Cunha confronta STF sobre o rito de impeachment e diz que Barroso se valeu de solução “inusitada”
O pedido de revisão, com duras críticas ao voto do ministro Barroso, foi apresentado antes mesmo de o acórdão da sessão de dezembro ter sido publicado
atualizado
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A Câmara dos Deputados ingressou na tarde desta segunda-feira (1º/2) com um recurso junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a decisão da maioria dos ministros que, em 17 de dezembro do ano passado, reformaram o rito do processo de impeachment estabelecido pela Casa legislativa. A partir do expediente de embargos de declaração, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rebateu vigorosamente cada um dos três pontos fundamentais acordados pela Corte do STF no final de 2015.
Segundo o recurso apresentado pela Câmara, ao qual o Metrópoles teve acesso em primeira mão, o órgão pede, em primeiro lugar, a revisão do entendimento dos ministros sobre a autorização da chapa avulsa. “A Comissão Especial do Impeachment deve retratar o sentimento geral de toda a Câmara dos Deputados, inclusive das minorias, e não de um ou outro líder partidário”, diz um trecho do documento. Para, em seguida, concluir: “É por isso que não se pode permitir que a composição dessa Comissão de tamanha importância seja exclusiva dos líderes partidários”.
Na eleição da comissão especial da Casa, em 8 de dezembro, Cunha havia permitido que integrantes dissidentes da base aliada concorressem à formação da Comissão Especial responsável por dar parecer sobre a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o grupo formado por oposicionistas ao governo reuniu 272 votos em sessão secreta e se saiu vitorioso.
Mas nove dias depois da vitória política de Cunha, o Supremo desautorizou o presidente da Câmara e determinou que uma nova comissão deveria ser formada, desta vez a partir de chapa única indicada pelos líderes partidários e votação aberta, outro ponto reclamado pela direção da Casa nos embargos de declaração.
Solução “inusitada” e “esdrúxula”
Em uma peça de 54 páginas, os advogados que representam a Câmara tentam convencer os ministros a voltarem atrás em praticamente todos os pontos da decisão sobre o rito de impeachment. Para tanto, os assessores jurídicos da Câmara fazem um contraponto entusiasmado ao voto do ministro Luís Roberto Barroso, que divergiu do relator Edson Fachin e acabou sendo o autor da tese vitoriosa.
Segundo a defesa institucional de Cunha, o ministro Barroso “se equivocou” ao considerar a expressão “eleita” como sinônimo de “escolhida”, aplicando o regimento padrão da Casa (que trata de outras comissões) para a formação da comissão de impeachment. Assim, como a representação proporcional é do partido ou do bloco parlamentar, os nomes da legenda não podem ser escolhidos de fora para dentro, mas sim pelos líderes partidários. Para os advogados que assinam a peça em nome de Cunha, uma solução “inusitada” (veja documento ao lado).
Na petição, a Câmara dos Deputados também critica a iniciativa do ministro Barroso de usar como paradigma do atual processo de impeachment o rito aplicado no caso Collor, o que para os representantes de Cunha acaba “limitando a atuação do Plenário da Câmara, tal como no caso Collor”. Os advogados da Câmara sustentam que, em relação a Collor, não houve apresentação de chapa avulsa, porque na época existia um consenso pró-impeachment, o que não é o caso atual.
Em busca do voto secreto
Sobre a natureza do voto que vai escolher os integrantes da comissão especial de impeachment, a tese predominante no STF foi a de que esse processo deve ser aberto. A maioria dos ministros entendeu que o sigilo é incompatível com a gravidade do processo por crime de responsabilidade, que o impeachment se sujeita aos princípios democráticos e que, no caso de Collor, a eleição da comissão se deu em votação aberta.
