Entidades do setor temem extinção do Ministério do Esporte
Para organizações esportivas, demandas da área não serão atendidas pelo próximo presidente. Orçamento de 2019 prevê corte de 57% na pasta
atualizado
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Depois de sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e a Olimpíada de 2016, o Brasil vive uma crise na área esportiva. Se na última década os investimentos apareceram de todos os lados, agora, com os problemas econômicos enfrentados pelo país e depois de tantos escândalos de corrupção envolvendo a área, os patrocínios da iniciativa privada ficaram raros.
No setor público, o governo federal quis tirar até mesmo um recurso que já pertencia ao Ministério do Esporte e endereçar ao da Segurança Pública. Só depois de muita briga das entidades e de atletas renomados, o Palácio do Planalto permitiu que a loteria federal continuasse a destinar essa verba às modalidades esportivas. No entanto, outras fontes de renda da área minguaram e entidades do setor temem até que a pasta do Esporte possa ser extinta no próximo governo.
O orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para o ministério, em 2018, foi de R$ 1.516.053.776, já o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2019 prevê R$ 657.960.704. Esse valor ainda está sujeito a alterações pelo Senado e Câmara até o final do ano, mas, se for aprovado com essa previsão, a redução será de 57%. “O Ministério do Esporte trabalha junto ao Congresso para elevar o orçamento previsto”, afirmou a pasta à reportagem.
Segundo o ministério, sua missão é levar a prática esportiva a todos os setores da população, de uma forma perene e sustentável. “Para tanto, a pasta tem mantido as ações de apoio ao atleta de alto rendimento, como a Bolsa Atleta e a Bolsa Pódio, e ampliado as políticas públicas de esporte educacional e de inclusão, além de garantir recursos para obras de infraestrutura esportiva”, afirmou a pasta.
Diante dessa possibilidade de redução no dinheiro público para esse ministério, o Metrópoles ouviu as principais confederações, comitês e organizações não governamentais que representam atletas e entidades esportivas do Brasil. Todos os órgãos reclamaram da atual situação do esporte no país, e pior: não acreditam que esse cenário irá mudar com a eleição do novo presidente da República, ainda neste ano.
Falta de interesse
A Rede Esporte pela Mudança Social (Rems), que reúne 104 instituições da sociedade civil, fundada com apoio da Nike e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), fez um levantamento sobre a questão. A entidade descobriu que, dos 13 planos de governo dos presidenciáveis registrados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sete não tocavam no assunto “esporte”. Entre eles, estão Jair Bolsonaro (PSL), que lidera a corrida eleitoral, e Geraldo Alckmin (PSDB), em quarto lugar, segundo as pesquisas de intenção de voto divulgadas nesta semana.
Após o levantamento, Alckmin postou em seu site oficial um novo plano de governo, prometendo um “planejamento público de longo prazo” ao esporte brasileiro. Já Bolsonaro e sua equipe não comentaram o assunto até hoje. Enquanto isso, Fernando Haddad (PT) é quem mais dá espaço ao tema, seguido da candidata da Rede, Marina Silva. Ciro Gomes (PDT) dedica apenas seis linhas ao assunto.
Nós lamentamos que metade dos candidatos não fazem sequer uma menção ao esporte em seus planos de governo, o que evidencia um certo descomprometimento com o papel dele na sociedade. Investir em esporte é também investir em áreas como segurança pública, promoção da saúde, educação e lazer.
William Boudakian de Oliveira, diretor-executivo do Instituto Família Barrichello
Louise Bezerra, diretora-executiva da Atletas pelo Brasil – a ONG reúne esportistas de diferentes gerações e modalidades – acredita que o principal desafio do próximo presidente é garantir o acesso à atividade física para todos, principalmente nas escolas públicas. “Atualmente, apesar da obrigatoriedade da educação física no ensino fundamental, os dados do censo escolar indicam que apenas 31% das escolas da rede pública têm quadras. Esse dado já aponta que não estamos promovendo o acesso para nossas crianças”, afirma.
