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Haddad defende transações diretas entre países emergentes, driblando dólar

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está na China acompanhando a comitiva do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva

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1 de 1 fernando-haddad - Foto: Reprodução/BandNews

Xangai — O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu, nesta quinta-feira (13/4), na China transações diretas em moedas locais entre países emergentes como alternativa ao dólar e ao euro, que dominam o mercado global. O tema está na pauta da agenda da visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz ao país asiático.

A China trabalha fortemente para “desdolarizar” as transações comerciais internacionais, como parte do plano de disputar com os Estados Unidos a hegemonia global neste século 21. Um dos acordos fechados pelo Brasil com o governo chinês prevê transações comerciais diretas em reais e yuan.

Indagado sobre eventuais reações dos Estados Unidos, parceiro histórico do Brasil, à aproximação com o governo de Pequim, o ministro Haddad respondeu que o país “sempre dialogou com todos os quadrantes do planeta sem privilegiar fortemente ninguém”.

Haddad adiantou que o Brasil não deve assinar, durante a missão à China, a adesão à Nova Rota da Seda, megaplano do governo de Xi Jinping para ampliar a presença chinesa ao redor do mundo, especialmente com investimentos em projetos de infraestutura.

Mas ressalvou que não viu todos os acordos que serão assinados pelo presidente Lula nesta sexta, na reunião com Xi Jinping.

O ministro falou a um pequeno grupo de jornalistas no hotel onde Lula e a delegação brasileira estão hospedados, em Xangai. O Metrópoles participou da entrevista. Um dos temas foi a polêmica envolvendo a taxação de e-commerce no Brasil.

O ministro negou que o governo esteja querendo aumentar o tributo sobre as transações, mas, em plena China, ressalvou que é preciso cobrar das gigantes estrangeiras que atuam no país — várias delas são chinesas — para pôr fim à concorrência desleal dessas empresas com o mercado nacional.

Juros altos

Haddad respondeu ainda sobre as negociações para atrair para o Brasil plantas industriais de empresas chinesas e defendeu que construtoras do gigante asiático possuem a atuar no país no lugar das empreiteiras que caíram em desgraça com a Operação Lava Jato.

O ministro disse ainda contar que o Banco Central vá reduzir os juros — ele considera que as condições para isso estão dadas —, atribuiu a estagnação do Brasil à taxa de juros alta e defendeu a reforma tributária, com a adoção do IVA, o Imposto de Valor Agregado, como forma de ajudar a economia a deslanchar.

“Sem sombra de dúvida, a taxa de juro inviabiliza muitos investimentos. Ela dificulta muito a vida do empresário que precisa ter acesso ao mercado de capitais, do próprio consumidor que se vê numa situação dificil. Mas as medidas estão sendo tomadas, associadas à reforma tributária, que deve sair este ano. Estou 100% convencido de que a reforma tributária é essencial pra que nós tenhamos um choque de produtividade”, destacou.

A seguir, os principais trechos da entrevista de Haddad:

Negociações para atrair investimentos chineses

“Eu vejo como uma oportunidade que se abre às discussões sobre a descentralização da produção industrial chinesa. As empresas da China falam cada vez com mais liberdade da possibilidade de realizar investimentos em outros países, não centralizar a produção aqui (na China) por várias razões. Do ponto de vista logístico, a mão de obra da China não é mais tão barata quanto era há 20 anos. Então, há uma tendência de descentralizar investimentos produtivos. Nós temos uma vantagem que pouquíssimos países no mundo têm, que é uma matriz muito limpa e que tende a ficar cada vez mais limpa ao longo dos anos, com energia eólica, solar, biodiesel, biocombustivel. Enfim, tudo o que está se investindo em fontes alternativas que já estão se consolidando como alternativas consistentes, até pela queda do preço da maquinaria necessária para gerar essa energia.”

Destino natural para projetos estrangeiros

“Acho que o Brasil é um candidato natural a receber investimentos industriais. Tenho ouvido de muitos empresários chineses que essa descentralização está nos seus planos futuros. E nós temos de nos habilitar para isso, inclusive com eventuais parcerias, com transferência de tecnologia. O tamanho do nosso mercado permite isso. Nós somos um grande mercado, estamos sempre figurando entre as 10 maiores economias do mundo, temos uma matriz energética limpa e possibilidade de descentralização dos investimentos industriais pelo mundo. Os Estados Unidos estão fazendo a mesma coisa, com o conceito de nearshore, friend-shore. O México está se beneficiando disso numa certa medida. Não tem por que a América do Sul não se beneficiar também.”

Cardápio de investimentos em infraestrutura

“A Casa Civil está encarregada de apresentar um conjunto de investimentos em infraestrutura, resgatando o conceito original de acelerar o crescimento com base em infraestrutura, e esse plano deve estar pronto. No caso da Fazenda, o que nós vamos fazer é atuar no mercado de crédito, no mercado de aval. Nós deveremos anunciar aval do Tesouro para as parcerias público-privadas estaduais e municipais. Penso que no campo do saneamento é possível ter um boom de investimentos muito importante se o Tesouro entrar. O Tesouro não tem empresa de saneamento, a União não tem empresa de saneamento. Mas, se o tesouro entrar dando aval para as PPPs, eu acho que nós podemos ter novidades.”

Empresas chinesas no lugar das empreiteiras que caíram na Lava Jato

“Uma das empresas com as quais nós sentamos é uma grande empresa de infraestrutura. Uma das maiores do mundo. Teve um efeito colateral, que foi a liquidação de grandes empresas de engenharia pesada no Brasil (refere-se aos efeitos da Operação Lava Jato sobre o ramo). Essas empresas (estrangeiras) estão de olho no mercado brasileiro. Se oferecermos garantias, estabilidade, visão de longo prazo, vamos ter muita gente querendo colaborar com o Brasil, sobretudo na area de concessões e PPPs.”

