Governo federal usa “termômetro de bolsonarismo” para decidir nomeações
Intervenção da Casa Civil gera críticas de servidores e até mesmo dentro do Palácio do Planalto. Prática é vista como aparelhamento
atualizado
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Intervenções da Casa Civil em nomeações de outros órgãos têm gerado desconforto e críticas nos bastidores do governo federal. A reclamação é de que a leitura da pasta ligada à Presidência da República tem sido feita de forma puramente política, não com base em critérios de habilidade ou formação, por exemplo.
O mecanismo para se receber a chancela – e o nome no Diário Oficial da União – é assim: o indicado tem o nome avaliado pelo ministro da respectiva pasta (isso também em casos de órgãos e autarquias) e, ao mesmo tempo, pela Casa Civil. Se de lá vem a negativa, mesmo o titular do setor aprovando, a nomeação não acontece.
Um dos casos ocorreu em um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. A indicação da pasta recebeu a negativa com o argumento “não é oportuna nem conveniente a nomeação”.
A avaliação da Casa Civil, segundo esses relatos, é baseada em uma espécie de “termômetro de bolsonarismo”, que inclui análise da postura dos candidatos nas redes sociais, manifestações políticas conhecidas e ligações com sindicatos e movimentos de classe.
“O governo Bolsonaro sempre criticou a existência de um suposto ‘aparelhamento do PT’, ‘um aparelhamento comunista’, mas agora está fazendo um aparelhamento a seu modo”, diz um interlocutor do Palácio do Planalto, que ressalta a verticalização desta administração dos cargos.
Ao menos outras duas pastas tiveram o mesmo tipo de situação recentemente. Os ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública tiveram nomeações embargadas sob o mesmo argumento.
A prática, contam servidores de carreira, foi criada em 2003, pelo então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, que esteve no órgão durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em algum grau a avaliação ideológica sempre ocorreu, mas de forma velada. Agora, ela ganhou força e tem se alastrado pela administração pública federal.
Decretos dão respaldo
As nomeações, exonerações, designações e dispensas para cargos em comissão e funções de confiança de competência originária do Presidente da República baseiam-se em dois decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em março de 2019.
Os dispositivos preveem que sejam realizadas pesquisas pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), além de análises pela Subchefia de Assuntos Jurídicos da Secretária-Geral, quanto à existência de óbice jurídico, e pela Assessoria Especial da Casa Civil, sobre verificação de conveniência e oportunidade da indicação.
Os decretos criaram o Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (Sinc), no âmbito da administração pública federal. Com ele, por exemplo, universidades precisam ter os nomes de seus possíveis reitores obrigatoriamente chancelados não só pelo ministro da Educação, mas pelo da Casa Civil.
Prática avança
Nesta semana, o secretário Especial de Cultura, ator Mario Frias, enviou um ofício com determinações semelhantes a sete órgãos sob seu comando. Frias quer controlar nomeações, exonerações, transferências, publicação de editais e até postagens em sites e redes sociais de todos os órgãos vinculados à Secretaria Especial de Cultura.
O ofício determina que nomeações, exonerações, requisições e cessões para cargos comissionados e funções de confiança a partir do nível 3 sejam encaminhadas à Secretaria. As informações seriam então remetidas ao gabinete do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
O documento foi enviado à Agência Nacional do Cinema (Ancine), à Biblioteca Nacional, à Casa de Rui Barbosa, à Fundação Palmares, à Fundação Nacional de Artes (Funarte), ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Todas estas entidades voltaram a ser subordinadas à Secretaria da Cultura em decreto de 7 de agosto.
Críticas
O secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, critica a prática e diz que a conduta é questionável. “Estão criando uma tutela ideológica para chamar o serviço público – que é um patrimônio do Estado – de seu, do governo de plantão”, reclama.
Ele aponta que a medida é uma espécie de aparelhamento. “Daquilo que usam, nos acusam. O governo falava que iria acabar com a mamata no serviço público, com o aparelhamento. Estão fazendo um serviço para chamar de seu. Desde o começo da gestão Bolsonaro virou prática verificar se o servidor é filiado a partido, se é filiado a sindicato, deixando o Estado sob o conceito do governo”, conclui.
Versão oficial
A Casa Civil admitiu que monitora as indicações e nomeações da administração pública federal, mas nega qualquer avaliação de cunho político ao chancelar ou não as admissões.
“Os órgãos federais que indicam os candidatos devem avaliar, antes de submeter a indicação, critérios de qualificação profissional, de reputação ilibada e de idoneidade moral, de modo a permitir que apenas pessoas que preencham os requisitos legais venham a ocupar cargos no Poder Executivo Federal”, sustenta , em nota.