Lula e um dos filhos são alvos de nova denúncia do MPF
Ministério Público acusa a dupla de negociações irregulares que levaram à compra de 36 caças do modelo Gripen
atualizado
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O Ministério Público Federal em Brasília (MPF-DF) denunciou à Justiça quatro pessoas, entre elas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o seu filho Luiz Cláudio Lula da Silva pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Apresentada no âmbito da Operação Zelotes, a ação penal é resultado de investigações que apuraram o envolvimento dos dois e do casal Mauro Marcondes e Cristina Mautoni — também denunciados — em negociações irregulares que levaram à compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e à prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627.
Segundo o MPF, os crimes foram praticados entre 2013 e 2015, quando Lula, na condição de ex-presidente, integrou um esquema que vendia a promessa de que ele poderia interferir no governo para beneficiar as empresas MMC, grupo Caoa e SAAB, clientes da empresa Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia LTDA (M&M). Em troca, Mauro e Cristina, donos da M&M, repassaram a Luiz Cláudio pouco mais de R$ 2,5 milhões.
Ao longo de 154 páginas, os procuradores da República Hebert Mesquita, Frederico Paiva e Anselmo Lopes descrevem a atuação dos envolvidos nos dois fatos a partir da existência do que chamaram de “uma relação triangular”: um dos vértices era formado pelos clientes da M&M — que aceitaram pagar cifras milionárias por acreditar na promessa de que poderiam obter vantagens do governo federal.Outro vértice era composto pelos intermediários — Mauro, Cristina e Lula. O terceira, pelo agente público que poderia tomar as decisões que beneficiariam os primeiros: a então presidente da República Dilma Roussef. Durante as investigações, não foram encontrados indícios de que a presidente tivesse conhecimento do esquema criminoso.
A narrativa foi construída com base na análise de documentos apreendidos por ordem judicial — tanto no âmbito da Operação Zelotes quanto da Lava Jato, por meio de inquéritos policiais —, além de informações prestadas em depoimentos, como o do próprio ex-presidente Lula e de um representante da SAAB no Brasil, Bengt Janér.
Entre as declarações feitas pelo executivo da Quadricon, que, durante um período era contratada pela companhia sueca, está a de que, a partir de 2009, o processo de compra dos aviões tornou-se mais político do que técnico. Um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) instaurado na Divisão de Combate à Corrupção, do MPF-DF para apurar a compra dos caças, também serviu de base para a ação.
Na denúncia, o MPF sustenta que a promessa de interferência no governo por parte do ex-presidente Lula rendeu ao seu filho Luiz Cláudio o recebimento de vantagens indevidas e que o valor repassado só não foi maior por causa da deflagração da Operação Zelotes, em março de 2015.
Segundo a ação, a expectativa era de um recebimento total de R$ 4,3 milhões, sendo R$ 4 milhões da M&M e o restante da montadora Caoa. Entre os meses de junho de 2014 e março de 2015, a M&M fez nove pagamentos à LFT que, somados, chegaram a exatos R$ 2.552.400.
Compra dos caças
Em relação aos caças, a ação do MPF traz um relato detalhado do processo, que durou oito anos. O edital para a compra — considerada a maior aquisição militar da América Latina e que viabilizaria o chamado Projeto FX-2 — foi lançado em 2006. No entanto, apenas em 2014 o governo brasileiro firmou contrato com a empresa SAAB para o fornecimento das aeronaves.
A empresa sueca teve como concorrentes um modelo francês (Rafale) que, em 2009, chegou a ser anunciado como vencedor da licitação pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva — e um americano (Super Hornet) — que era o preferido da presidente Dilma Roussef. Em declarações dadas ao MPF, o representante da SAAB afirmou que, nesse período, a empresa acreditou que seria preterida pelos americanos. “Joguei a toalha”, disse Bengt Janér.
O que se viu, no entanto, foi uma nova investida por parte da empresa sueca, que possuía um contrato indireto com a M&M, via Quadricon, e que, em agosto de 2012, passou a trabalhar diretamente com os brasileiros. As investigações realizadas por integrantes da força-tarefa da Operação Zelotes revelaram que, ao todo, a M&M recebeu da SAAB 1,84 milhão de euros, sendo 744 mil euros apenas entre 2011 e 2015.
“Amizade a agentes públicos federais”
A explicação para esse reforço nos pagamentos está, segundo os investigadores, no fato de os lobistas Mauro e Cristina terem convencido os suecos que possuíam proximidade com o ex-presidente e que poderiam contar com a sua influência junto ao governo para assegurar uma vitória na disputa concorrencial. “Assim, argumentos técnicos e indicadores de eficiência tornaram-se meros detalhes diante das jactadas proximidade e amizade com agentes públicos federais”, pontuam os autores da ação.
O MPF enviou à Justiça documentos que não deixam dúvida quanto à estratégia adotada pela M&M para convencer os parceiros da SAAB de que poderiam contar com o prestígio do ex-presidente para interferir na decisão governamental. Entre as provas, estão cartas endereçadas a Lula em, pelo menos, duas ocasiões. Uma delas foi elaborada em setembro de 2012 e recebeu o aval dos diretores da SAAB, na Suécia, antes de ser entregue ao destinatário.
No texto, havia uma espécie de defesa dos caças produzidos pela empresa sueca. A ação penal também faz referência a uma intensa troca de e-mails entre funcionários da M&M e do Instituto Lula com o objetivo de viabilizar um encontro entre o petista e o líder do Partido Sindical Democrata e futuro primeiro-ministro da Suécia, Stefan Lofven.
