Luis Miranda a Bolsonaro: “Sempre te defendi e essa é a recompensa?”
Deputado que denunciou irregularidade na aquisição da Covaxin afirmou que presidente travou investigações e agora o acusa de fake news
atualizado
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O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou suposto favorecimento na compra das vacinas Covaxin pelo Ministério da Saúde, reclamou nesta quinta-feira (24/6) do tratamento dispensado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “Sempre te defendi e essa é a recompensa?”, escreveu ele em uma série de mensagens publicadas no Twitter.
Miranda esteve com Bolsonaro no dia 20 de março, no Palácio da Alvorada, ocasião em que teria falado sobre indícios de irregularidades na aquisição da Covaxin, antes de a confirmação chegar ao Ministério Público Federal (MPF).
“O Senhor deu o devido tratamento ao caso, conforme informou que o DG [diretor-geral] da PF [Polícia Federal] receberia os documentos ainda no dia 20/3”, prosseguiu o deputado.
Diga a verdade PR @jairbolsonaro , e que de fato estivemos com o Senhor dia 20/03 e denunciamos uma irregularidade na aquisição da Covaxin e que o Senhor deu o devido tratamento ao caso, conforme informou que o DG da PF receberia os documentos ainda no dia 20/03.
— Luis Miranda USA (@LuisMirandaUSA) June 24, 2021
Cobramos no dia 20/03, 22/03, 23/03 e 24/03, e tenho certeza que tomou a melhor decisão para travar, tanto que até hoje não efetuou nenhum negócio. Então porque me atacar com Fake News através do @onyxlorenzoni ????
Só tentei combater uma possível corrupção. Deus sabe da verdade!— Luis Miranda USA (@LuisMirandaUSA) June 24, 2021
Segundo Miranda, cobranças pelo encaminhamento da investigação foram feitas nos dias subsequentes, mas a apuração dos supostos desvios acabou barrada. “Tenho certeza que tomou a melhor decisão para travar, tanto que até hoje não efetuou nenhum negócio. Então, por que me atacar com fake news por meio do Onyx Lorenzoni? Só tentei combater uma possível corrupção. Deus sabe da verdade”, finalizou Miranda.
Na noite de quarta-feira (23/6), o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni, fez um pronunciamento no Palácio do Planalto no qual afirmou que vai processar o parlamentar por denunciação caluniosa e o irmão do parlamentar, servidor do Ministério da Saúde, por prevaricação.
Em tom inflamado, Onyx ameaçou o deputado Luis Miranda, após dizer que “Deus está vendo” ele “mentir deslavadamente”: “Vai ter que pagar, vai ter que se ver conosco”. O ministro mostrou vários documentos e chegou a dizer que o parlamentar e o irmão poderiam ter falsificado um deles.
Onyx ainda informou que o presidente Jair Bolsonaro determinou que a Polícia Federal abra uma investigação sobre “todas essas circunstâncias expostas”.
Entenda
O deputado Luis Miranda alertou um ajudante de ordens do presidente sobre uma possível corrupção no processo de compras do imunizante indiano. A pedido do congressista, o nome do militar foi preservado.
“Avise o PR [presidente da República] que está rolando um esquema de corrupção pesado na aquisição das vacinas dentro do Ministério da Saúde. Tenho provas e as testemunhas. Sacanagem da porra… A pressão toda sobre o presidente e esses ‘FDPs’ roubando”, escreveu o parlamentar às 12h55 do dia 20 de março. Como resposta, o auxiliar de Bolsonaro respondeu com uma Bandeira Nacional.
Uma hora depois, Miranda insistiu: “Não esquece de avisar o presidente. Depois, não quero ninguém dizendo que eu implodi a República. Já tem PF e o caralho no caso. Ele precisa saber e se antecipar”. Da mesma forma, a resposta foi com o símbolo nacional.
O congressista, então, afirmou ao ajudante de ordens que estaria “a caminho”, dando a entender que faria uma visita a Bolsonaro no Planalto. Dois dias depois, no dia 22 de março, Miranda encaminhou documentos para o mesmo número do ajudante de ordens presidencial. “Meu irmão quer saber do presidente da República como agir”, insistiu.
Em outras mensagens, disparadas por WhatsApp no dia 23 de março deste ano, o deputado questionou um ajudante de ordens de Bolsonaro o motivo da falta de respostas sobre do presidente sobre a pressão sofrida pelo irmão dele, Luis Ricardo Miranda, que é concursado do Ministério da Saúde, para autorizar a aquisição do imunizante indiano.
“Bom dia irmão, o PR [presidente da República] está chateado comigo? Algo que eu fiz? Só precisamos saber o que fazer em uma situação como essa”.
Como resposta, o militar que assessora o presidente da República respondeu: “Bom dia. Negativo, deputado. São muitas demandas. Vou lembrá-lo”.
“Obrigado irmão. Você sabe que a vontade é de ajudar. Estamos juntos”, agradeceu o deputado, mas acabou ficando sem respostas.
A repercussão das denúncias levou o vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a requisitar segurança para o deputado federal, ao irmão dele e também para familiares.
Um documento do Ministério das Relações Exteriores mostra que o governo federal negociou, no início de fevereiro deste ano, a compra da vacina indiana Covaxin por um valor 1.000% mais alto do que o preço anunciado pela fabricante seis meses antes. As tratativas ocorreram, portanto, mais de um mês antes do encontro dos irmãos Miranda com Bolsonaro e da denúncia feita ao MPF.
Em agosto do ano passado, o imunizante contra a Covid-19 foi orçado em 100 rúpias, valor que equivale a US$ 1,34 a dose, segundo a Bharat Biotech, laboratório que fabrica o fármaco. A informação consta em um telegrama sigiloso da embaixada brasileira na Índia.
O valor acordado com o Ministério da Saúde, no entanto, é mais alto — de US$ 15 por unidade, o que equivale a R$ 80,70, na cotação da época. A informação foi revelada pelo jornal Estado de S.Paulo.
Também chama atenção o fato de que, diferentemente das outras vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde, o contrato foi articulado com a Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech no Brasil, e não com o próprio laboratório.
Outro telegrama do Itamaraty mostra que o embaixador brasileiro na Índia relatou críticas ao governo indiano por causa do valor pago pela vacina. Eles compraram o imunizante por US$ 4,10, quantia mais barata que a oferecida ao Brasil.