Nesta semana, a Atletas pelo Brasil convidou os candidatos à Presidência da República para conversar com os esportistas. No entanto, o evento acabou cancelado, já que a maioria dos políticos não tinha espaço na agenda para comparecer. “Além disso, a análise dos programas de governo indica que o esporte ainda não é um tema prioritário como deveria ser. Para nós, o presidente eleito tem de trabalhar em conjunto com a sociedade civil para implementar propostas que tragam os benefícios do esporte à nossa população”, completou.
Alto rendimento ameaçado
O Metrópoles procurou, além do Ministério do Esporte, os principais comitês e confederações que trabalham com atletas de alto rendimento do país e são ligados à pasta. Os comitês Olímpico (COB) e Paralímpico (CPB) e a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) se posicionaram sobre o assunto. Apenas a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não quis falar de política esportiva.
Algumas entidades demostraram preocupação com uma possível extinção do Ministério do Esporte, já que muitos presidenciáveis prometem reduzir órgãos do governo federal. “Esperamos que, no próximo governo, o ministério possa continuar sendo uma realidade. Nós assistimos, na apresentação da Lei Orçamentária de 2019, a uma diminuição do orçamento da pasta, então, o que queremos é que recomponham esses valores e que o ministério continue existindo e sendo relevante”, afirmou o COB, em nota.
O CPB foi menos enfático em seu posicionamento. “O Comitê Paralímpico Brasileiro acredita na consolidação da política pública de esporte como forma de aumentar a base de atletas, de modo que possa agregar uma maior quantidade de pessoas com deficiência na prática desportiva regular. Somos o gestor do Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, o maior legado dos Jogos Paralímpicos do Rio 2016, e esperamos continuar com o apoio do governo federal para seguir promovendo e incentivando o paradesporto”, afirmou o presidente da entidade, Mizael Conrado.
A CBV pediu mais apoio para quem vier a comandar o Brasil. “A Confederação Brasileira de Voleibol deseja que o futuro presidente da República seja capaz de fortalecer a economia do país e que mantenha programas de apoio aos atletas e entidades esportivas, fomentando o esporte como ferramenta de desenvolvimento humano e fortalecendo o alto rendimento. O esporte é agente poderoso de inclusão, educação e saúde, tendo extrema importância dentro da sociedade”, informou, também em nota.
William Boudakian de Oliveira, diretor-executivo do Instituto Família Barrichello, completa: “Queremos que o próximo presidente reconheça as políticas esportivas, como a Lei de Incentivo ao Esporte, e o papel fundamental do Ministério do Esporte, fortalecendo e garantindo recursos para o seu pleno funcionamento”, afirma.
“Temos visto uma redução dos investimentos privados no alto rendimento após a Rio 2016, em parte motivada pela ausência de um grande evento, mas também muito influenciada pela série de escândalos que assolaram o esporte e as entidades esportivas nos últimos anos”, resumiu Louise Bezerra, diretora-executiva da Atletas pelo Brasil.
Presidenciáveis
A reportagem procurou as campanhas dos cinco candidatos mais bem colocados para debater o assunto. Jair Bolsonaro não quis comentar o fato de não tocar no tema esporte em seu plano de governo e não informou se irá manter ou não Ministério do Esporte, caso seja eleito. O presidenciável, até agora, vem afirmando apenas que pretende unir o Planejamento com a Fazenda e acabar com os ministérios da Segurança Pública e da Cultura.
Já Fernando Haddad promete criar um Sistema do Esporte, nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS), além de promover o esporte escolar e retomar investimentos na área.
De forma resumida, Ciro Gomes afirma, em seu programa de governo, que irá criar programas de incentivo ao esporte, qualificar a educação física nas escolas e facilitar o acesso da população em geral a espaços de lazer.
Agora, Alckmin promete um maior incentivo ao esporte escolar e mais dinheiro para os atletas de alto rendimento. Ele inclusive diz que irá colaborar para “o investimento da iniciativa privada na área”. No entanto, seu plano de governo quer “alterar a Lei de Incentivo do Esporte”. Procurado, o tucano não explicou quais seriam essas mudanças na legislação.
Já Marina Silva fala em “aumento substancial dos recursos federais”, mas não explica de onde essa verba virá. A candidata da Rede propõe a construção de mais quadras cobertas nas escolas, ciclovias, pistas de corrida e mecanismos para que o esporte de alto rendimento seja “menos dependente” do recurso público.