Nos 57 anos do golpe, militares tentam manter política fora do quartel
Pedidos de apoio e demissões elevaram a tensão entre os militares e o presidente Bolsonaro. Exército, Marinha e Aeronáutica estão sem chefes
atualizado
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Há 57 anos, em 31 de março, o país dava início a um dos períodos mais sombrios de sua história: o golpe militar de 1964. O movimento retirou presidente eleito do poder e mergulhou o Brasil em ditadura que durou 21 anos, até 1985. Uma combinação preocupante marca este aniversário infame: a linha divisória entre a política e os militares volta a se confundir.
A investida do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em aproximar-se e reunir um apoio mais forte do Exército, da Marinha e da Aeronáutica gerou uma instabilidade inédita na gestão dos órgãos. Pela primeira vez, as três forças estão ao mesmo tempo sem comandantes, o que levou o oficialato a se fechar em um acordo de blindagem.
Com a tensão elevada, o recado militar ao governo Bolsonaro repercutiu da caserna até o alto escalão: as Forças Armadas evitam interferência política em seu funcionamento. Não querem ser garantidoras do que chamam de “uma aventura” que aparece em conversas de apoiadores do presidente. A reportagem do Metrópoles conversou com políticos e integrantes das Forças Armadas que confirmam esse cenário.
A mudança de posicionamento dentro dos quartéis é uma novidade. Nas eleições de 2018, o grupo militar, incluindo o alto escalão, foi força motriz para a vitória de Bolsonaro. E mesmo com adversidades, permaneceram com o governo.
O combustível para a crise é um embate pessoal do presidente Bolsonaro com governadores e prefeitos por conta da edição de decretos de isolamento social, medida que minimiza a transmissão da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
O presidente é contra esse tipo de restrição na circulação e nos últimos dias chegou a dizer frases contra o distanciamento citando os militares como o “meu Exército”. Não pegou bem.
A pressão do presidente soou como ruptura institucional. Segundo fontes do Exército e da Defesa, os comandantes não gostaram das cobranças de “mais fidelidade ao governo” e de investidas consideradas autoritárias.
“Esse tipo de pressão não é bem recebida. Uma troca dessa proporção e da forma como ela ocorreu mais afasta do que aproximam as forças do presidente”, pondera um integrante do Exército.
No Ministério da Defesa, a reforma militar também causou estranhamento, mas a palavra de ordem é passar “tom de normalidade na transição”. Desde segunda-feira, a movimentação na pasta é intensa e promete entrar pelo feriado de Páscoa.
“As trocas são prerrogativas do presidente, mas todas as instituições de Estado têm seus limites, deveres e obrigações”, destaca um general ligado à pasta fazendo referência à Constituição.
A tentativa de despolitização dos quartéis enfrenta dificuldades adicionais com a Ordem do Dia do estreante ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, ordenando a celebração do golpe, que “pacificou o Brasil” segundo o militar que substituiu o ex-chefe da pasta Fernando Azevedo e Silva.
O início da crise
A crise no seio militar começou com a demissão do general Fernando Azevedo e Silva, na segunda-feira (29/3) e virou um castelo de cartas que desmoronou.
Os problemas se intensificaram menos de 24 horas depois, com a saída dos titulares do Exército, general Edson Pujol; da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior; e da Aeronáutica, brigadeiro Antônio Carlos Moretti Bermudez, quando os comandantes pediram demissão na terça-feira (30/3).
Foi um protesto e uma antecipação. Bolsonaro já havia determinado a Braga Netto que demitisse ao menos o comandante do Exército.
Os substitutos não foram anunciados e a negociação é mais uma fonte de tensão. O governo busca nomes para apaziguar a situação com os militares. Em entrevista para tentar diminuir a temperatura da crise, o ministro Fábio Faria, das Comunicações, disse à CNN que nada muda nas Forças Armadas ou na relação delas com o governo. Segundo ele, comandantes “mais modernos” serão nomeados, mas respeitando a hierarquia das instituições.
As Forças Armadas preparam uma lista tríplice para indicar nomes ao presidente. Só oficiais de alta patente nas três forças tem voto e lugar na lista.