Governo Lula é cobrado por cruzar os braços para matérias ambientais e indígenas na Câmara
A ala ambiental do governo Lula perdeu mais uma queda de braço com a manutenção da Medida Provisória 1154/23 e do Projeto de Lei 490/07
atualizado
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Lideranças do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cruzaram os braços na Câmara dos Deputados e não se esforçaram para reverter derrotas nas áreas ambiental e indígena nos últimos dias. Nessa terça (30/5), a Casa Baixa aprovou o Projeto de Lei (PL) 490/07, conhecido como marco temporal das terras indígenas. Já a Medida Provisória da Esplanada (1154/23), que cuida da reorganização administrativa do governo e com relatório que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e Povos Indígenas, teve apreciação adiada para a quarta (31/5). Ambas as medidas foram duramente criticadas por ambientalistas e indígenas.
A terça foi marcada por manifestações contra a possibilidade de votação do marco temporal Brasil afora. Em Brasília, indígenas e apoiadores chegaram a parar o trânsito na Esplanada dos Ministérios para tentar chamar a atenção para o assunto. Mas não adiantou muito, pois o texto foi votado e aprovado pelos deputados federais (veja texto abaixo).
Defensores dos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente criticam a postura do governo Lula em manter a retirada de atribuições importantes dos ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente e liberar a bancada governista para votar a favor do marco temporal.
“O enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente não tem coerência com a narrativa do presidente Lula de priorizar a defesa ambiental”, declara Suely Araújo, especialista sênior do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Suely reforça que o governo Lula tem dito dificuldades em gerenciar a sua base no Congresso Nacional para retirar de votação questões chaves para a ala ambiental do Executivo, como trechos da MP 1154/23 e o PL 490/07.
Ele [Lula] está com dificuldades de gerenciar a sua base no congresso, mas gera uma incoerência na narrativa do governo Lula [a retirada das atribuições do Meio Ambiente e Povos Indígenas].
Retrocessos
O pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, afirma que o governo Lula precisa se posicionar contra retrocessos socioambientais do Congresso Nacional.
“O governo, diante de um Congresso ávido em manter os retrocessos socioambientais, precisa ter sinais claros do governo de que não negociará, em troca de apoio, o inegociável: direito a um clima equilibrado e direitos fundamentais dos brasileiros”, reitera.
Ambientalistas também se colocaram contra a votação do marco temporal na Câmara dos Deputados e a liberação da bancada governista para votar a favor da proposta considerada inconstitucional por lideranças indígenas.
“Precisamos lembrar que as terras indígenas são as áreas mais ambientalmente conservadas do país. Qualquer retrocesso nas demarcações provocará desmatamentos sem precedentes e consequências climáticas adversas em nível continental. O governo precisa reagir e trabalhar contra o texto. Não dá para aceitar uma política de direitos humanos e climática para ‘inglês ver’ ”, ressalta Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
Suely Araújo coloca como “inaceitável” a base governista para votar pela aprovação do marco temporal. “Inaceitável [liberar a bancada], o governo deveria ter defendido que o PL não entrasse em votação, ele não tem nada de positivo no seu conteúdo”, reitera.
Além das reclamações e alertas de ambientalistas e defensores de direitos indígenas no país, há, ainda, a preocupação quanto à imagem do Brasil no exterior. Lula foi eleito com uma bandeira forte de defesa dos temas e foi amplamente aplaudido por isso. Agora, na prática, tem encontrado dificuldades para conseguir avançar nas áreas. Mais do que discurso, entidades ligadas às áreas alertam que o presidente precisa começar a demonstrar mais atitude em defesa do meio ambiente e dos povos originários.
Falta de empenho
O governo Lula, na semana passada, liberou sua base para votar o regime de urgência do marco temporal, mas mudou de posição e orientou, na terça, contra o mérito da matéria, ancorada no PL 490/2007. A postura, porém, foi apenas simbólica. Nos bastidores, as lideranças do Planalto não se movimentaram efetivamente para virar votos.
Os representantes do Planalto sabiam, por exemplo, que o Partido Socialista Brasileiro (PSB) iria liberar sua base e que o “superbloco” do presidente Arthur Lira (PP-AL) orientaria favoravelmente. O bloco do PSD com MDB, Republicanos e Podemos também não encontrou resistência alguma das lideranças governistas para liberar sua base.
Em síntese, o marco temporal reconhece que apenas as terras já ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, podem ter sua demarcação reivindicada. A medida é amplamente criticada por defensores da causa indígena, mas conta com apoio da bancada do agronegócio. Ela foi aprovada com folga, com 283 votos favoráveis e 156 contrários.
Lideranças da federação PSOL-Rede, grupo de fato responsável pelo corpo a corpo e discursos no plenário contra o marco temporal, reclamaram do posicionamento do governo. Sob reserva, dizem entender que o governo está de “mãos atadas”. As reclamações dão conta de que Lira, ameaçando não votar a MP da Esplanada, pressionou pela aprovação o PL 490/2007.
A MP da Esplanada, em tempo, segue indefinida. No fim da noite de terça, Arthur Lira, após reunião com líderes, decidiu adiar a apreciação do texto, apertando ainda mais o prazo para o governo. Agora, a matéria tem que passar pela Câmara e ainda pelo Senado para que não perca validade.
O governo, porém, já havia sofrido derrota parcial com o relatório, que esvazia pastas como os ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente.
As mudanças, minimizadas pelo senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), líder do governo no Congresso, irritaram as ministras Marina Silva e Sonia Guajajara, além da militância defensora do meio ambiente e da causa indígena. Mesmo assim, o governo cedeu e orientou a base aliada a votar favoravelmente a Medida Provisória.
Caso não seja aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado antes da quinta-feira (1º/6), o governo Lula perderá diversos ministérios e, com isso, os arranjos feitos pela articulação político-ideológica do mandatário. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contava com 23 ministérios ou órgãos com esse status. No início do governo Lula, essa soma foi a 37.