Grupo que inquiriu Lula foi mudado após queixa de Moro, diz colunista
Diálogo, supostamente entre procuradores da Lava Jato, que indicaria efeito direto da ingerência do então juiz, é revelado
atualizado
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O apresentador e colunista da rádio BandNews FM Reinaldo Azevedo revelou nesta quinta-feira (20/06/2019) um novo trecho ligado a um diálogo posto em evidência na primeira reportagem da série do site The Intercept Brasil, no último 9 de junho, envolvendo o ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e procuradores da Lava Jato.
O novo material rebate uma das respostas de Moro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, na última quarta-feira (19/06/2019), ao senador Nelsinho Trad (PSD-MS). A Trad, o hoje ministro nega categoricamente que tenha participado da “orientação de uma troca de agentes protagonistas da operação”, inclusive na equipe que interrogaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nas conversas reproduzidas na primeira reportagem do Intercept com o material que o site teria recebido de uma fonte anônima, o juiz teria sugerido que uma das procuradoras, Laura Tessler, recebesse “conselhos” para aprimorar a prática dela em inquirições, porque ela não ia “muito bem”. Na CCJ, afirmou: “Em nenhum momento no texto [já divulgado pelo The Intercept BR] há alguma solicitação de substituição daquela pessoa [Laura Tessler] . Tanto que essa pessoa continua e continuou realizando audiências, realizando atos processuais até hoje dentro da Operação Lava Jato”.
Segundo informações divulgadas no programa É da Coisa, a reclamação do juiz teve consequências concretas. Nesta quinta-feira (20/06/2013), os diálogos vazados foram entre o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, e outro procurador da equipe, Carlos Fernando da Silva. Segundo Azevedo, Dallagnol teria reenviado ao colega a mensagem de Moro sobre Laura 17 minutos depois de tê-la recebido. E pedido explicitamente que, após a leitura, apagasse o conteúdo.
“Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão dois [procuradores] e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição sem mencionar ela”, escreveu Dallagnol segundo o alegado diálogo vazado. Em resposta, Carlos Fernando da Silva escreveu: “Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. Na audiência do Lula não podemos deixar acontecer”.
Veja o trecho:
12:42:34 Deltan Recebeu a msg do moro sobre a audiência tb?
13:09:44 Não. O que ele disse?
13:11:42 Deltan Não comenta com ninguém e me assegura que teu telegram não tá aberto aí no computador e que outras pessoas não estão vendo por aí, que falo
13:12:28 Deltan (Vc vai entender por que estou pedindo isso)
13:13:31 Ele está só para mim.
13:14:06 Depois, apagamos o conteúdo.
13:16:35 Deltan Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
13:17:03 Vou apagar, ok?
13:17:07 Deltan Apaga sim
13:17:26 Apagado.
13:17:26 Deltan Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela
13:18:11 Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. No do Lula não podemos deixar acontecer.
13:18:32 Apaguei.
Em 10 de maio de 2017, Lula foi interrogado em Curitiba pelos procuradores Carlos Fernando Lima, Júlio Motta Noronha e Roberson Pozzobon. Laura Tessler não estava entre os integrantes da acusação a fazer a inquirição ao ex-presidente.
Nota oficial do MJSP
Sobre suposta mensagem atribuída ao Ministro da Justiça e Segurança Pública esclarece-se que não se reconhece a autenticidade, pois pode ter sido editada ou adulterada pelo grupo criminoso, que mesmo se autêntica nada tem de ilícita ou antiética. A suposta mensagem já havia sido divulgada semana passada, nada havendo de novo.
Na suposta mensagem não haveria nenhuma contradição com a fala do ministro ao Senado Federal, como especulado. Cabe esclarecer que o texto atribuído ao Ministro fala por si, não havendo qualquer solicitação de substituição da procuradora, que continuou participando de audiências nos processos e atuando na Operação Lava Jato.
Moro no Senado
O ministro da Justiça, Sergio Moro, foi à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal nessa quarta-feira (19/06/2019) para dar explicações sobre o vazamento das mensagens. Na sessão, que durou cerca de nove horas, Moro negou reconhecer a autenticidade das conversas com procuradores da Lava Jato. O ex-juiz alegou, contudo, que, mesmo se alguns diálogos tiverem ocorrido da forma como foram publicados, ele não teria cometido nenhuma irregularidade.
Apesar da vontade da oposição de desestabilizar o ministro, ele não se deixou abalar pelos questionamentos e o clima na CCJ ficou morno na maior parte do tempo. “Eu não tenho apego pelo cargo em si. Apresente tudo. Vamos submeter isso, então, ao escrutínio público. E, se houver ali irregularidade da minha parte, eu saio. Mas não houve. Por quê? Porque eu sempre agi com base na lei e de maneira imparcial”, disse aos senadores.
O titular da Justiça ressaltou algumas vezes que o vazamento das conversas nada tem a ver com o governo e, inclusive, tem recebido apoio do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). “Estou no governo e acaba havendo esta transferência”, completou. “Estou absolutamente tranquilo em relação à conduta que realizei como juiz. Houve aplicação imparcial da lei em casos graves de corrupção e lavagem de dinheiro”, disse na ocasião.
Outros vazamentos
A última postagem do site mostrou mais um trecho das possíveis conversas entre Moro e Deltan Dallagnol. No diálogo, o então juiz repreende o procurador da operação por ter dado andamento a uma investigação contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ao passo que o procurador fala em “passar recado de imparcialidade”, o ministro responde: “Ah, não sei. Acho questionável, pois melindra alguém cujo apoio é importante”.
Segundo o site, Moro teria consultado Deltan sobre se ‘tem alguma coisa mesmo séria do FHC?’ “O que vi na TV pareceu muito fraco? Caixa 2 de 96?”. E o procurador teria explicado que o caso já havia sido enviado a São Paulo sem analisar a prescrição. “Não estaria mais do que prescrito?”, pergunta Moro, logo respondido pelo procurador: “Foi enviado pra SP sem se analisar prescrição. Suponho que de propósito, para passar recado de imparcialidade.”
Datadas em 13 de abril de 2017, as conversas teriam ocorrido em meio às críticas sofridas pela Operação. Integrantes da esquerda acusavam a Lava Jato de perseguir petistas e evitar investigar os tucanos. O ex-presidente havia sido citado em delações de executivos da Odebrecht. Emílio Odebrecht, ex-presidente da empresa, relatou o pagamento de vantagens indevidas às campanhas de FHC em 1993 e 1997.
As conversas vazadas Desde o dia 9, quando o site The Intercept começou a vazar supostas conversas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, o ministro e o procurador Deltan Dallagnol afirmaram não ver irregularidades nos conteúdos divulgados, embora a Constituição vede o vínculo entre o juiz e as partes de uma ação.
As primeiras mensagens divulgadas pelo site The Intercept, na noite do dia 9 de junho, mostraram a suposta interferência do então juiz da Operação Lava Jato, Sergio Moro, nas investigações da força-tarefa. O atual ministro da Justiça e Dallagnol teriam trocado colaborações durante as investigações.