Documentos apreendidos na sede do Instituto Lula, em São Paulo, revelaram ainda a intenção do político sueco, que defendia a escolha do modelo fabricado pela SAAB, de se reunir com o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff na África do Sul, por ocasião do funeral de Nelson Mandela.
Em 9 de dezembro de 2013, Lula e Dilma viajaram até o país africano com o objetivo de acompanhar a cerimônia fúnebre e, exatamente nove dias depois, em 18 de dezembro, o governo brasileiro anunciou a decisão de comprar 36 caças do modelo Grippen. Era o fim de uma longa disputa e a vitória do cliente da M&M.
Incentivos fiscais via Medida Provisória
As investigações da Operação Zelotes revelaram que, assim como em 2010 — quando foi negociada e aprovada a Medida Provisória 471 —, do fim de 2013 até meados de 2014, a Marcondes e Mautoni agiu de forma irregular para garantir a aprovação da MP 627. Um dos artigos, incluídos pelo relator, o então deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso em Curitiba, garantiu a prorrogação de incentivos fiscais às montadoras MMC e Caoa até 2020, contrariando a posição técnica do Ministério da Fazenda.
A partir da análise dos documentos apreendidos na fase preliminar da investigação, o MPF sustenta que o casal usou, naquele episódio, o mesmo procedimento adotado na negociação dos caças: vendeu a promessa de influência política de Lula para convencer os clientes a firmarem contratos milionários.
Um documento manuscrito apreendido pela Polícia Federal na sede da Marcondes & Mautoni comprova a intenção de vender a influência. A anotação traz os nomes dos presidentes da Caoa e da MMC, Antônio dos Santos Maciel Neto e Robert de Macedo Soares Rittscher, respectivamente. Há ainda referências aos então ministros Guido Mantega (Fazenda) e Aloisio Mercadante (Casa Civil) e à presidente da República como as pessoas que dariam a “canetada”, ou sejam, permitiriam ou não a prorrogação do benefício.
Negociação financeira
O contrato entre o governo brasileiro e a empresa SAAB, no valor de US$ 5,4 bilhões, foi assinado em outubro de 2014. Já a Medida Provisória 627 foi convertida na Lei 12.973, sancionada em maio do mesmo ano.
Documentos reunidos pela Força Tarefa revelaram que, nesse período, houve uma intensa movimentação entre os envolvidos. O período marca também o início dos repasses financeiros da M&M às empresas de Luiz Cláudio, em junho de 2014. Há registros, por exemplo, de que o filho do ex-presidente esteve em quatro ocasiões na sede da M&M e de que Lula, o filho e Mauro Marcondes se encontraram, também, quatro vezes no Instituto Lula.
Os encontros, avaliam os procuradores, serviram para que fosse acertada a viabilização do pagamento das vantagens indevidas. Uma das provas é a constatação de que as minutas dos contratos foram elaboradas quase dois meses após a data informada como tendo sido a de assinatura dos documentos.
Como parte dos encontros presenciais entre os envolvidos ocorreu em 2015, após, portanto, à deflagração da Operação Zelotes, os investigadores afirmam que eles também serviram para a discussão de formas de se evitar a descoberta da prática criminosa. A ideia era se antecipar aos investigadores e à própria Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada do Senado com o objetivo de apurar as irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Mauro Marcondes chegou a ser convocado para depor na CPI, mas alegou problemas de saúde para se livrar do compromisso, marcado para 6 de agosto de 2015. Informações anexadas à ação dão conta de que o possível depoimento de Mauro Marcondes à CPI era motivo de preocupação de Lula.
A ação judicial menciona ainda outros dois aspectos. O primeiro é o fato de existir uma vasta documentação que contradiz as afirmações feitas pelo ex-presidente em depoimento à Polícia Federal. Na época, Lula disse que, ao deixar o cargo, “tomou como decisão de honra não interferir na gestão do novo governo”, e que nem ele nem seus parentes realizaram atividade de lobby.
O segundo se refere às provas de que a LFT não prestou nenhum serviço à M&M. Um relatório da Polícia Federal constatou que o material entregue pela empresa como sendo o objeto do contrato não passava de cópias disponíveis na internet, montadas após a deflagração das investigações. “Foram documentos apresentados impressos, sem data de formulação, sem arquivos digitais que permitiriam aferir sua ‘idade’. Tudo pós-fabricado”, diz a PF.
Enriquecimento do filho
Para os procuradores que assinam a ação, não há dúvidas de que, pelo menos a partir de setembro de 2012, Lula tinha conhecimento da estratégia utilizada por Mauro Marcondes — de vender à SAAB, à MMC e à Caoa a ideia de que o empresário mantinha relação de proximidade com o ex-presidente. E que o petista viu, nesse fato, a oportunidade de garantir o enriquecimento do filho.
Para isso, o ex-presidente valeu-se do trabalho de funcionários do Instituto Lula, que, por meio de ligações telefônicas e e-mails, filtravam as conversas. “Assim, ele não subscrevia mensagens e os interessados num contato direto tinham que agendar encontro pessoal”, resume um dos trechos da ação.
Até a última atualização desta reportagem, nenhum dos denunciados tinha se manifestado. (Com informações do MPF)
Veja os crimes de cada denunciado
Luiz Inácio Lula da Silva
Tráfico de influência (três vezes), lavagem de dinheiro (nove vezes) e organização criminosa
Luis Cláudio Lula da Silva
Lavagem de dinheiro (nove vezes) e organização criminosa
Mauro Marcondes
Tráfico de influência (três vezes), lavagem de dinheiro (nove vezes), organização criminosa e evasão de divisas (uma vez)
Cristina Mautoni
Tráfico de influência (três vezes), lavagem de dinheiro (nove vezes), organização criminosa e evasão de divisas (três vezes)