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Exclusivo: nota técnica revela motivos de exclusão de negros vivos de lista da Fundação Palmares

Documento que embasou portaria, obtido pelo Metrópoles, revela preocupação com opiniões e comportamentos de personalidades que estão vivas

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Fundação Palmares quer evitar "máculas" excluindo homenagens a negros vivos
1 de 1 Fundação Palmares quer evitar "máculas" excluindo homenagens a negros vivos - Foto: Arte/Metrópoles

Documento que fundamentou a mudança na Lista de Personalidades Negras celebradas pela Fundação Palmares, que passará a ser exclusivamente de homenagens póstumas, sinaliza que a intenção da instituição foi afastar nomes com opiniões ou comportamentos considerados “maculados” pelo órgão.

Uma nota técnica da Fundação Palmares obtida com exclusividade pelo Metrópoles mostra preocupação com pensamentos e tendências – ou com a ideologia, como gostam de apontar integrantes do governo – de alguns nomes homenageados no elenco de cerca de 90 pessoas.

Internamente, a avaliação de técnicos de carreira é a de que os alvos são pessoas críticas ao atual governo.

A nota técnica que levou à edição da portaria mostra que, em vida, os homenageados podem mudar, já que as “biografias encontram-se em construção” e os nomes na lista “podem ter se passado por heróis sem sê-lo”. O documento foi enviado à Presidência da República para aprovação.

“Pessoas que contribuíram, de modo notável, por sua influência pessoal, para a história do Brasil e do mundo, não são apenas as falecidas. Quando vivas, porém, suas biografias encontram-se em construção. Posteriormente, podem ser condenadas na Justiça, renegar seu passado, ter se passado por herói sem sê-lo”, destaca um dos artigos do documento.

Nomes como os do artistas Gilberto Gil, Elza Soares, Zezé Motta, Martinho da Vila, Milton Nascimento e Sandra de Sá e do senador Paulo Paim (PT) deixarão de compor o rol.

O temor de técnicos de carreira que não se alinham ao pensamento do atual presidente da instituição, Sérgio Camargo, é o de que a maioria dos artistas – muitos críticos à gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) – e das lideranças de povos tradicionais a líderes de religiões de matriz africana será apagada da lista ou negligenciada.

As mudanças passam a valer em dezembro, mas foram lançadas na última semana, justamente no mês em que se celebra o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. Ao adiantar partes das mudanças, Sérgio Camargo falou que iria “moralizar” a listagem.

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Mesmo antes de começar a valer formalmente, nomes foram excluídos do documento. Um dos exemplos é o da ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede). Ao extinguir a homenagem, Sérgio Camargo afirmou que ela “não tem contribuição relevante para a população negra” do Brasil. A ex-governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva (PT) também foi retirada.

O documento ressalta: “Ainda em vida, uma biografia está aberta a receber mais páginas, que podem enaltecer ou macular a pessoa”.

Sérgio Camargo adiantou pelas redes sociais que nomes como o de Mussum, Wilson Simonal, Luiz Melodia e o do atleta João do Pulo serão incluídos na nova lista.

Medalhas aos vivos

Mesmo não podendo incluí-los entre as personalidades notáveis negras, agora a Fundação Palmares poderá homenagear representantes pretos que ainda estejam vivos. Agora, com certificado e medalha.

Segundo as novas determinações da Fundação Palmares, negros vivos poderão receber Certificado de Honra ao Mérito ou uma medalha.

Pelo Instagram a atriz e cantora Zezé Mota reagiu às mudanças. “Eu nunca imaginei que, depois da ditadura, passaríamos por este momento. Eu estive na inauguração da Fundação Palmares, que nasceu em defesa da cultura negra. Sim, eu disse defesa! Esse homem está no lugar errado”, escreveu, referindo-se a Sérgio Camargo.

O nome por trás

A responsável pelo embasamento teórico da portaria, Raquel Brugnera, é atualmente assessora técnica do gabinete de Sérgio Camargo. Ela já esteve envolvida em polêmicas na fundação.

Foi chefe de gabinete na gestão Roberto Alvim, que  foi exonerado depois de divulgar um vídeo com referências ao nazismo, e  foi uma das primeiras demitidas na gestão de Regina Duarte – que também já deixou o governo Bolsonaro. Raquel retornou à Palmares sob as bênçãos de Sérgio Camargo.

De formação, ela é pedagoga. Contudo, se identifica também como analista política, apoiadora de Jair Bolsonaro e criadora do curso Método Eleitoral, no qual promete preparação de montagem de campanha eleitoral e treinamento de equipes, com a finalidade de “potencializar as votações”.

Entenda o caso

Na última quarta-feira (11/11), Sérgio Camargo editou uma portaria determinando que o processo de inclusão ou exclusão de nomes da lista de personalidades negras da Fundação Palmares deverá passar por processo administrativo instruído por uma comissão comandada por ele.

Nomes de mães de santo, como Aninha, Beata de Iemanjá, Gilda, Menininha do Gantois e Stella de Oxóssi, aparecem como lideranças religiosas. Figuras que mudaram a rota do mundo também, como os internacionais Martin Luther King e Nelson Mandela. O brasileiríssimo Zumbi dos Palmares também foi condecorado.

Para técnicos de carreira, a mudança é um ataque agressivo à memória e à cultura negra. “É verdade que muitos nomes ainda estão fora da lista, mas excluir pessoas importantes para a cultura afro não irá corrigir isso. O que vai ocorrer é a faxina de nomes que desagradam o governo. Porém a memória de lutas dessas pessoas pela causa negra deve ser respeitada independentemente do governo de plantão”, reclama um servidor, que, por medo de represálias no órgão, pediu para não ter o nome publicado.

Versão oficial

Em nota, a Fundação Palmares afirmou que as mudanças são legais e estabelecem critérios para as homenagens. “A portaria busca legitimar e conferir parâmetros quanto à escolha das pessoas que compõem a lista de personalidades notáveis negras que são divulgadas no site da Fundação Palmares, visto que não havia um ato normativo sobre a matéria”, frisa o texto.

Segundo a entidade, as normas se baseiam na Constituição Federal e no processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. “O citado ato foi precedido das análises técnica e jurídica da Fundação Cultural Palmares, conforme constam do Processo nº 01410.101475/2020-96, em cumprimento aos dispositivos constitucionais e infraconstitucional”, conclui a explicação.

A Fundação Palmares foi criada há 31 anos como resultado da luta do movimento negro. O objetivo é promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

Desde a nomeação de Sérgio Camargo para o cargo, entidades e movimentos negros questionam a conduta do presidente da Fundação Palmares.

Durante a gestão, ele já criticou o Dia da Consciência Negra, que não será comemorado neste ano, falou sobre “vitimismo” dos negros, enalteceu a escravidão e se envolveu em polêmicas com artistas pretos, como a cantora Alcione.

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