Embaixadas brasileiras chamam crise EUA/China de “terremoto diplomático”
Em correspondências enviadas ao Itamaraty, representações diplomáticas em Pequim e Washington detalharam o estremecimento das relações
atualizado
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“Terremoto diplomático”. Foi esse o termo utilizado pelas embaixadas brasileiras em Washington, nos Estados Unidos, e em Pequim, na China, para descrever o que poderia ser o resultado das disputas entre os dois países que teve como consequência o fechamento de consulados.
Em um primeiro momento, os EUA decidiram fechar o consulado chinês em Houston, no estado do Texas. Os chineses, na sequência, determinaram o fechamento da representação norte-americana em Chengdu.
O termo consta de correspondência trocada entre as representações obtida pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação (LAI). Nessa troca de mensagens, o embaixador brasileiro na China, Paulo Estivallet de Mesquita, avisou ao Itamaraty e à representação diplomática nos EUA que o governo chinês classificou como “ultrajante e injustificada” a decisão e disse que ela iria “sabotar as relações sino-americanas”. O documento cita a reação do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China, Wang Wenbin.
Da parte americana, o encarregado da embaixada, Nestor Forster, escreveu à pasta chefiada por Ernesto Araújo que o governo americano apontou participação do governo chinês em ações de supostos cibercriminosos, acusados de tentativa de furto de dados sobre a vacina contra a Covid-19. O Departamento de Estado chegou a apontar que o país asiático estaria agindo como “um sindicato de crime organizado”.
“Os Estados Unidos não tolerarão as violações da China à nossa soberania e intimidação de nosso povo, assim como não toleramos as práticas comerciais desleais da China, o roubo de empregos nos EUA e outros comportamentos flagrantes”, destaca o texto sobre declaração atribuída ao porta-voz do Departamento de Estado americano, Morgan Ortagus.
Esta foi a primeira vez que os EUA acusaram a China oficialmente de hackear sistemas e de ofensa à soberania nacional. Antes disso, a Rússia também foi acusada de dar suporte a criminosos virtuais que, do mesmo modo, teriam tentado roubar dados de vacina, dessa vez, no Reino Unido.
“Ameaça de aplicativo”
A carta foi encaminhada antes de Trump anunciar o banimento do aplicativo TikTok dos EUA, mas a embaixada brasileira fez questão de antecipar essa intenção ao Itamaraty. “Além dessas medidas já anunciadas, acredita-se que o governo americano esteja considerando banir aplicativos de celulares de origem chinesa (como o TikTok, acusado de apresentar falhas de segurança) e sancionar membros do alto escalão do Partido Comunista da China”, finaliza.
O TikTok é a rede social que apresenta o maior crescimento entre a geração mais jovem em todo o mundo. O app pertence à empresa ByteDance, com sede em Pequim. Autoridades de segurança americanas estão preocupadas com a possibilidade de que o aplicativo possa ser usado para coletar dados pessoais de usuários e que as informações caiam nas mãos do governo chinês. A empresa, entretanto, vem negando as acusações.
Escolha estratégica
Numa reação proporcional, a China fechou o consulado-geral em Chengdu. Segundo um pesquisador citado pelo embaixador brasileiro no país, a escolha dessa representação produz efeitos reduzidos sobre o fluxo do comércio bilateral – se comparado ao consulado em Xangai, por exemplo –, mas, nem por isso, foi menos estratégica.
Chengdu é capital da província de Sichuan. Com pouco mais de 16 milhões de habitantes, é uma das cidades mais populosas do oeste da China e um importante centro econômico, logístico e cultural da região.
Conforme a correspondência enviada de Pequim, o consulado-geral na cidade é a unidade do governo americano mais a oeste no território chinês e era uma base importante de coleta de informações sobre regiões com acesso mais restrito, como o Tibete e Xinjiang. Os EUA ainda mantêm representações em Hong Kong, Shenyang e Wuhan.
O embaixador Paulo Estivallet de Mesquita descreve o papel do consulado de Chengdu em um dos “episódios mais incomuns” da política chinesa dos últimos anos.
“Em 2012, no contexto da transição da liderança do Partido Comunista da China, Bo Xilai, então rival do atual presidente, transformou Chongqing, metrópole industrial próximo a Chengdu, em centro de articulações para tentar barrar a ascensão de Xi Jinping. Em março de 2012, quando ficou claro que Bo seria preso, um de seus principais auxiliares, o chefe de polícia de Chongqing, Wang Lijun, fugiu para o Consulado estadunidense em Chengdu, onde pediu asilo. O governo dos EUA negou asilo a Wang, que acabou sendo condenado por abuso de poder, corrupção passiva e deserção, com sentença de 15 anos de prisão”, narrou o embaixador.