Lira faz 100 dias à frente da Câmara como espécie de antítese de Maia
Atual presidente da Casa quer fazer as reformas andarem, é próximo de Bolsonaro e sempre que possível alfineta antecessor
atualizado
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O deputado federal Arthur Lira (PP-AL) completa 100 dias na presidência da Câmara dos Deputados neste quarta-feira (12/5) se consolidando como uma espécie de anti-Rodrigo Maia (DEM-RJ), antecessor imediato no comando da Casa.
O líder do Centrão sempre que possível cita a gestão do ex-aliado, sem citar o nome, para justificar o fato de não pautar algum dos 116 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ou para reforçar que vai fazer andar as reformas tributária e administrativa, que estão na Casa desde 2019 e 2020, respectivamente.
Os dois romperam em meados de 2020, quando Lira deu os primeiros passos da aproximação com o Palácio do Planalto visando a eleição da Câmara. Maia, embora sempre tenha se recusado a admitir formalmente, desejava continuar no posto, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) liberasse uma nova reeleição. Frustrado pela decisão contrária do Supremo, escolheu Baleia Rossi (MDB-SP) como seu candidato à sucessão na Câmara – Lira sonhava com o apoio do político fluminense.
O episódio do impasse em relação à sanção do Orçamento de 2021 foi um exemplo da linha que os divide – e da troca de farpas entre os dois. Maia vinha criticando o Orçamento aprovado, com mecanismos para driblar o teto de gastos e, alegadamente, com previsões irreais, e sugeriu que fosse refeito. Lira reclamou que a proposta orçamentária não foi aprovada antes porque o seu antecessor criou dificuldades, e o chamou de oportunista.
Agenda econômica
Maia é adepto do ajuste fiscal, com uma visão econômica relativamente semelhante à do ministro da Economia, Paulo Guedes. O parlamentar foi o maior responsável pela aprovação da reforma previdenciária. Lira, assim como a maior parte do Centrão, tem uma visão menos liberal da economia, embora ele tenha incorporado isso e feito sinalizações que o mercado consideram positivas, como o anúncio de que acelerará a tramitação das reformas administrativa e tributária.
“Se comparado com o fim de gestão Maia, Arthur Lira logo que tomou posse teve semana de muitos avanços na pauta na econômica. Houve uma retomada na agenda de reformas para o Brasil, sinalizou bem para o mercado o que se vinha esperando. Ao longo dos meses, começa-se a ver certa acomodação e redirecionamento para atender aqueles que o elegeram, ou seja: as demandas do Centrão”, pondera o economista Ecio Costa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“Só de ter compromisso já é importante. No fim da gestão de Maia, não se viu tanto [compromisso], porque sempre havia um conflito com o presidente [Jair Bolsonaro] ou com o ministro da Economia, que acabava travando as pautas importantes – como as reformas administrativa e tributária – para melhorar ambiente institucional no país”, avalia Costa. “Vamos ver se efetivamente são encaminhadas.”
A reforma administrativa segue na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, enquanto a tributária está indefinida. Ainda durante a campanha à Mesa Diretora, na qual se elegeu presidente da Câmara, Lira já sinalizava o desejo de mudar a relatoria da reforma tributária, que estava sob responsabilidade do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ligado a Maia.
No mesmo dia em que Ribeiro apresentou o relatório, Lira dissolveu a comissão da reforma tributária e avalia uma reforma fatiada e com diversos relatores.
Relação com Executivo
Outra mudança em referência à gestão anterior é a relação com o Executivo, sobretudo, com o presidente Jair Bolsonaro.
Maia foi eleito pela primeira vez, em 2016, para um mandato tampão, com ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB) e manteve boa relação com o então chefe do Executivo federal, o que o ajudou na reeleição em 2017. Mas, apesar do apoio dos bolsonaristas em 2019, a relação com Bolsonaro sempre foi repleta de atritos, até romperem.
Lira, por sua vez, foi eleito com ajuda de Bolsonaro e até agora mantém boa relação com ele. Um dos primeiros gestos, após eleito, foi se encontrar com o presidente e entregar uma carta de intenções. Em troca, recebeu uma lista de prioridades, a qual vem tentando aos poucos fazer andar.
Apesar da relação próxima com o Planalto, Lira tem cumprindo as expectativas de se manter “independente”, avalia o deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG). “Quando alguns pensavam que ele ia fazer a pauta do Planalto, [Lira] se uniu ao [presidente do Senado, Rodrigo] Pacheco e está fazendo [a pauta] do Parlamento”, disse.
Legislativo
Pandemia da Covid-19 à parte, Lira restabeleceu as sessões plenárias híbridas – com cerca de 140 deputados participando presencialmente e os demais, de forma remota. As comissões permanentes foram instaladas. Em 2020, sob Maia, comissões não funcionaram e o plenário funcionou remotamente.
O deputado do Solidariedade acrescenta outro ponto que julga positivo. “Colocar em votação [pautas], independentemente do consenso. O presidente Maia só colocava em consenso”, destacou.
Impeachment
À semelhança de Maia, Lira tem ignorado os pedidos de afastamento de Bolsonaro quase sempre usando o argumento de que o antecessor também não abriu qualquer processo. O presidente da Câmara disse que 100% dos pedidos que analisou são inúteis.
O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) avalia a presidência de Lira como “inócua”, e não acredita que o comandante da Casa tenha analisado tantos pedidos.
“Agenda de reforma completamente paralisada, de blindagem bastante adiantada. O que tem de atraso na agenda econômica, tem de vanguarda, de avanço na agenda de blindagem ao governo federal e de tentativa de autoproteção do Congresso Nacional”, afirmou, acrescentando que “a primeira PEC pautada em plenário foi a da impunidade”.
Aliás, após pressão da sociedade e de parlamentares em relação ao rito relâmpago da PEC 3/21, conhecida como PEC da Impunidade, Lira desistiu de votar em plenário e anunciou a criação da comissão especial, o que foi considerada a primeira derrota dele. A proposta até então segue parada.
Manutenção de poder
“Maia é uma liderança nacional. Tem ambição de ser um grande player, que faz movimentos em relação às mudanças de rumos nacional. Lira tem perfil diferente, um perfil próprio do Centrão, com uma preocupação mais voltada a coisas de curto prazo”, analisa o cientista político Guilherme Reis, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
Segundo Reis, Arthur Lira tenta se distanciar de Maia por manutenção de poder.
“O contraste que Lira busca fazer em relação a Maia é menos diferente em relação a prioridades, mas mais em disputa interna da Câmara, que hoje é do chamado Centrão. Mas há a ameaça permanente do setor da direita que vinha administrando a Câmara voltar [ao comando]. Nesse sentido, essa distanciação é para proteger terreno”, ponderou.