Nova Rota da Seda

“Acho que não está prevista a adesão. Não está no rol dos documentos que vão ser assinados. Não li todos (os acordos), só os da Fazenda. Não vi todos os documentos do Itamaraty.”

Moeda dos Brics e alternativa ao dólar

“O que é mais factível no curto prazo são as transações em moeda local, que já aconteciam, inclusive, né? (…) Os Brics já respondem por um PIB superior ao do G7, só para você ter uma ideia da importância. E, com a dinamização dos bancos multilaterais dos (países dos) Brics, isso pode ser facilitado. Uma das tarefas que o presidente Lula pretende deixar aqui é justamente que os bancos multilaterais dos quais o Brasil faz parte junto com a China, com a Índia, Rússia e África do Sul, possam servir de catalisadores desses processos de alternativa às moedas tradicionais, euro, dólar, que são as moedas que respondem pela maior parte do comércio internacional. Essa é uma ideia acalentada há muito tempo. Muitos economistas desde o fim da Segunda Guerra Mundial pensam em coisas dessa natureza. Até numa moeda internacional se chegou a pensar no fim da Segunda Guerra. Mas a possibilidade de transação em moedas locais é uma possibilidade concreta que já aconteceu, com créditos reciprocos, e poderia avançar.”

Reação americana
“Não acredito nisso, porque, na verdade, quando você abre uma porta, você não esta fechando outra. As transações em dólar vão continuar acontecendo, e a maioria delas vai acontecer em dólar. Mas, em casos específicos, nos quais os parceiros são muito fortes e tradicionais (podem ser feitas em moeda local). Nosso comércio com a China hoje é estrondoso, né? E só cresce, ano a ano. Você pode pensar em mecanismos muito mais condizentes com essa situação. (…) O Brasil não é um pais alinhado (a um lado ou a outro) no sentido tradicional do termo. É um país que sempre dialogou com todos os quadrantes do planeta sem privilegiar fortemente ninguém. Já se aproximou mais da Alemanha num determinado momento, já se aproximou mais dos Estados Unidos, mas nunca fechou a porta para ninguém pelo seu tamanho, por sua importância, pelo papel que desempenha na América do Sul. O Brasil nem tem condições de fazer isso (se aliar a um dos lados da rivalidade entre EUA e China). Não é só por não querer, mas também por não poder. Mas, num momento em que, pelas crises sobrepostas que o mundo está vivendo do ponto de vista ambiental, do ponto de vista de guerra comercial, do ponto de vista da até agora guerra quente que está acontecendo na Ucrânia e que teve um impacto muito forte no sistema internaconal de pagamentos, você buscar refletir sobre esse tema vem a calhar.”

Saída antecipada de Campos Neto

“Não conto com a saída antecipada de Campos Neto (presidente do Banco Central). Eu conto com a baixa do juro. Tudo está convergindo para o que eu chamo de harmonizar o fiscal com o monetário. Veja aí os efeitos da queda da inflação, o câmbio com o real mais valorizado, as variáveis se estabilizando, a curva de juro futuro caindo. Enfim, há sinais evidentes, e economistas de várias escolas que estão se manifestando, até pela imprensa, que dizem: “Olha, chegou o momento de iniciarmos uma trajetória de queda”. É consistente com o que o Brasil atingiu e necessário, por outro lado, porque o mercado de capitais está travado, aguardando as medidas da autoridade monetária. Eu não penso que ninguém fale isso (refere-se às cobranças ao Banco Central) para ofender quem quer que seja. Fala isso para o bem do Brasil. É o direito de qualquer cidadão se manifestar quando se está imbuído dos melhores propósitos de ajudar o Brasil a sair dessa armadilha de 10 anos em que não se cresce. Não crescemos.”

Por que o Brasil não cresce

“Tem vários fatores para isso, mas, sem sombra de dúvida, a taxa de juro inviabiliza muitos investimentos. Ela dificulta muito a vida do empresário que precisa ter acesso ao mercado de capitais, do próprio consumidor, que se vê numa situação dificil. Mas as medidas estão sendo tomadas, associadas à reforma tributária, que deve sair este ano. Estou 100% convencido de que a reforma tributária é essencial para que nós tenhamos um choque de produtividade.”

Vantagem de quem não paga imposto

“Penso que um dos grandes impeditivos do crescimento de produtividade da economia brasileira é a questão tributária. Porque, verdade seja dita, quem segue o manual hoje e paga direitinho todos os seus tributos, por mais eficiente que seja ele, não consegue concorrer com quem não paga o que deve, que recorre a processos administrativos intermináveis, ao Judiciário. E por que isso acontece? De ponta a ponta, são, às vezes, 18 anos para resolver um litígio que, em outros países, às vezes, se resolve em meses. Por que isso acontece no Brasil? (Por) essa confusão, esse emaranhado de normas.”

Importância do imposto único

“A grande vantagem do IVA (Imposto sobre Valor Agregado, proposto pelo governo) é que ele acaba com isso tudo e dá transparência para a questão fiscal, dá segurança jurídica para a constituição da base fiscal do Estado, e isso é essencial para garantir aos bons empresários eficientes para que consigam não apenas sobreviver, mas crescer. E é isso que, na minha opinião, a economia brasileira não está permitindo, que os bons empresários consigam crescer.”

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