Eleições pelo mundo ameaçam isolar governo Bolsonaro
Líderes mundiais mais alinhados com Bolsonaro, Macri e Trump vão enfrentar eleições difíceis. Especialista aponta para riscos econômicos
atualizado
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A reação do governo brasileiro ao resultado considerado adverso nas eleições primárias da Argentina, em agosto, indicam que o calendário eleitoral no nosso vizinho e em outros países parceiros podem causar turbulência nas relações internacionais do Brasil, com possíveis consequências na economia. Em junho, quando visitou o aliado Mauricio Macri, em Buenos Aires, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) chegou a defender a criação de uma moeda conjunta entre os países, o peso-real. Semanas depois, quando o peronista Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner em sua chapa como vice, venceu Macri por 47% dos votos contra 32% nas primárias, o discurso mudou radicalmente, com ataques de Bolsonaro e o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes, voltando a falar até em saída do Mercosul.
“O comportamento político agressivo do presidente Bolsonaro tem, sim, consequências na nossa diplomacia e elas podem ser negativas, principalmente para a economia. Desde um distanciamento que paralise agendas até atritos mais diretos, como está acontecendo agora com a França”, avalia a especialista Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM-São Paulo e membro do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Além das eleições argentinas, cujo primeiro turno está marcado para 27 de outubro, outros pleitos internacionais importantes para o Brasil estão no horizonte. Na América do Sul, outros dois países vizinhos vão às urnas no mês que vem, ambos atualmente governados por presidentes mais alinhados com a esquerda. Na Bolívia, onde o primeiro turno ocorre em 20 de outubro, pesquisas indicam que o cenário que vem desde 2006 – Evo Morales na presidência – não deve mudar.
Como o Brasil, a Bolívia está sendo fortemente afetada por queimadas, o que tem afetado a popularidade de Morales, mas as últimas pesquisas ainda davam a ele uma vantagem de 35% contra 27% do adversário e ex-presidente Carlos Mesa, de perfil mais conservador. Apesar de Evo Morales ter comparecido à posse de Bolsonaro como presidente, em janeiro, o clima entre os dois é frio. “Não tem amizade nem aproximação”, disse o presidente boliviano, na última semana, em entrevista à Folha de S.Paulo, na qual criticou também a política de facilitação à posse de armas do par brasileiro. As consequências diplomáticas vieram logo, com o governo pedindo a retirada de pauta, na Câmara, da votação da entrada da Bolívia no Mercosul.
Outra eleição que acontece ao sul do continente é a do Uruguai, com o primeiro turno marcado para o mesmo dia da Argentina: 27 de outubro. Em Montevidéu, a coalizão de esquerda Frente Ampla tenta o quarto mandato consecutivo com o candidato Daniel Martínez, ex-prefeito da capital. Ele concorre com o ex-deputado federal Luis Alberto Lacalle Pou, de centro-direita, e as pesquisas apontam para uma disputa apertada.
Olhando para o norte
Desde antes de assumir a Presidência, Jair Bolsonaro cultiva grande admiração pelo colega norte-americano Donald Trump, em quem se espelha. Ainda falta pouco mais de um ano para o pleito nos EUA, mas o maior aliado internacional do presidente brasileiro não vislumbra uma reeleição fácil. O republicano aposta todas as fichas numa economia forte para romper mais uma vez a resistência a seu nome.
Pesquisa recente da emissora local Fox News, de perfil conservador, mostrou que 48% dos americanos rejeitam o governo trumpista. Ainda não foi definido o adversário do Republicano na eleição, mas o mesmo levantamento mostrou que dois dos Democratas mais bem cotados, Joe Biden e Bernie Sanders, venceriam Trump por margens confortáveis (respectivamente 50% a 38% e 48% a 39%).
“Ainda que o Trump seja reeleito, se os democratas conseguirem controlar o Congresso dos EUA as relações, sobretudo comerciais, com o Brasil podem se dificultar”, avalia a professora Denilde Holzhacker, da ESPM. “A retórica política do presidente brasileiro é muito forte, muito marcada, e pode ser usada para retaliar o Brasil por governos que tenham interesses econômicos próprios e usem a questão política como desculpa”, completa. “Não acredito que possamos ficar completamente isolados, mas prevejo um aumento contínuo dos atritos diplomáticos caso se confirme a vitória de governantes com agendas diferentes da brasileira. E isso ameaça avanços que gostaríamos de ter na agenda comercial”, conclui a especialista.
Contraponto
O economista Robson Gonçalves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem uma visão mais pragmática e acredita que a economia passa mais longe da política do que o noticiário faz parecer. “Tanto a ideia de uma moeda única entre Brasil e Argentina quanto a ameaça de romper com o Mercosul são retóricas políticas que estão longe da prática. Não se muda o mundo numa canetada”, avalia ele. “Já tivemos mudanças de governos para todos os lados nas últimas décadas e as coisas boas e ruins do Mercosul resistiram. Não acho que será diferente agora. Precisamos continuar a pensar numa agenda comum aos parceiros e esquecer um pouco essa história de afinidade ideológica”, afirma.
Macron até 2022
Declarações de Bolsonaro mostram que ele se mantém atento às notícias eleitorais de países com os quais o Brasil tem relações próximas. Como principal antagonista que fez entre os líderes mundiais até agora, porém, o presidente brasileiro terá de conviver com Emmanuel Macron por bastante tempo. Na França, o mandato presidencial é de cinco anos. Portanto, caso o calendário eleitoral seja mantido, o presidente deverá permanecer no poder até 2022, quando também acaba o mandato do brasileiro.