Governo atrai base com verba contra a Covid-19, diz Major Olimpio
Ex-aliado de Jair Bolsonaro, senador afirma que Planalto ofereceu de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões a parlamentares em troca de apoio
atualizado
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Ex-bolsonarista e integrante da bancada da bala no Congresso, o senador Major Olimpio (PSL-SP) afirmou que o dinheiro para combater a Covid-19 foi distribuído pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para pelo menos 50 senadores e 200 deputados federais a fim de garantir a construção de uma base de apoio.
“Me ofereceram R$ 30 milhões. Dinheiro da Covid-19.” O senador afirma que a oferta foi feita por um representante do governo. No relato de Olimpio, cada colega recebeu R$ 30 milhões em emendas. O governo destinara ainda R$ 10 milhões aos deputados federais.
Líder do PSL no Senado e eleito com 9,039 milhões de votos, Olimpio anunciou que está deixando o partido pelo qual foi eleito defendendo a candidatura Bolsonaro à Presidência. A razão é a reaproximação do PSL com o governo. Olimpio rompeu com o presidente após o distanciamento entre o bolsonarismo e o lavajatismo — ele participa do grupo Muda Senado, Muda Brasil, que procura se associar à Operação Lava Jato. O Estadão ouviu dois senadores — Marcos do Val (Podemos-ES) e Plínio Valério (PSDB-AM) — que confirmaram parte do relato de Olimpio.
No último dia 1º, o governo autorizou a liberação de R$ 13,8 bilhões para cidades e estados lidarem com efeitos da pandemia do novo coronavírus. Previstos em portaria do Ministério da Saúde, os recursos podem ser usados para contratar médicos, remédios ou produtos e serviços hospitalares.
Ao anunciar a portaria, o Ministério da Saúde informou que os municípios beneficiados foram escolhidos segundo o número de habitantes e a quantidade de dinheiro que receberam ano passado para atenção hospitalar e básica. Para os estados, também foi levado em conta os leitos de UTI disponíveis para pacientes com coronavírus e a taxa de incidência da Covid-19 por 100 mil habitantes.
Segundo Olimpio, porém, o governo propôs a parlamentares que indicassem onde parte desse dinheiro seria alocado. “O parlamentar distribuiu o dinheiro para as bases dele. Ele não combinou com o vírus. Onde era necessário por o recurso? Onde está morrendo gente. Se era o dinheiro para o enfrentamento da Covid-19 não seriam os infectologistas, os médicos que deveriam definir onde o dinheiro é mais necessário? Em vez disso, é a planilha do senador que vale.”
Técnicos
A crítica do senador é compartilhada por especialistas em Saúde Pública. Para Raul Borges Guimarães, especialista em geografia da saúde da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a pressão política pode ser importante para que o governo efetivamente libere os recursos, mas, na hora da alocação da verba, o critério deve ser técnico. “Não tem outra saída”, diz ele. O epidemiologista e professor da USP Paulo Lotufo entende que a falta de testes prejudica a alocação dos recursos. Ele afirma que a distribuição de verba deve ser feita com base nos números de mortes, de pessoas que necessitam de terapia intensiva e de casos confirmados de Covid-19.
Segundo Olimpio, o dinheiro gasto por meio do carimbo dos parlamentares foi oferecido pelo governo depois que o general Eduardo Pazuello assumiu interinamente o ministério. Segundo Olimpio a oferta do governo era uma armadilha. “Era para me prender o rabo com o ‘toma lá, dá cá’.” O dinheiro destinado por parlamentares representa o dobro de valor a que um senador tem direito por ano para gastar com emendas — R$ 15 milhões. Olimpio afirma não estar recriminando os colegas que aceitaram o dinheiro. “Estou acusando o critério absolutamente imoral de um governo que disse que jamais faria o ‘toma lá, dá cá’, até iludindo parlamentar. Não tem o ‘dá cá hoje’, mas o ‘toma lá’ que eu vou cobrar depois.”
De acordo com ele, o governo liberou os recursos indicados pelos parlamentares há dois dias. “Já pagaram para todo mundo que aceitou. Isso está acontecendo com a Saúde em todo o Brasil. É a coisa mais macabra.” No relato do senador, quando o dinheiro em emendas lhe foi oferecido, ele perguntou ao interlocutor se a oferta era para todos os senadores. E a resposta foi: “Claro que não.”
Segundo Olimpio, a verba foi para os parlamentares considerados “cooptáveis” pelo governo. “Não falaram nada de votação, nada. Mas e na hora que eu batesse, iam dizer: ‘Você aceitou’.” Olimpio afirmou que a ideia de carimbar o dinheiro nasceu depois que deputados do Centrão reclamaram que o dinheiro da Saúde estava sendo liberado para estados e municípios sem que tivesse o carimbo dos parlamentares, ou seja, estivesse associado à indicação política “Aí fizeram a coisa carimbada para quem está dentro do jogo do time dos amigos.”
Dois senadores confirmam recurso federal
Dois dos senadores citados pelo major Olimpio (PSL-SP) admitiram que foram atendidos pelo governo com o repasse da verba extra contra a pandemia nos estados, mas afirmaram que as conversas não envolveram a troca de apoio. Tanto o senador Plínio Valério (PSDB-AM) quanto Marcos Do Val (Podemos-ES) disseram que seguirão votando contra o governo quando discordarem das propostas.
Olimpio disse que alguns colegas aceitaram “ingenuamente” a verba. “O Marcos do Val disse: ‘Me ofereceram, eu pensei que era pro estado e topei’. O senador Plínio Valério disse: ‘Dividi entre os 65 municípios do estado’. E mandou a forma de divisão que fez no Amazonas.”
Valério diz que seu gabinete foi procurado pela assessoria da Presidência e informado que podia destinar R$ 20 milhões a municípios de sua escolha. Apesar de ver interesse governo em atrair apoio, ele disse que nenhum acordo foi oferecido. “Vejo o governo fazendo política e tirando proveito da verba. Um dinheiro, que já existia para o combate à covid, pegam e parte disso oferecem aos políticos para ‘fazer uma média’. Não serão R$ 30 milhões que vão influenciar meu comportamento.”
Oportunidade
Já Marcos Do Val diz que foi sua equipe de assessores que descobriu a portaria ministerial e viu ali uma oportunidade para destinar recursos ao Espírito Santo. Do Val relatou uma conversa que senadores tiveram no WhatsApp, em um grupo suprapartidário Muda Senado, na qual deixou claro ter obtido os recursos sem prometer contrapartida.
“Eu fiz um pedido solicitando esse recurso extra, e aí tramitou normalmente”, contou. Ele disse que constatou na conversa que a maioria dos senadores que não recebeu a verba era da oposição. O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), confirmou que ele e outros opositores não receberam repasses e vê na medida inovação em “compra de apoio”.
O Ministério da Saúde reafirmou ontem que, com os representantes dos secretários estaduais e municipais de saúde, definiu critérios técnicos para distribuir os recursos da covid-19. O Palácio do Planalto não se manifestou