Equipe econômica reforça entrosamento em 100 dias e aguarda termômetro de votações
Ministros da equipe econômica mostram entrosamento, mas governo Lula ainda aguarda votações para testar a base no Congresso
atualizado
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Em 100 dias de governo Lula (PT), a equipe econômica reforçou o entrosamento, porém aguarda o termômetro do Congresso Nacional a partir de votações que devem ocorrer nas próximas semanas.
A grande proposta concreta apresentada até aqui foi o novo arcabouço fiscal, que vai substituir o teto de gastos — emenda constitucional implementada em 2017 que impede as despesas de crescerem acima da inflação do ano anterior.
A nova regra fiscal, porém, só chegará ao Congresso na segunda quinzena de abril. Até agora, a área econômica do governo apresentou apenas as linhas gerais da proposta.
Nesse meio tempo, o terceiro governo Lula ainda não enfrentou nenhuma grande votação na Câmara ou no Senado para testar sua base de apoio. Essa mesma base está desorganizada e ainda depende das negociações sobre cargos e orçamento.
Reforma tributária
No que se refere à reforma tributária, a equipe econômica decidiu não apresentar um texto novo, e sim aproveitar os que já estão em tramitação, enviando suas contribuições.
Apesar de mostrar disposição para debater a medida, tendo, inclusive, nomeado o economista Bernard Appy secretário extraordinário da reforma tributária, há uma certa distância do governo das discussões. A avaliação nos bastidores é de que o protagonismo da discussão é do Congresso.
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O governo patrocina as mudanças no sistema tributário, mas há também dúvidas sobre a capacidade política para garantir sua aprovação. A expectativa é de que a reforma seja aprovada ainda em 2023 pelo Congresso.
Entrosamento ministerial
Ao mesmo tempo, os ministros da Fazenda, o petista Fernando Haddad, e do Planejamento e Orçamento, a emedebista Simone Tebet, têm mostrado estarem afinados. A ministra da Gestão, Esther Dweck, que divide o mesmo prédio com Tebet na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, também não tem entrado em contradições com o restante da equipe.
A negociação do reajuste aos servidores públicos também foi fruto de concordância da equipe, que acalmou a base do funcionalismo público sem gerar um problema fiscal maior.
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O cientista político Enrico Ribeiro, diretor da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, avalia: “Houve um afinamento entre esses três ministros e a bateção de cabeça é passado”.
Ele explica também que, além do entrosamento da equipe, Haddad avançou na forma como se posiciona em relação ao mercado financeiro. No início, o mercado ainda tinham fortes desconfianças em relação a ele.
“Os primeiros 100 dias foram justamente para passar aos agentes econômicas calma e estabilidade de que não haveria mudança abrupta de rumo econômico”.
O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, também tem jogado no mesmo time dos colegas. Em meados de março, Haddad foi pessoalmente ao gabinete de Alckmin para apresentar o arcabouço formulado, em sinalização de deferência pelo vice.
Haddad e Tebet estiveram juntos, por exemplo, no anúncio do novo marco fiscal e construíram em conjunto o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, a base para o primeiro orçamento desta gestão.
O mesmo, porém, não ocorreu dentro da Fazenda, que demonstrou falhas na comunicação ao anunciar o fim da isenção de impostos para encomendas internacionais de pessoas físicas para pessoas físicas com valor de até US$ 50. O assunto acabou roubando as atenções da viagem oficial de Lula à China.
A ideia da medida é aumentar a fiscalização sobre compras feitas em empresas estrangeiras de comércio online que burlam as regras fiscais brasileiras.
Em declarações separadas, Haddad e Tebet também demonstram coesão. Na última sexta-feira (14/4), Tebet afirmou que a equipe econômica é harmônica, apesar de divergências pontuais entre seus integrantes.
“Há harmonia na equipe econômica, embora pensemos diferente. Eu sou mais liberal. Eles, um pouco mais heterodoxos. Mas aquilo que nos une é infinitamente maior do que o que nos divide”, disse Tebet, referindo-se ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao participar de um evento promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo. “Tenho me dado muito bem com o ministro Haddad, que tem sido generoso com o Ministério do Planejamento e Orçamento.”
Ambos também têm demonstrado afinidade ao falar sobre a taxa de juros, a Selic. Fazendo coro ao presidente da República, os dois têm dado declarações, em tom mais ameno, no sentido de que há sinalizações que apontam para uma redução próxima da taxa por reuniões futuras do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC).
A última reunião do Copom, responsável pela manutenção da taxa no patamar de 13,75% ao ano, foi nos dias 21 e 22 de março. A próxima ocorre nos dias 1º e 2 de maio. A reunião seguinte está agendada para 20 e 21 de junho.
Divergências políticas
Apesar dessa afinidade entre os ministros da área econômica, há divergências com a ala política do governo, centralizada na figura do chefe da Casa Civil, Rui Costa. Ele e Haddad estariam tendo desentendimentos pela disputa de protagonismo perante o presidente.
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A relação também é conturbada com a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann. Ela expôs divergências em relação à reoneração dos combustíveis. Haddad foi o principal fiador da volta da cobrança de impostos sobre a gasolina.
Sempre que possível, Gleisi reforça a visão do PT no debate econômico do governo, que muitas vezes foge do pragmatismo político pregado pela equipe econômica.
Em outro movimento, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) disse à Folha de S.Paulo que o arcabouço de Haddad lembra tentativa de pacto com diabo.
Para Enrico Ribeiro, “o PT ainda está no palanque”. “A equipe econômica está tentando manter o debate mais equilibrado, menos polarizado”, explica. Por isso, ele entende que o maior desafio hoje está em “acalmar” essas alas do partido, mas o pragmatismo tem prevalecido por enquanto.
“Quem tem ganhado o debate tem sido a ala econômica, ainda que a parte política do palácio não esteja se colocando de forma tão pública sobre as divergências. Então, a equipe econômica tem conseguido fazer esse equilíbrio e o Lula tem se mostrado pragmático na hora da decisão, ainda que ele reverbere algumas discussões que a base do PT tem, como na discussão do Banco Central.”
Termômetro
Para o analista Enrico Ribeiro, a votação dos vetos presidenciais, na próxima semana, será um bom termômetro para verificar a fase em que está a composição da base aliada.
“O ponto agora é encontrar um meio termo entre o que o Planalto quer e o que o Congresso quer”, diz ele, lembrando que as as formas que o governo tinha de consolidar uma base em 2003 não são as mesmas das atuais.
“Mas o poder de agenda do presidente da República ainda é muito grande e as formas que ele tem de tentar atrair partidos para sua base, com cargos e emendas, ainda é uma questão muito forte”, conclui ele.