Ídolo do vôlei, Isabel ataca cultura sob Bolsonaro: “Horror”
Ex-jogadora ataca condução da área e pede inspiração no esporte para que se valorize “o quanto é importante ser democrático”
atualizado
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A ex-jogadora de vôlei Isabel Salgado, uma das estrelas tanto do vôlei de quadra do Brasil (principalmente nos anos 1980, quando era uma das principais jogadoras da seleção que foi às Olimpíadas de 1980, em Moscou, e 1984, em Los Angeles) quanto do vôlei de praia, divulgou nesta terça-feira (14/01/2020) uma carta aberta em que critica duramente a área cultural no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.
No texto, a jogadora – que ficou conhecida pela combinação do talento com a liderança em quadra, e depois de se aposentar pela firmeza nas posições, normalmente anticonservadoras – atribui sua formação no esporte e na vida aos filmes que assistiu, aos livros que leu, às músicas que ouviu. Aos 59 anos, usa a mesma verve com a qual assustava técnicos e cartolas para explicar o “horror” que lhe despertou a condução da política cultural no novo governo.
“Pois é, depois de um ano de governo Bolsonaro, preciso expressar meu horror com o que tem acontecido com a cultura. É muito duro ouvir os insultos que foram proferidos contra Fernanda Montenegro; ver Chico Buarque ganhar o prêmio Camões, maior prêmio da língua portuguesa, sem que o presidente cumprimente ou comemore o feito; testemunhar a morte de João Gilberto, um dos maiores compositores brasileiros sem que nenhuma homenagem tenha sido feita pelo governo. É estarrecedor saber que nosso cinema é premiado lá fora e atacado aqui dentro; ver o ataque brutal à casa de Rui Barbosa, com as exonerações dos pesquisadores que eram a alma e o coração daquela instituição. E como se não bastassem esses exemplos de barbaridade, assistimos ainda o constante flerte do governo com a censura”, escreveu a ex-jogadora.
Leia a íntegra da carta aberta:
“Meu nome é Isabel, joguei vôlei na seleção brasileira, representei o Brasil por muitos anos. Resolvi escrever essa carta aberta, não para falar de esporte, mas para falar da cultura, porque acredito que só pude ser a jogadora que fui e a pessoa que sou graças aos filmes que vi, aos livros que li, às músicas que ouvi, às histórias que minha avó me contava. Minha mãe era professora e escritora, amava os livros, adorava música, e foi ela quem me apresentou a Chico Buarque, Caetano, Cartola, Luiz Melodia, entre tantos grandes compositores brasileiros. Lembro, quando chegava do treino muito cansada, que me deitava no sofá e ela me falava dos poetas que amava: Bandeira, João Cabral, Cecília Meirelles, Drummond…. Hoje tenho certeza que aquela atmosfera foi muito importante na minha formação.
Quantas vezes, ouvindo e dançando as músicas de Gilberto Gil com Jacqueline, a grande campeã Olímpica, comemoramos vitórias e tentamos esquecer a dor de algumas derrotas. Lembro também do impacto que senti, aos 18 anos, quando assisti ao filme “Tudo Bem”, de Arnaldo Jabor, com a incrível Fernanda Montenegro e um elenco de craques. Aos 17, assisti “Trate-me Leão”, peça que inspirou toda uma geração. Quantas vezes os livros me transportaram para outros universos e me permitiram aliviar as tensões das quadras.
Pois é, depois de um ano de governo Bolsonaro, preciso expressar meu horror com o que tem acontecido com a cultura. É muito duro ouvir os insultos que foram proferidos contra Fernanda Montenegro; ver Chico Buarque ganhar o prêmio Camões, maior prêmio da língua portuguesa, sem que o presidente cumprimente ou comemore o feito; testemunhar a morte de João Gilberto, um dos maiores compositores brasileiros sem que nenhuma homenagem tenha sido feita pelo governo. É estarrecedor saber que nosso cinema é premiado lá fora e atacado aqui dentro; ver o ataque brutal à casa de Rui Barbosa, com as exonerações dos pesquisadores que eram a alma e o coração daquela instituição. E como se não bastassem esses exemplos de barbaridade, assistimos ainda o constante flerte do governo com a censura.
Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa. Ela só existe ser for plural, em todas as formas de expressão. Por meio dela, formamos a nossa identidade. Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos. Não aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Vocês estão ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro.
Aprendi no esporte que é fundamental respeitar as diferenças e saber que elas são enriquecedoras em todos os aspectos. Aprendi que é fundamental respeitar os adversários, e não tratá-los como inimigos. Compreendi, vivendo no esporte, o quanto é importante ser democrático. Inspire-se no esporte, senhor presidente! O senhor foi eleito democraticamente. Governe democraticamente, e não apenas para quem pensa como o senhor. Hoje eu pensei muito nos rumos da cultura, porque lembrei da minha querida avó, que me levava, quando menina, para passear nos jardins da Casa de Rui Barbosa.”