A defesa da Câmara dos Deputados, no entanto, apontou em seus embargos de declaração que esse assunto foi tratado “apenas em uma nota de rodapé!” pelo autor do voto vencedor: “Foi dito nessa nota que a expressão nas demais eleições seria genérica demais a ponto de se permitir o voto sigiloso em toda e qualquer eleição”.
De acordo com o que a Câmara tentou fazer prevalecer, não se trataria de uma “comissão qualquer”, “corriqueira”, e sim “da mais importante que a Câmara dos Deputados pode instaurar”. Nesse ponto, os advogados usam de sarcasmo para desqualificar o voto de Barroso. “A expressão ‘demais eleições’ não é de tamanha generalidade a ensejar o seu afastamento, como erroneamente entendeu o voto vencedor, talvez por desconhecer os trabalhos da Câmara e o seu Regimento Interno”.
Os advogados da Câmara ainda ressaltaram o que, para eles, pareceu mais grave com relação à natureza do voto, o fato de que, no caso Collor, a votação no Senado para a eleição dos integrantes da Comissão Especial foi secreta. “Se foi secreta, e considerando o raciocínio de que tudo que ocorreu naquela ocasião deve ocorrer também no processo atual, a votação para eleição na comissão especial do impeachment, seja na Câmara, seja no Senado deve ser induvidosamente secreta”, defendem os procuradores de Cunha.
Cunha e o protagonismo da Câmara no impeachment
Para o STF, o papel do Senado no processo de impeachment não está vinculado ao da Câmara. Assim, mesmo que os deputados decidam pela abertura da ação de crime de responsabilidade, o Senado tem autonomia para decidir se deve ou não instaurar o processo.
Os ministros usaram o princípio da segurança jurídica para chegar a essa conclusão que foi, furiosamente, contestada pelos advogados de Cunha. “Naquele julgamento, ao revés do que disse o em. Ministro Barroso, o que constou no acórdão desse julgado foi exatamente o contrário”. Para reforçar o que consideraram uma “incoerência” dos ministros que modificaram o rito de impeachment, os advogados transcreveram na petição alguns trechos dos votos de Celso de Mello e Sepúlveda Pertence quando da apreciação do caso Collor.
A assessoria jurídica da presidência da Câmara também se apegou à interpretação do verbo “ser” que, conjugado no futuro do presente no Artigo 86 da Constituição Federal, não deixaria dúvida sobre o protagonismo da Câmara em relação ao Senado na definição da abertura do processo de impeachment: “A força imperativa da expressão ‘será ele submetido a julgamento (art. 86,CF) retira do Senado a possibilidade de rejeitar a autorização expedida pela Câmara dos Deputados. A expressão será é peremptória. Não há interpretação que resista a isso”.
Depois de refutar o tripé do rito estabelecido pelo Supremo em dezembro, a Câmara elenca, em suas conclusões, uma série de dúvidas que a votação dos ministros teria gerado na Casa Legislativa. Eis algumas delas: “No caso da rejeição pelo Plenário da Casa dos nomes indicados pelos respectivos líderes partidários, poderá o presidente da Câmara fazer essa indicação?” “Não sendo o caso de eleição e não havendo possibilidade de disputa, ao Presidente da Câmara caberá essa indicação?”; “O plenário só poderá aceitar a chapa toda ou poderá aceitá-la parcialmente?”; “Se os membros não são eleitos, mas indicados, eles poderão ser substituídos pelas lideranças”?
A iniciativa de Cunha de apresentar ao Supremo esses embargos de declaração antes mesmo de o STF publicar o acórdão do julgamento de dezembro é uma aposta do presidente da Câmara para criar mais um fato político em torno do processo de impeachment. Os embargos de declaração são, de praxe, um instrumento para esclarecer pontos obscuros das decisões e, não é comum que seu desfecho se configure na revisão dos votos dos ministros. Mas juristas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que há na peça levada por Cunha ao Supremo argumentos técnicos com potencial de provocar uma reviravolta nos ritos de impeachment estabelecidos até agora pelo STF.