Governadores devem decidir sobre decreto de Bolsonaro, dizem advogados
Presidente autorizou abertura de academias e salões de beleza em meio à pandemia de Covid-19, mas STF deu autonomia a estados e municípios
atualizado
Compartilhar notícia
Após o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), decretar a abertura de academias e salões de beleza em meio à pandemia do coronavírus, um cabo de guerra entre o Executivo federal e os estados foi estabelecido. Em contraste ao mandatário do país, os governadores vêm adotando medidas de isolamento social para conter a disseminação da Covid-19.
A iniciativa de Bolsonaro gerou dúvidas sobre a competência da decisão. Isso porque o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que estados e municípios têm autonomia para tomar decisões relacionadas à doença. Segundo advogados, a linha defendida pela Suprema Corte deve ser seguida.
“É importante destacar que o art. 24, XII da Constituição Federal atribui à União, aos estados e ao Distrito Federal a legislação concorrente sobre proteção e defesa da saúde”, afirma Pedro Henrique Costódio, advogado especialista em direito administrativo.
“Conclui-se, portanto, que, mesmo com a publicação do decreto, ainda cabe aos estados e municípios a competência para estabelecer políticas de saúde, inclusive regras de isolamento social, além da definição de serviços e atividades essenciais”, complementa.
De acordo com o especialista, o principal fundamento utilizado pelo STF foi o art. 198, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, das ações e serviços públicos de saúde.
Decreto ignorado
Bolsonaro divulgou o decreto nas redes sociais na última segunda-feira (11/05). A reação dos governadores à publicação foi imediata – e de desdém. João Doria (PSDB), governador de São Paulo, ex-aliado e atual desafeto do presidente, escreveu em seu perfil no Twitter uma lista de serviços que poderão funcionar no estado na nova fase de quarentena. No entanto, não fez nenhuma menção a academias ou salões de beleza.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, também adversário de Bolsonaro, afirmou que a decisão do STF que dá autonomia a estados e municípios para legislar sobre políticas para o combate ao coronavírus lhe confere segurança jurídica para a manutenção das medidas restritivas.
O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), declarou que, “apesar de o presidente baixar decreto considerando salões de beleza, barbearias e academias de ginástica como serviços essenciais, esse ato em nada altera o atual decreto estadual em vigor no Ceará e os serviços devem permanecer fechados. Entendimento do Supremo Tribunal Federal”.
O petista Rui Costa (PT), governador da Bahia, ressaltou que o estado “vai ignorar as novas diretrizes do governo federal”. “Manteremos nosso padrão de trabalho e responsabilidade. O objetivo é salvar vidas. Não iremos nos afastar disso”, declarou.
Hélder Barbalho (MDB), governador do Pará, disse que, no estado, as atividades incluídas como essenciais no decreto do governo federal “permanecerão fechadas”. O emedebista também citou o entendimento do STF em sua publicação.
Afronta e autoritarismo
No Twitter, nessa terça-feira (12/05), Bolsonaro reagiu aos governadores que resolveram desobedecer seu decreto: “Afrontar o estado democrático de direito é o pior caminho, aflora o indesejável autoritarismo no Brasil”, postou.
O presidente sugeriu aos governadores que não concordarem com a norma a recorrerem à Justiça ou se valerem de um Projeto de Decreto Legislativo, por meio de um parlamentar.
Ainda nesta terça, porém, Bolsonaro endureceu o discurso e antecipou que a Advocagia-Geral da União (AGU) vai se “empenhar” para que estados sigam os decretos que definem quais são as atividades essenciais, ou seja, as que estão autorizadas a funcionar durante a pandemia do coronavírus.
“[Se descumprir o decreto] aí entra em descumprimento de uma norma. Havendo descumprimento, a AGU vai se empenhar, talvez junto à esfera judicial, pra que aquele governador cumpra o decreto”, afirmou.
Proximidade com a realidade
Para o advogado Renato Ribeiro de Almeida, doutor em Direito do Estado pela USP e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie, a decisão deve ser dos estados e municípios porque eles têm maior proximidade com a realidade de cada localidade.
“Penso que deve prevalecer a percepção dos prefeitos e governadores, em razão de estarem mais perto da realidade vivida pela população, posto que são díspares as realidades locais de país com as dimensões continentais que o Brasil apresenta”, destaca.
Segundo o especialista, prefeitos e governadores dispõem de melhor percepção e avaliação sobre o status da pandemia nas cidades e estados que administram.