Missão porta-voz: entenda a função de Otávio do Rêgo Barros no Planalto
General é a “cara” do governo Bolsonaro e, apesar da aridez dos temas tratados, adota frase católica para se despedir após cada anúncio
atualizado
Compartilhar notícia
Desde que Jair Bolsonaro (PSL) assumiu a Presidência da República, os brasileiros se habituaram a ver, quase diariamente, o general Otávio do Rêgo Barros se dirigir nos fins da tarde a um púlpito instalado no Palácio do Planalto para falar aos jornalistas. Ele é o responsável por explicar à imprensa – e consequentemente à nação – as ações e prioridades da atual gestão do governo federal. Formado nas fileiras do Exército Brasileiro, o militar é o 18º porta-voz da Presidência da República.
O porta-voz é o responsável por reunir e transmitir as informações do interesse da Presidência e as opiniões do presidente. O cargo é ligado à Secretaria de Comunicação Social e foi criado durante o governo militar, na gestão do general Emílio Garrastazu Médici, em 1969.
No fim dos anos 1970, início dos 1980, o jornalista Alexandre Garcia ocupou o cargo, divulgando as realizações e prioridades do governo do então presidente-general João Baptista de Oliveira Figueiredo. Segundo ele, à época, o chefe do Executivo federal sempre estava disposto a receber a imprensa: chegou a dar trabalho ao porta-voz por, às vezes, falar demais.
Para além de filtrar o contato entre o chefe e os jornalistas, Garcia explica que a missão principal de um porta-voz é unificar o discurso do governo que representa. “É preciso estar afinado com o presidente, conhecer seu temperamento, para passar a mensagem corretamente”, ensina. “Ter um porta-voz evita que cada ministro ou secretário, por exemplo, saia falando o que quiser. Essa unificação de discurso evita problemas e ajuda a gestão”, considera.
O jornalista, contudo, adverte que o trabalho é de tempo integral. “Começa às 8h e termina depois das 23h”. O porta-voz precisa ficar totalmente à disposição do presidente e ainda administra o acesso de jornalistas ao Palácio do Planalto. “É preciso acompanhar todo o noticiário, para não deixar questões sem respostas”, detalha. “É um cargo penoso. Tem que defender o governo, vestir a camisa. A pessoa mete a cara. E vira a cara do governo. Não é emprego, é missão”, resume.
Veja quem passou pela função nos últimos 50 anos:
O diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Rubens Figueiredo, especialista em marketing político, avalia como positiva a atuação de Rêgo Barros como porta-voz. “Ele tem se mostrado preparado. Passa confiança, tranquilidade e segurança em suas colocações”, pondera. Alexandre Garcia concorda: “Ele veio de uma experiência bem-sucedida, como chefe da Comunicação do Exército durante anos”.
O consultor explica que na gestão do presidente Jair Bolsonaro a atuação se torna ainda mais vital. “É uma equipe que não tem políticos experientes. Esse é um modo de evitar transtornos”, completa. Rubens faz um alerta: “Uma atuação ruim pode ser desastrosa, pode comprometer o governo”.
Um general na comunicação
Antes de assumir o novo posto na gestão Bolsonaro, o general Otávio do Rêgo Barros chefiou o Centro de Comunicação Social do Exército. Ele é uma indicação do também general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, que deixou o comando do Exército no início do ano.
Pernambucano do Recife, Rêgo Barros entrou nas Forças Armadas em março de 1975. Inicialmente, como aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército. Em 1981, tornou-se aspirante a cadete.
Bacharel em ciências militares, ele foi assessor da Cooperação Militar Brasileira no Paraguai, integrou a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti e esteve responsável pela segurança da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, junto à Organização das Nações Unidas (ONU).
Passou ainda pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e escreveu o livro Desafios estratégicos para a segurança e defesa cibernética.
Saudação franciscana
Quem acompanha seu “briefing” diário já deve ter percebido que, ao concluir as explicações sobre as prioridades do governo federal, Rêgo Barros encerra sua fala com a citação “paz e bem”. A frase católica é uma saudação franciscana.
Dom Severino Clasen, presidente da Comissão para o Laicato da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), explica que a mensagem é um cumprimento de amor ao próximo. “Quando se diz paz e bem a alguém, é como se cumprimentasse o Deus que habita naquele ser. É um desejo de que a paz que eu quero é a mesma que eu lhe transmito”, descreve.
Chama atenção do religioso o uso da expressão pelo atual porta-voz da Presidência, já que a maior parte das declarações são áridas. Na última semana, por exemplo, Rêgo Barros teve que tratar com jornalistas de assuntos como a demissão do ex-ministro Gustavo Bebianno, a articulação política para a aprovação da reforma da Previdência no Congresso Nacional e o fechamento da fronteira entre Brasil e Venezuela.
“Não vejo muito sentido para seu uso [da saudação] ao tratar desses temas”, afirmou o representante da CNBB. Dom Severino destacou que a mensagem é uma troca de intenções e que deve ser acompanhada de ações. “Existe um uso correto. Não pode ser só uma frase. Quem a usa deve resgatar os esquecidos, as minorias e pobres. Combater as guerras, os conflitos e o uso de armas”, advertiu.
Para a Igreja Católica, Francisco de Assis recebeu a frase por meio de inspiração divina, durante orações. “É uma mensagem muito forte. Ainda hoje os franciscanos a utilizam para combater a violência, o ódio e para acolher todas as pessoas”, concluiu dom Severino.
De acordo com o professor Marcos Aurélio Fernandes, do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB), a frase surgiu no século 13. “Há uma lenda medieval segundo a qual, na cidade de Assis, um personagem saudava as pessoas com essa expressão em italiano. São Francisco depois da sua conversão adotou ‘o Senhor te dê a paz’, com base no Evangelho. Posteriormente, ela se configurou como é usada hoje”, destacou.
O Metrópoles entrou em contato com o Palácio do Planalto, que não comentou o uso da expressão.