Governo perde apoio entre liberais, direitistas e antipetistas
Aliados criticam ministros e reclamam da falta de diálogo com integrantes do Planalto. Quem pensa diferente, fica sem emprego
atualizado
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A retórica ideológica do presidente Jair Bolsonaro (PSL) define como adversários “a esquerda”, “os governos de viés socialista” e “parte da imprensa”. Com esse recorte, para usar conceitos simplistas, restam como aliados os setores identificados com políticas liberais na economia, conservadores, direitistas e antipetistas.
Setenta dias depois da posse no Palácio do Planalto, porém, representantes dos setores supostamente defensores das bandeiras de Bolsonaro desaprovam, ou mesmo, afastam-se do governo. O perfil dos insatisfeitos e críticos inclui políticos de partidos com assento na Esplanada, evangélicos e até o guru intelectual do grupo do presidente, o escritor Olavo Carvalho.
“Todos os meus alunos que ocupam cargos no governo – umas poucas dezenas, creio eu – deveriam, no meu entender, abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos”, escreveu Carvalho, expoente da direita intelectualizada, em postagem feita no Twitter na noite de quinta-feira (7/3).
No seu estilo agressivo, o escritor explica as razões de sua orientação pela debandada. “O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, tuitou, sem explicitar os nomes dos “inimigos”.
Depois dessas mensagens, na sexta-feira (8), o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, decidiu afastar alguns auxiliares ligados ao escritor. Os brasileiros poderão conferir, nos próximos dias, se essas demissões terão efeito na militância virtual de Carvalho.
Aliado de Bolsonaro desde o início da campanha eleitoral, o deputado e pastor evangélico Marco Feliciano (PSC-SP) também identifica desvios de comportamento em integrantes do primeiro escalão da Esplanada. “A comunicação está péssima. O ego daqueles que vocês elegeram está tão inflado que só enxergam seus umbigos. Alguns ministros estão deslumbrados com os holofotes”, postou o parlamentar, também no Twitter.
Políticos alinhados com as teses liberais da equipe econômica também demonstram descontentamento com a composição da equipe ministerial. É o caso, por exemplo, do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), líder do partido na Câmara. “O governo saiu da política de sindicato e passou para a república da caserna”, disparou o parlamentar baiano ao jornal O Estado de S. Paulo.
A reclamação do democrata tem conexão com a relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso. “O governo precisa de votos. Nos estados, o presidente precisa compor o governo dele, em cargos de direção”, disse Nascimento, que acumula também a função de líder do “blocão”, conglomerado partidário que reúne 301 deputados.
O recado do deputado ganha peso por se tratar de um integrante do círculo mais próximo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem poder para apressar ou retardar a tramitação das propostas do governo. Das palavras do líder do DEM, pode-se depreender que, para o avanço do pacote contra a violência e da reforma da Previdência, o governo terá de “compor” os cargos nos estados com pessoas indicadas pelos partidos.
Embaixador exonerado
Nas últimas semanas, outros movimentos indicaram a disposição do governo para demarcar posição e fechar as portas para pensamentos divergentes, mesmo de pessoas sem alinhamento com os adversários. Foi o caso do embaixador Paulo Roberto de Almeida, exonerado do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI).
O diplomata perdeu o cargo na segunda-feira (4) depois de postar críticas a Olavo de Carvalho e ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República. Crítico implacável dos rumos tomados pelo Itamaraty durante os governos petistas, em particular do ex-ministro Celso Amorim, Almeida não se enquadra nos perfis dos adversários preferenciais de Bolsonaro. Mas a independência intelectual provocou o afastamento do embaixador.
Nessa mesma direção, Bolsonaro determinou a demissão da cientista política Ilona Szabó, convidada pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Especialista em segurança pública e política de drogas.
Aliados incondicionais
Sem ligações partidárias, Ilona sempre se destacou nessas áreas e sua exclusão do conselho reforça a estratégia do chefe do Executivo nacional de preservar os cargos para aliados ideológicos e incondicionais. Se continuar assim, os brasileiros podem esperar mais isolamento do governo em relação às forças políticas em atuação no país.
Nesse cenário, com perdas de aliados e sem agregar apoios além dos que sabem apenas aplaudir, fica mais difícil prever consensos que ajudem Bolsonaro a administrar o Brasil.