Ex-diretor da Saúde e empresa teriam negociado vacina paralelamente
Mensagens mostram que Roberto Dias e representante da Davati conversaram antes de proposta oficial de imunizantes para o governo Bolsonaro
atualizado
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Segundo trocas de mensagens obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo, teria acontecido uma negociação informal e paralela do Ministério da Saúde com a Davati Medical Supply, antes mesmo de a empresa apresentar proposta oficial ao governo Jair Bolsonaro para o fornecimento de vacinas contra a Covid-19.
As conversas não oficiais envolvem o ex-servidor Roberto Ferreira Dias, exonerado no último dia 29 da função de diretor de Logística do Ministério da Saúde, Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, e Marcelo Blanco, coronel da reserva e ex-assessor de Dias no Ministério da Saúde.
Em uma das conversas, Blanco cita Luiz Paulo Dominguetti, intermediário da Davati nessas negociações, que afirmou à Folha ter recebido um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina por parte de Dias, em um restaurante num shopping em Brasília, em 25 de fevereiro deste ano.
A versão foi confirmada por Dominguetti em depoimento à CPI da Covid na última quinta-feira (1º/7). Demitido horas após a publicação da entrevista à Folha, Dias nega a acusação.
As trocas de mensagens ocorreram antes de Herman Cardenas, CEO da Davati nos Estados Unidos, ter enviado e-mail a Dias com uma proposta formal para o fornecimento de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca. A farmacêutica diz não ter intermediários e nega ter dado autorização para a oferta.
No dia 3 de fevereiro, Dias entrou em contato com Cristiano, por mensagem de WhatsApp, às 19h10, apresentando-se como diretor de Logística do ministério.
Depois disso, os dois trocaram mensagens. Dias fez ligações para Cristiano e disse que estava aguardando o seu contato. Não atendido, mandou uma nova mensagem, dizendo, no mesmo minuto: “Quando puder me ligue”.
Documento
No dia seguinte, às 11h53, Cristiano encaminhou para o WhatsApp de Dias documentos sobre autorização para a venda de vacinas. Um deles tinha o título “Gov_Hos Letter of Authorization (2) (1).docx, outro “LOI Vaccine Template.docx”.
Após isso, Cristiano mandou: “Bom dia, Roberto. Desculpe, estava negociando para o MS Brasil. O preço ficou US$ 12,51 por dose FOB (Europa). Preciso da LOI e Gov Authorization”’. Em seguida, Carvalho lhe encaminhou um documento de título “AstraZeneca_3E_Procedures_Price.pdf”.
Em 9 de fevereiro, eles conversaram novamente, e Dias ligou três vezes para Cristiano e não foi atendido. Então escreveu: “Quando puder retorne. Obrigado”.
Às 18h41 do mesmo dia, Cristiano mandou uma mensagem de áudio de 20 segundos a Dias. Às 20h11, o então diretor do Ministério da Saúde telefona por duas vezes para o representante da Davati no Brasil. Não é atendido e, em seguida, escreve “quando puder retorne”.
Procurado pelo jornal, Dias afirmou que “os contatos com o senhor Cristiano já haviam sido confirmados e nunca omitidos”.
“Inclusive, conforme os prints [das conversas] demonstram, me identifico formalmente com nome e cargo. As ligações com pouco tempo entre elas mostram conhecido desencontro entre ligações de WhatsApp quando duas pessoas se ligam simultaneamente.”
”As ligações se devem ao momento em que tomei conhecimento da existência do quantitativo de vacinas e tinham o cunho de esclarecer a existência ou não das doses”, disse.
Coronel Blanco
Cristiano Carvalho também trocou mensagens com o coronel Blanco, que foi assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde e depois diretor eventual do setor.
Segundo Dominguetti, Blanco estava presente ao jantar de 25 de fevereiro em que, diz, foi feito o pedido de propina por parte de Dias. Na véspera daquele encontro, Blanco abriu uma empresa de representação comercial de medicamentos.
O coronel se apresentou ao representante da Davati em mensagem enviada na tarde de 1º de março, dizendo que quem passou seu contato foi Dominguetti.
“Cristiano, boa tarde! Aqui é Blanco, ligo aqui de Brasília, e seu contato me foi passado pelo Dominguetti. Tentei contato agora pra entrarmos juntos numa ligação com o Roberto, pois recém falei com ele. Aguardo um ok pra retomar a ligação. Abraço”. Minutos depois ele escreve “podemos fazer uma call”.
Cristiano, em seguida, manda um print para Blanco com o e-mail encaminhado pelo CEO da Davati a Dias, no dia 26 de fevereiro, com a proposta de venda de vacinas e uma série de documentos da empresa.
Blanco respondeu: “Já vi aqui”. E encaminhou um print com a resposta de Dias ao e-mail do diretor da Davati, pedindo documentos à empresa, ao que Cristiano agradece.
No dia 3 de março, Cristiano encaminhou mais documentos e em uma das mensagens, Blanco escreve: “Vc enviou isso no e-mail do Roberto?”. Ao que o empresário responde que isso foi feito.
Em uma das mensagens, ele avisa ao militar que fica em São Paulo, “caso o Dias queira conversar pessoalmente”, ao que Blanco responde “ok”.
No dia seguinte, pela manhã, Cristiano escreve: “Bom dia Blanco, fico no seu aguardo. Nesta FCO a pronta entrega, possuímos US$ 0,20 de comissionamento. Abraços”. Em seguida ele completa: “Pagamento do lote diretamente à Astrazeneca França, Davati remunera comissionados”.
Blanco responde “bom dia, estarei com ele hj pela manhã”, e Cristiano retorna com uma figurinha do presidente Bolsonaro fazendo um sinal de positivo com a mão.
À tarde, eles voltam a se falar: “Boa tarde Blanco, temos algum andamento por parte do Dias?”, ao que o militar responde: “Boa tarde. Aguardando um retorno dele”.
Cristiano responde “que desânimo, Blanco!” e o militar afirma: “Entendo, não é confortável essa demora, mas preciso aguardar um retorno. Tb gostaria muito que ocorresse uma solução mais rápida e positiva”.
Blanco afirmou que não se recorda fielmente dessas mensagens, pois são antigas.
“Mas, relendo agora, parece que o Cristiano da Davati estava se referindo à comissão que a empresa dele receberia, para distribuição interna da sua empresa. Inclusive, esta informação foi dada na CPI pelo Sr. Dominguetti”, disse.