumas decisões judiciais, mas tem que respeitar a atuação das Cortes de Justiça”, avaliou.
Moro pediu demissão do cargo após Bolsonaro informar que pretendia mudar a direção-geral da PF, então chefiada pelo delegado Maurício Valeixo. Contra a medida, o ex-ministro bateu de frente com o presidente, mas não foi atendido. Ao deixar o cargo, o ex-juiz, então, afirmou que o chefe do Executivo queria interferir politicamente na corporação.
“Motivos perturbadores”
O ex-ministro afirmou que os motivos alegados pelo presidente para trocar o comando da Polícia Federal são “perturbadores”. Ele ainda afirmou que se sentia “desconfortável” no governo.
“Me perguntam se valia tanto a pena manter o Valeixo, mas não era uma questão de quem está lá. A questão era o porquê a troca e por que o presidente precisava de uma pessoa de confiança, de relacionamento direto com ele. As razões que foram externadas pelo presidente são perturbadoras. Não dá pra submeter a PF a esse tipo de vontade”, declarou o ex-juiz da Lava Jato.
Ele ainda criticou a “agressividade” e o “estímulo à violência” no Executivo.”Não posso mentir. Eu me sentia desconfortável em vários aspectos do governo: pela agressividade contra a imprensa, pelo estímulo à violência, ao ódio e, mais recentemente, pela descoordenação completa em relação ao combate ao coronavírus. Eu sempre defendi o isolamento”, falou.
“Me senti intimidado”
Moro revelou que foi surpreendido com o parecer do procurador-geral da República, Augusto Aras, que pediu o inquérito sobre a troca no comando da PF, colocando ele como um dos investigados. Segundo o ex-ministro, o pronunciamento feito antes de deixar o governo foi apenas para “esclarecer as razões da saída”.
“Eu me senti intimidado. Não que a PGR tenha um propósito intimidatório, mas me senti intimidado pelos termos, ao sugerir que aquilo serviria para me investigar. Eu estou com a consciência tranquila de que sempre falei a verdade”, afirmou Moro.