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Em tempo de internet, Senado gastou R$ 64 mil com telegramas em 3 anos

Apesar de obsoleto, meio de comunicação segue sendo usado por parlamentares para agradar eleitorado mais antigo

atualizado

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Meio de comunicação obsoleto e que já caminha para extinção em vários países, o telegrama, no que depender dos membros do Senado Federal, parece que terá vida longa no Brasil. Levantamento feito pelo Metrópoles mostra que ainda é grande a lista de parlamentares que despendem dinheiro público nesse formato de correspondência. Só em 2020, 27 dos 81 congressistas enviaram mensagens do tipo em pelo menos uma oportunidade.

Nos últimos três anos, os senadores gastaram R$ 63.953,93 com esse meio de comunicação.

Os números apontam que alguns parlamentares encerraram o ano passado com gasto médio de R$ 308 apenas com telegramas, mesmo com a Casa realizando sessões semipresenciais em função da pandemia de Covid-19.

É o caso do senador Acir Gurgacz (PDT-RO). Só no ano passado, o pedetista desembolsou R$ 3.705 com as mensagens. Sozinho, concentrou mais da metade de todo montante gasto pelos 81 congressistas durante os 12 meses de 2020. Entre os colegas da Casa, foi o único a fazer envios em todos os meses do ano passado.

Os valores são baixos se comparados com outras despesas parlamentares, como combustível, alimentação, telefonia e pessoal. No entanto, são gastos elevados para esse tipo de serviço – o preço unitário é de R$ 10,30, quantia cobrada pelos Correios para envio de telegrama fonado, com remetente no Distrito Federal.

Na prática, significa dizer que os R$ 3,7 mil despendidos por Gurgacz permitiram o envio de, pelo menos, 359 telegramas. Ou seja, em todo o ano passado, o senador encaminhou quase o equivalente a uma correspondência por dia.

O levantamento feito pela reportagem mostra, porém, que a ferramenta tem sido, gradualmente, abandonada pelos parlamentares. Uma forma de observar esse cenário é comparando as despesas anuais com os envios das mensagens.

Em 2018, o Senado gastou R$ 40.096,75 com telegramas. Um ano depois, o valor caiu pela metade, indo a R$ 18.120,18. Já em 2020, desembolsou o equivalente a R$ 5.737. Esse montante é, inclusive, inferior ao total registrado nos quatro últimos meses de 2017 (R$ 17.085,46) – época em que a Casa passou a divulgar os dados de despesas com as mensagens.

O Senado disponibiliza, em seu portal da transparência, dados sobre custos mensais de parlamentares entre setembro de 2017 e março de 2021. Conforme os números divulgados pela Casa, desde setembro de 2017, não houve um mês sequer em que Acir Gurgacz não enviasse ao menos um telegrama. São 3 anos e 7 meses gastando, em média, R$ 295 por mês com as correspondências, totalizando R$ 12.689,38.

O Metrópoles procurou a assessoria de imprensa do senador para comentar os gastos citados, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. O espaço está aberto para manifestações.

Quem mais gastou

Apesar das altas cifras destinadas a um formato de comunicação ultrapassado por meios mais modernos (e instantâneos), Acir Gurgacz não é o maior gastador da Casa Legislativa. O posto é ocupado pelo senador Tasso Jereissati, ex-governador do Ceará e ex-presidente nacional do PSDB.

Em 30 meses, o tucano despendeu o equivalente a R$ 21.223,39 em telegramas — quase o dobro do montante gasto pelo pedetista durante os 3 anos e 5 meses. Trata-se de despesa mensal de aproximadamente R$ 707 com esse tipo de comunicação.

Quem aparece logo depois da dupla é o senador e ex-presidente da República Fernando Collor (Pros-AL), que, no mesmo período, gastou cerca de R$ 7,7 mil com as mensagens.

Os números mostram, porém, que o político alagoano tem abandonado, aos poucos, o envio de telegramas. Em 2018, Collor gastou R$ 4,2 mil com as correspondências. O valor despencou para R$ 900,46 em 2019, e R$ 628 no ano seguinte.

Em nota, o gabinete do senador Tasso Jereissati informou que o telegrama é apenas uma das “mais diversas ferramentas de comunicação” usadas pelo parlamentar para “manter a população bem informada acerca de suas atividades legislativas”. “No que se refere aos telegramas, porém, desde março de 2020, esse meio não mais foi utilizado em nossas comunicações”, enfatizou.

Por que parlamentares ainda usam telegrama?

Apesar de arcaico, o telegrama ainda é muito utilizado por alguns políticos para manter contato com eleitores mais antigos ou que moram em cidades onde ligações telefônicas e trocas de mensagens por celular não são uma unanimidade. Além disso, o envio da correspondência é visto pelos parlamentares como um gesto de reconhecimento e agrado ao seu apoiador.

“Ofende o princípio da eficiência”

Para o professor de direito administrativo do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Antônio Rodrigo Machado, o montante de verba pública despendido com telegramas, apesar de não representar gastos exorbitantes, “ofende o princípio da eficiência”.

“É preciso questionar em quais casos esses telegramas estão sendo utilizados. Se for apenas para agradar o eleitorado, como uma forma de tradição, esse uso é suficiente para justificar o gasto com patrimônio público? Acredito que não, é algo que ofende o princípio da eficiência, e pode, sim, ser questionado pelos órgãos de controle”, explica.

O docente defende que os senadores reavaliem seus gastos. “O peso dessa tradição, desse charme, não é algo que valha a pena se manter no âmbito parlamentar. Não é apenas questionar o ilícito, mas eficiência dos gastos públicos. Existem outros mecanismos que podem ser utilizados que trazem maior economia do erário e do patrimônio público”, frisa.

“Esse tipo de pensamento em um momento da pandemia é essencial. Estamos vivenciando um tempo de gastos excessivos na administração pública, e, nesse aspecto, precisamos vivenciar nesta área, como um todo, essa cobrança maior pela busca de um uso mais eficiente do dinheiro público. Nossa análise precisa trilhar o princípio da eficiência”, completou o professor de direito administrativo.

“Pouco racional”

A avaliação de Machado encontra respaldo na avaliação de outros analistas da área. Para o especialista em contas públicas Lúcio Big, o gasto com as mensagens se mostra “pouco racional” no cenário atual.

“Em tempos de smartphones, WhatsApp e demais redes sociais, nos parece pouco racional que senadores recorram a uma tecnologia tão ultrapassada para se comunicar com seus eleitores, além de se tratar de uma via de mão única”, salienta.

O diretor-presidente do Instituto OPS, que fiscaliza gastos públicos desde 2018, defende que o meio de comunicação adotado pelos senadores está longe de ser o mais adequado para manter seu eleitor informado. “Nem sempre é possível saber se o destinatário leu a mensagem. Por vezes, nem mesmo é possível saber se a mensagem chegou até ele, o que poderia ser verificado, por exemplo, com dois simples risquinhos no canto da mensagem enviada pelo celular”, critica.

“Meu pai tem 82 anos e recebe a maior parte das informações do Brasil e do mundo pelo celular. Entendo, porém, que os mais idosos não estão na linha de frente dos usuários de tecnologia, e saber que senadores possuem a relação desses idosos é surpreendente. É quase inimaginável”, completa.

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