“Geisel não foi eleito, eu fui”, diz Mourão, aplaudido em Harvard
Vice-presidente afirmou que governo precisa dialogar com o Congresso e ter mais interlocução com a sociedade
atualizado
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Boston (EUA) – “Geisel não foi eleito. Eu fui”. Com essa frase, o vice-presidente Hamilton Mourão explicou a diferença entre o governo atual, formado por vários militares, e a ditadura. Mourão fez a palestra de encerramento da Brazil Conference, na universidade Harvard, em Cambridge, Estados Unidos.
A impactante frase surgiu como resposta a uma pergunta de um professor. Após a palestra de Mourão, o acadêmico pontuou que o penúltimo presidente da ditadura, Ernesto Geisel, fez a abertura política e devolveu o poder aos civis. “Para o general, os militares não deveriam mais exercer o governo. Por que a lição de Geisel não se aplica ao senhor?”, soltou. Mourão respondeu e foi longamente aplaudido.
Depois das manifestações da plateia, ele explicou melhor como vê as diferenças entre o regime militar e o governo atual. “Dois militares foram eleitos, mas as Forças Armadas não estão no poder. Os militares continuam com os seus comandantes nos quartéis. O presidente Bolsonaro é mais político que militar, mas carrega a formação que tivemos. Eu fui convocado na última hora [para compor a chapa]. Na hora de governar, buscamos os melhores quadros. Companheiros da força [Exército] foram convocados, mas são todos da reserva, estão afastados [do Exército]”, disse Mourão.
Mas para o vice de Bolsonaro, se o governo falhar, o fracasso poderá ser associado ao Exército como instituição. “Por isso, o presidente me falou, no dia 28 de outubro, dia da eleição: ‘Nós não podemos errar’”, contou.
Ainda segundo Mourão, Bolsonaro é muito criticado e pouco compreendido. “O presidente está trabalhando para as próximas gerações e não para as próximas eleições. Em primeiro de janeiro de 2023, quando entregarmos o bastão para quem nos suceder, o país estará pronto para tomar o rumo do nosso destino”, afirmou.
O tema da palestra foi os cem primeiros dias do governo Bolsonaro. A plateia questionou Mourão sobre quais decisões teria tomado se ele fosse o presidente. Mourão manteve a linha adotada em recentes entrevistas e se mostrou subordinado ao comando de Bolsonaro, fugiu do estigma de vice independente, como estava sendo visto até então.
“Agradeço a pergunta, mas a minha parceria com o presidente é total, parceria 100%. Como é aquela música? Faria tudo outra vez? Faria tudo outra vez”, respondeu, lembrando os versos de uma canção do compositor Gonzaguinha. O entrevistador insistiu e Mourão completou: “Pela minha personalidade, escolheria outras pessoas para trabalhar comigo”.
Na plateia de 500 lugares lotada estavam, entre outros, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e de Minas Gerais, Romeu Zema, e o empresário Jorge Paulo Lemman.
Mourão também falou sobre a relação do Executivo com o Congresso. “Não deu certo a articulação por meio de bancadas temáticas: a do boi, da bíblia e da bala. As bancadas são multipartidárias, o Congresso tem 30 partidos. Agora, o presidente mudou a estratégia”, disse.
Sobre a situação do Ministério da Educação, Mourão reconheceu: “Não vou negar. Estamos com problemas no MEC. O presidente vai tomar uma decisão amanhã [segunda-feira]”, disse. Ele se referia à definição sobre a a permanência ou não do ministro Ricardo Vélez.
Mourão enumerou uma série de desafios em educação: investir em ensino básico, reduzir evasão escolar, melhorar a qualidade do aprendizado em geral, implementar nova base curricular, e arrematou: “Não sei se Vélez vai ser mantido ou se o presidente vai mudar [o ministro], mas temos que resolver esse problema de imediato”.
Antes de responder às perguntas da plateia, Mourão fez um discurso de 15 minutos. Destacou as principais medidas dos primeiros cem dias de governo, o envio da reforma da Previdência e do pacote anticrime ao Congresso, a redução de ministérios e o fim da “distribuição de cargos em troca de apoio político”.
Também indicou outras medidas que o governo pretende tomar. Entre elas, falou da redução da maioridade penal, sem entrar em detalhes, e do endurecimento no cumprimento de penas por criminosos. “O sistema prisional precisa ser reestruturado para impedir que as prisões virem colônias de férias, onde os cartéis comandam o crime organizado”, pontuou.
Ao responder uma pergunta sobre segurança, Mourão voltou a falar sobre o sistema prisional, mas de forma contraditória. Chamou os presídios de “masmorras”. “As pessoas não vão se corrigir. A punição só é válida se ela educa. Como vou educar alguém sem atividade laboral e sem educação? Precisamos mudar esse quadro”, afirmou o vice. Ainda no tema segurança, Mourão fez referência ao massacre em uma escola de Suzano (SP) e ao atentado ocorrido na Nova Zelândia: “Não ao ódio! É o primeiro recado”.
Na palestra, Mourão fez um retrospecto de transformações econômicas, políticas e tecnológicas no mundo, na América Latina e no Brasil. O raciocínio levou-o a falar sobre um assunto pelo qual o atual governo parece ter uma fixação: a Venezuela. Mourão afirmou: “Nossas sociedades sinalizaram que querem a economia de mercado, o livre empreendedorismo e a proteção da propriedade privada. Governos anteriores geraram crises e desestruturaram o sistema produtivo nacional. A Venezuela é um caso emblemático: a apropriação dos meios de produção por parte de um grupo corrupto, um país sucateado, com Maduro, um líder fraco e sem o carisma do antecessor [Hugo Chávez], que acelerou a deterioração do país. No Brasil, esse processo foi interrompido pelo impeachment [da presidente Dilma Roussef] e com a resposta das urnas que escolheram Bolsonaro”, avaliou.
A participação de Mourão na Brazil Conference durou uma hora, sendo 45 minutos destinados para perguntas e respostas. O Metrópoles apurou que a direção de Harvard fez questão de um tempo dedicado a perguntas para a universidade não servir de palanque para o vice-presidente. O convite a Mourão foi feito ainda na fase de transição do governo. Com o auditório lotado, os organizadores montaram um telão em outra sala para que o restante do público pudesse acompanhar a palestra.
Mourão também respondeu perguntas sobre meio-ambiente. Uma professora perguntou qual o papel do Brasil no combate às mudanças climáticas. Mourão começou a resposta pondo em dúvida o efeito das mudanças e houve um murmúrio na plateia. “O clima está mudando, não sei se é algo que veio para ficar”, disse o vice.
Ainda segundo Mourão, o Brasil não sairá do Acordo de Paris (para combater os efeitos do aquecimento global). O vice-presidente também não vê condições de aprovação do projeto que propõe o fim da reserva legal de mata nativa nas propriedades rurais, pois acredita na necessidade de controlar o desmatamento na Amazônia. “O Arco do Desmatamento chegou ao seu limite. Precisamos fazer todo o esforço para parar. Termina aqui. E fazer tudo para o reflorestamento dessa região. É assim que Bolsonaro vê esse problema”, afirmou.
Mourão disse não estar preocupado com as pesquisas que apontam queda na popularidade do governo. Também revelou não se sentir enclausurado no Palácio do Jaburu, pois tem contato com muita gente. “Frequento a Smart Fit, ela é ecumênica. Converso com todo mundo, vou à praia, jogo vôlei, vou ao shopping. Há quem pressione a gente para acelerar as coisas. Mas não temos varinha de condão. Precisamos entender a fisiologia dentro do Congresso, dialogar, convencer”, finalizou.