Marina avisa Bolsonaro: “Dilma se entregou ao Centrão e ficou na mão”
Para ex-senadora, motivos para impeachment estão dados. Ela ainda sugere caminhos para vencer a polarização entre PT e Bolsonaro em 2022
atualizado
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Fundadora da Rede Sustentabilidade, ex-ministra do Meio Ambiente, ex-candidata a Presidência da República e ex-senadora, Marina Silva tem defendido o impeachment do presidente Jair Bolsonaro por acreditar que todas as condições para tirá-lo do poder já existem. Paralelamente a isso, ela avalia que Bolsonaro inviabiliza todas as tentativas do país para encontrar saídas para a pandemia do coronavírus.
“Ele está colocando em risco não só a saúde pública, mas a economia e as relações institucionais, tudo aquilo que é necessário para que o país possa se recuperar no processo de sair da pandemia. Ele está inviabilizando essas condições hoje”, apontou
Em entrevista ao Metrópoles, ela disse discordar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, por ora, descarta colocar os pedidos de impeachment do presidente na pauta da Câmara. Constitucionalmente, a competência para dar início ao processo é de Maia. “Materialidade para o impeachment nós já temos. O que temos que ter é um processo político”, disse Marina.
“O presidente já incorreu em vários crimes de responsabilidade, atentado contra os poderes, à Constituição, à saúde pública, à democracia, à liberdade de imprensa, houve tentativa de tráfico de influência para tirar proveito próprio das instituições de Estado. Enfim, um rol de coisas. A última que tivemos partiu do seu próprio ex-superministro da Justiça (Sergio Moro). Então existe materialidade”, enumerou.
A ex-senadora está em quarentena desde 1º de março, em sua casa em Brasília. A situação de a população mais conscientizada a respeito dos riscos de aglomerações durante a pandemia não poder sair as ruas, para Marina, é um dos obstáculos para que o processo de impedimento deslanche no país. Na sua avaliação, a oposição a Bolsonaro, hoje, respeita a quarentena. Por isso a oposição não estaria tão presente nas ruas.
“Estamos no meio da pandemia. Diferentemente de Bolsonaro, que não se importa de colocar hordas fundamentalistas nas ruas para seus devaneios autoritários, quem tem responsabilidade com a saúde pública não pode fazer o mesmo”, avaliou.
Centrão
Ao comentar a aproximação do presidente com o grupo conhecido como Centrão – parlamentares que negociam seus votos em troca de espaços no governo –, Marina Silva sugeriu que Bolsonaro relembre do histórico de alianças de outros presidentes com o grupo. Ao lembrar da presidente impedida Dilma Rousseff (PT), ela chega a conclusão que não foi bem sucedida.
“Se isso vai prosperar, é preciso ver a relação histórica”, aconselhou. “A Dilma recorreu a eles com os mesmos métodos de distribuição de cargos e de benesses e deu no que deu. Se entregou ao Centrão e depois ficou na mão”, comparou a ex-senadora, que já protagonizou desentendimentos públicos também com a ex-presidente.
“Isso não é garantia. O Centrão se move de acordo com o poder ou com a expectativa de poder”, destacou Marina.
Para ela, ao buscar apoio do grupo político, Bolsonaro revela, na verdade, fragilidade. “Quando alguém se entrega ao centrão, como fez a Dilma, o Fernando Henrique Cardoso, o Temer, mas principalmente a Dilma e o Temer, está denunciado que tem uma fragilidade no Congresso. Bolsonaro faz esse movimento na contramão de tudo que ele supostamente criticava. Hoje a gente pode usar o termo ‘supostamente criticava’ porque ele está fazendo exatamente aquilo que ele pregou contra quando ganhou as eleições”, avaliou.
