Futebol e política não devem se misturar em campo, diz STJD
O procurador-geral da entidade, Felipe Bevilacqua, defende que “o campeonato não é feito para ter manifestações desse cunho”
atualizado
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Não importa se o jogador atua pela esquerda, direita ou centro no Brasil. Dentro das competições organizadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), ele não deve manifestar sua posição política enquanto estiver em atividade, tampouco explicitar qualquer opinião extracampo. Quem defende essa postura quase alienada dos atletas é o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
O procurador-geral da entidade, Felipe Bevilacqua, explicou que não há regras disciplinares relacionadas ao assunto no país, mas entende que, em respeito a todo o negócio que envolve o futebol, dentro do local de trabalho, no caso os estádios, o atleta deveria se limitar apenas a se manifestar sobre o jogo em si. E isso inclui não fazer críticas e elogios ao torneio e também à arbitragem – o que tem sido um desafio e tanto para jogadores e técnicos.
“Para mim é conduta inadequada para um ambiente de trabalho (dar opinião), ainda mais representando um clube”, diz. “O campeonato não é feito para ter manifestação política.”
Ainda no entender do procurador, o movimento da Democracia Corintiana, por exemplo, que ajudou na divulgação da campanha pelas Diretas Já (1984), hoje em dia, seria vetado pelo STJD. Aquele movimento teve Sócrates, Wladimir e Casagrande como ícones. “Acredito que não (seria permitido). Mas é opinião minha Não posso responder pela CBF”, disse.
A posição do magistrado segue o que a Fifa prega, com base em seu estatuto. Durante a Copa do Mundo, a entidade chegou a multar jogadores que dentro de campo se manifestaram politicamente. O caso dos suíços Xhaka e Shaqiri, que demonstraram apoio à independência de Kosovo na comemoração de gols, foi o mais emblemático do torneio.
No Brasil, ainda não há uma legislação específica para jogadores e clubes. Apenas para torcedores, que não podem entoar cantos de cunho político, homofóbico e racista. O Atlético-MG, recentemente, foi enquadrado nesse artigo e multado em R$ 5 mil. Felipe Melo, do Palmeiras, foi advertido por ter manifestado apoio ao candidato Jair Bolsonaro e o Atlético-PR recebeu multa de R$ 70 mil porque entrou em campo com a camisa verde-amarela também em referência ao presidenciável do PSL – o clube teve como agravante não ter pedido autorização à CBF com dois dias úteis de antecedência à data do jogo.
Para a 31ª rodada do Brasileirão, que ocorre em meio ao segundo turno das eleições, a CBF informou ao Estado que não houve pedido dos clubes para manifestação política. Se ocorrer, será à revelia.
O vice-presidente do Atlético-MG, Lásaro Cândido, formado em Direito, concorda que os atletas não devam dizer em quem irão votar, pois o futebol é um esporte coletivo e pode não refletir a opinião de todos do grupo. Mas acha que é dever do atleta se posicionar politicamente, como qualquer cidadão.
“Quando é para ser contra um processo de repressão, quando é uma manifestação em defesa da sociedade, é uma postura de cidadania”, diz. “Ficar calado também é uma postura política. Omissão também é política.”
Sindicado pede bom senso
O Sindicato dos Atletas do Estado de São Paulo entende que deve prevalecer o bom senso em relação a possíveis manifestações dos jogadores, entre elas as do campo político. A entidade acredita ser necessário respeitar as regras e também os contratos de imagem com os clubes. Mas defende que o atleta precisa saber o momento de se posicionar e defender seus interesses. “Ele precisa estar por dentro do que pode e do que não pode”, diz o vice-presidente do órgão, o ex-jogador Luis Eduardo Pinella.
Ele diz que o sindicato se preocupa com a atual falta de autonomia dos jogadores e atribui isso à presença intensa dos empresários na vida dos atletas. Isso levou a entidade a criar, em 2015, um curso gratuito de orientação de carreira. “Não dá para deixar tudo na mão dos empresários.”
Pinella passou pelo Corinthians na década de 80, em período de grande mobilização política nos clubes. Por isso, na opinião dele, é inadmissível hoje em dia ver um jogador terceirizar as responsabilidades. “O cara tem proposta de lugares do outro lado do mundo e diz apenas ‘meu empresário está vendo isso’. A vida vai mudar completamente e ele não se preocupa com isso?”
O lado financeiro, claro, tem que ser levado em conta, mas, na opinião de Pinella, o jogador precisa estar bem informado sobre o que pode acontecer em sua carreira. “Se algo der errado, não adianta culpar o outro. A culpa é exclusivamente dele.”