metropoles.com

HFA tem 16,4 mil pílulas de cloroquina e hidroxicloroquina encalhadas

Ao menos desde abril, nenhum comprimido de cloroquina foi usado pela unidade de saúde para o tratamento de pacientes

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Jacqueline Lisboa
Brasília (DF), 02/11/2020. Fachada do Hospital das Forças Armadas – HFA no Cruzeiro. Foto: Jacqueline Lisboa/Especial Metrópoles
1 de 1 Brasília (DF), 02/11/2020. Fachada do Hospital das Forças Armadas – HFA no Cruzeiro. Foto: Jacqueline Lisboa/Especial Metrópoles - Foto: Jacqueline Lisboa

O Hospital das Forças Armadas (HFA) mantém em seu estoque, há meses, milhares de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina – medicamentos que têm sido defendidos insistentemente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mesmo sem comprovação científica, como armas contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2). Os medicamentos deverão perder a validade no primeiro semestre do próximo ano.

Dados enviados ao Metrópoles via Lei de Acesso à Informação (LAI) em 13 de abril de 2021 mostram que havia, na ocasião, 10,5 mil unidades de cloroquina e 10,8 mil de hidroxicloroquina no HFA.

Seis meses depois, o estoque de cloroquina é exatamente o mesmo: há 10,5 mil comprimidos do medicamento no hospital. Por sua vez, o estoque de hidroxicloroquina caiu em 45%, para 5,9 mil. Esses dados são de 15 de outubro e também foram encaminhados à reportagem por meio da LAI.

Esses remédios estocados no HFA foram enviados pelo Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx), que gastou, segundo o Ministério da Defesa, cerca de R$ 1,141 milhão com a produção de cloroquina no ano passado. No total, o hospital recebeu mais de 50 mil comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina em 2020. Nos três anos anteriores (2017 a 2019), a unidade de saúde não recebeu ou comprou nem mesmo uma pílula dos mesmos medicamentos.

O prazo de validade do remédio é de dois anos. Segundo documentos enviados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, a cloroquina produzida pelo laboratório do Exército vence em março de 2022 – tempo para lá de insuficiente para zerar o estoque, caso o HFA mantenha o mesmo ritmo de uso dos últimos seis meses. Ao se considerar os dois medicamentos, o hospital usou 26,5 comprimidos por dia. Até 1º de abril de 2022, caso a média de consumo seja a mesma, seriam consumidas mais 4.450 pílulas, restando, logo, quase 12 mil unidades.

O Metrópoles acessou os registros da CPI da Covid com o auxílio do Pinpoint, plataforma desenvolvida pelo Google que permite buscas por palavras-chaves em documentos públicos. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) colabora com o site.

Responsável pelo HFA, o Ministério da Defesa tem sido procurado desde a quarta-feira da semana passada (20/10) para se manifestar sobre o achado, confirmar o prazo de validade dos medicamentos e indicar o que será feito com o material estocado. Não houve qualquer resposta até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto.

O uso de cloroquina no HFA provocou a abertura de uma investigação pelo Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRMDF). “A prescrição de qualquer medicamento só deve ser feita em consequência de um exame clínico. O CRMDF já está apurando as denúncias. O procedimento apuratório corre em sigilo processual nos termos do Art 1° do CPEP [Conselho de Processo Ético-Profissional]”, afirmou a instituição em nota.

5 imagens
Hospital das Forças Armadas
Hospital das Forças Armadas
Hospital das Forças Armadas
Hospital das Forças Armadas
1 de 5

HFA mantém em seu estoque, há meses, milhares de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina

Jacqueline Lisboa
2 de 5

Hospital das Forças Armadas

Rafaela Felicciano/Metrópoles
3 de 5

Hospital das Forças Armadas

Rafaela Felicciano/Metrópoles
4 de 5

Hospital das Forças Armadas

Igo Estrela/Metrópoles
5 de 5

Hospital das Forças Armadas

Ministério da Defesa/Divulgação

Em fevereiro deste ano, o Ministério da Defesa confirmou em nota enviada ao Metrópoles que os hospitais militares adotaram o tratamento precoce, mas que a prescrição é exclusiva dos médicos. “Os hospitais militares vêm adotando protocolo de tratamento precoce. A escolha da prescrição de medicamento é inerente à atividade do médico assistente e ocorre mediante o consentimento livre e esclarecido, sendo o paciente monitorado continuamente durante o tratamento”, afirmou a pasta.

Na ocasião, o órgão não especificou como funcionava o protocolo.

Zero pacientes com malária e 207 com lúpus

Após o Metrópoles recorrer da resposta enviada via LAI, que estava incompleta, o HFA informou que a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19 “se deu seguindo protocolos vigentes à época e em consonância com o Parecer n° 4/2020, do Conselho Federal de Medicina”.

Ao longo da pandemia do novo coronavírus, foram atendidos no setor de triagem respiratória do hospital 53,9 mil pacientes, sendo que 5,9 mil confirmados com a Covid. “Em relação a quais pacientes usaram os medicamentos, a informação está protegida, por sigilo médico, conforme o Código de Ética Médica”, acrescentou o HFA.

A unidade de saúde também enviou informações sobre pacientes com lúpus e malária tratados no hospital. Cloroquina e hidroxicloroquina são comumente usados para o tratamento dessas doenças – nesses casos, com eficácia comprovada pela ciência. Desde o início de 2020, o HFA cuidou de 207 pacientes com lúpus e nenhum com malária. A dosagem costuma variar, segundo médicos da área, de um a dois comprimidos por dia. No caso do lúpus, o tratamento é contínuo e pode durar anos.

Produção

No total, o Exército Brasileiro produziu 3,229 milhões de comprimidos de cloroquina em 2020. Trata-se de um aumento de 1.145% em relação à última quantidade produzida, que abasteceu dois anos. Em 2017, o LQFEx fabricou 259,4 mil pílulas.

Em junho deste ano, o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, afirmou, em documento enviado à CPI da Covid-19, que a elevada produção do remédio aconteceu devido a uma suposta “corrida mundial” em busca do medicamento. “Em 18 de março de 2020, começaram a surgir as primeiras publicações científicas internacionais que apontavam na direção do tratamento com antimaláricos, como a da Cell Discovery, provocando uma verdadeira corrida mundial em busca do difosfato de cloroquina, insumo farmacêutico ativo (IFA) para a produção de cloroquina”, escreveu.

O ministro da Defesa alegou também que a aquisição do insumo ocorreu “dentro de um cenário de iminente crise de desabastecimento”. Segundo ele, o aumento de produção ocorreu apenas após nota técnica do Ministério da Saúde.

A hidroxicloroquina é um derivado da cloroquina. Os dois medicamentos foram descartados como método eficaz de tratamento ou cura para a Covid-19 em diferentes pesquisas. Até o momento, nenhuma autoridade sanitária reconheceu alguma droga efetiva para curar a doença. Além da cloroquina, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselha o uso de ivermectina, remdesivir e lopinavir/ritonavir.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?