Medo de “efeito Dilma” faz Bolsonaro recuar na eleição do comando da Câmara
Apoiar um candidato e perder eleva expressivamente os riscos para o governo no Congresso. Sucessor de Rodrigo Maia será eleito em fevereiro
atualizado
Compartilhar notícia
Acompanhando as movimentações para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido aconselhado a ter uma postura contida sobre o assunto.
Os articuladores do Planalto alertam que apoiar uma candidatura e perder eleva exponencialmente os riscos para o governo no Congresso. O enfraquecimento do Centrão e do “blocão”, sob a liderança do deputado Arthur Lira (PP-AL), que reunia pouco mais de 200 parlamentares, agrava a situação. Nesta semana, partidos como MDB, DEM, PTB, PSC e outros se afastaram ou romperam com o grupo.
O principal argumento que tem sido levado ao presidente é de que o “efeito Dilma-Cunha” pode atormentar Bolsonaro se ele abraçar um candidato e ele perder. O desgaste entre a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) praticamente impossibilitou o andamento da pauta do governo no parlamento, e a ruptura culminou na abertura do processo e na aprovação do pedido de impeachment.
Em fevereiro de 2015, a disputa pela presidência da Câmara colocou Cunha em rota de confronto com o Planalto. Dilma apostou na candidatura de Arlindo Chinaglia (PT-SP). Cunha reuniu esforços com o Centrão e o “baixo clero”, saindo vitorioso em primeiro turno, com 267 votos. Chinaglia recebeu 136. Começava a tormenta para a petista.
Com a cisão do MDB e do DEM em relação ao deputado Arthur Lira (PP-AL) — articulador de Bolsonaro—, o medo é de que o governo tenha ainda menos apoio parlamentar. Atualmente, o governo não conta com apoio firme orgânico ou programático dentro dessas siglas e negocia voto a voto. Pesa na conta também a derrota na votação do Fundo da Educação Básica (Fundeb), que foi interpretada como um recado claro da frágil influência do Planalto junto dos congressistas.
“A avaliação é de que se o governo apoiar um deputado [para a sucessão de Maia] neste momento estará dobrando a aposta”, diz um assessor que acompanha as movimentações. A simbologia pesou para o governo. “A saída [do MDB e do DEM] foi um sinal claro da tentativa de se descolar de Bolsonaro”, explica.
A certeza é que o presidente não tem na mesa 308 votos para aprovar propostas de emenda constitucional (PECs), tampouco 257 votos para manter vetos. O temor é que um passo em falso possa trancar as pautas de interesse do governo, como a criação do programa de assistência social Renda Brasil, dar mais espaço à oposição e até deixa o presidente exposto a um processo de impeachment.
Eleição só em fevereiro
Enquanto esteve na presidência da Câmara, Cunha não facilitou a aprovação de projetos de interesse do governo Dilma, dando amplo espaço à oposição em votações no plenário. No início de dezembro de 2015, ele aceitou um pedido de impeachment contra Dilma e rapidamente criou a comissão para analisar as acusações.
Efetivamente, o novo presidente da Casa só será eleito em fevereiro de 2021 — após as eleições municipais. Até lá, deputados tentam se cacifar e projetar o nome para a candidatura.
Arthur Lira é o nome do Centrão para a presidência da Câmara e tem costurado apoio do governo e de partidos. Ainda não recebeu nenhuma sinalização clara de Bolsonaro de que seja o nome do Planalto para a disputa, apenas indicações. Já Maia articula para que seu sucessor seja um aliado, independente do governo.
Para entender o Centrão e o blocão:
- Centrão: grupo formado por partidos como PP, PL e Republicanos. Em troca de cargos, as legendas acenavam com apoio ao governo. A intenção do Planalto é construir uma base de ao menos 180 votos com esses parlamentares.
- Blocão: foi montado em 2019 para a formação da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Era composto por PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, PROS e Avante. Perdeu DEM e MDB nesta semana.
Riscos
A relação espinhosa entre Dilma e Cunha não é a única ao longo da história. Uma conflituosa eleição levou Severino Cavalcanti (PP-PE) ao comando da Câmara em 2005. O desfecho sacramentou a primeira grande derrota do governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso. Lula fez campanha para Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).
Severino Cavalcante, que morreu recentemente, virou notícia quando indicou um aliado ao ex-presidente Lula para “aquela diretoria que fura poço e acha petróleo”, se referindo à Diretoria de Exploração e Produção da Petrobras. À época, o setor era o que mais concentrava orçamento na estatal. Cavalcante não conseguiu emplacar seu apadrinhado e a diretoria ficou com um nome ligado ao PT.
Foi preâmbulo do “petrolão”, esquema de corrupção que envolvia cobrança de propina das empreiteiras, lavagem de dinheiro e superfaturamentos de obras, investigado pela Polícia Federal por meio da operação Lava Jato.