Retroalimentação
Marina ainda falou sobre o ambiente de polarização política presente no país que levou Jair Bolsonaro ao poder. Segundo ela, os dois polos são, hoje, Bolsonaro e o Partido dos Trabalhadores, sobretudo na figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“O ódio é mau conselheiro em qualquer situação. É o pior dos conselheiros. No caso dessa polarização tóxica que a gente assiste no Brasil, e ela é histórica, mas ela foi às últimas consequências com essa situação que a gente vive hoje de insanidade. É prejuízo para o Brasil, para as instituições e, principalmente, para o interesse público, que é prejudicado no meio desse tiroteio”, disse. “Em todos os níveis o Brasil tem sido prejudicado por essa disputa fratricida pelo poder e não pelo interesse do país”.
“Até porque, o PT e governo Bolsonaro se retroalimentam”, enfatizou. “Com isso o país fica refém de uma situação completamente indesejável, do ponto de vista político e social”, argumentou.
A resistência a uma reaproximação com o PT, partido que já foi o seu, é forte. “Eles são prisioneiros da narrativa que eles mesmo criaram. O impeachment da Dilma não foi golpe. Tem suas bases na realidade, mas como eles insistiram nessa tese, eles não querem se contradizer na narrativa política”.
“O PT já se excluiu de qualquer debate com o campo democrático progressista porque não faz autocrítica dos erros cometidos. Quem não faz autocrítica dos gravíssimos erros éticos está disposto a continuar com as mesmas práticas e atitudes”.
Aliança para 2022
Marina diz que ainda é cedo para discutir candidatura em 2022 mas aponta conversas que seu partido, a Rede, tem tido com outras legendas. Um dos objetivos, segundo ela, é quebrar a polarização entre PT e Bolsonaro.
Para isso, ela dialoga com os partidos de centro-esquerda, como PSB, PDT, PV e Cidadania. “É nesse campo que estamos nos situando para quebrar a polarização. Antes era PT e PSDB e ninguém poderia existir. Agora é lulismo versus bolsonarismo e ninguém mais pode existir, inclusive o próprio país, que passa a ser só um detalhe”, criticou.
Afronta ao STF
Marina considerou que Bolsonaro afrontou o Supremo Tribunal Federal (STF), ao levar um grupo de empresários que pediam pela flexibilização das medidas de isolamento recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e estabelecidas por decretos estaduais e municipais.
“Ele levou um grupo de pessoas para pressionar os ministros. É alguém que já estabeleceu que não tem limite, não tem nenhum tipo de fronteira democrática”, disparou.”Eu acho que ele faz de propósito para criar uma situação para esgaçar a democracia”, prosseguiu.
Regina Duarte
A ex-senadora ainda comentou as declarações da atriz Regina Duarte em entrevista à rede de televisão CNN, na última quinta-feira (07/05). Durante a entrevista, Regina Duarte se incomodou com perguntas feitas pelos jornalistas da emissora e minimizou mortes ocorridas durante o período da ditadura militar no Brasil. Ela também se irritou quando o canal exibiu um vídeo no qual a colega de profissão Maitê Proença pedia para que ela mostrasse os feitos da gestão na pasta desde o início de março. Regina se recusou a ouvir a pergunta, ao mesmo tempo que balançava os fones de ouvido, demonstrando que não estava escutando o áudio.
“Regina é uma pessoa que nós conhecíamos dos papéis que ela protagonizou na TV brasileira em várias oportunidades. Durante décadas, o Brasil convive com sua imagem e com seus personagens. É muito triste a gente descobrir que eram personagens e que a pessoa que se revela é algo assustador. Porque fazer o que ela fez na entrevista, dizer as coisas que disse, ter a atitude que teve, em nome de servir a um governo com as estruturas que tem Bolsonaro, é assustador. É um governo que exige espetáculo de degradação da própria civilidade para a pessoa se manter no cargo”, avaliou.
“Com aquelas atitudes ela disse: Olha, estou ficando cada vez mais parecida com você. Estou ficando indiferente como você. Estou ficando alheio ao sofrimento como você. Foi muito triste e causa um estranhamento. A gente sempre a viu a frente das câmeras sendo o texto de um roteiro, mas o roteiro de ontem quem fez foi ela. Ontem ela revelou um lado que o Brasil não conhecia”, destacou Marina.