Eleição sem disputa: 106 candidatos a prefeito não terão adversários em 2020
O número de cidades com candidatos únicos é maior do que no pleito de 2016, onde a situação se repetiu 97 vezes
atualizado
Compartilhar notícia
Uma situação inusitada ocorre em 106 dos 5.568 municípios participantes das Eleições 2020: apenas um candidato se registrou para concorrer ao cargo de prefeito em 15 de novembro. Essa quantidade corresponde a 1,9% dos municípios que abrirão as urnas este ano. Destes nomes, 73 disputam a reeleição.
O número de cidades com candidatos únicos é o mesmo de 2012 e, maior que pleito de 2016, quando a situação se repetiu em 97 municípios.
Levantamento do Metrópoles, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sinaliza que esse fato incomum aconteceu em 17 estados, com predominância no Rio Grande do Sul (33 casos), Minas Gerais (17), Paraná (14) e São Paulo (9).
De acordo com o Código Eleitoral, para ser eleito, um candidato precisa obter a maioria dos votos válidos. Os votos nulos e os em branco não entram na conta — possuem apenas efeito estatístico. Ou seja, o “prefeiturável” precisa apenas de um voto.
Casos
Os eleitores da cidade de Diogo de Vasconcelos, em Minas Gerais, com 3.848 habitantes, só terão um candidato como opção: o atual prefeito Domingos de João Nobre (DEM). E, apesar de não ter adversário, o mineiro diz ao Metrópoles que segue em campanha normalmente.
“Eu vou de casa em casa pedindo voto”, afirmou ele, acrescentando que a ideia é ajudar os candidatos a vereadores da sua chapa.
Domingos credita a ausência de adversário a sua gestão. Segundo ele, os adversários até esboçaram a ideia de se lançarem, mas após encomendarem duas pesquisas e realizarem convenção, desistiram.
“Eu só dependo do meu voto para ganhar, mas temos que agradecer a confiança dos meus eleitores e pedir para ficar mais quatro anos”, diz.
Com tradição de acirramento político, Caridade do Piauí, com 4.826 habitantes e a 356 quilômetros de Teresina, terá uma eleição diferente: o atual prefeito Toninho de Caridade (PSD) não terá adversário.
Há cinco meses, um adversário lançou candidatura, mas desistiu. Recentemente, outro pessoa iniciou campanha, mas logo mudou de ideia também. O prefeito credita a falta de oponentes a própria gestão e, como não sabia que não teria adversário, seguirá a agenda.
“Nós estamos fazendo campanha normalmente, como tínhamos programado. Não cancelamos nem o trabalho na mídia e continuamos divulgando o que fizemos e o que vamos fazer. A candidatura única traz mais responsabilidade, mas nos dá mais condições focar na administração da cidade”, acrescenta.
A maior parte das candidaturas únicas ocorre em municípios com menos de 10 mil habitantes, mas há exceções. Um dos casos é a cidade de Pimenta Bueno, em Rondônia, com 33.822 habitantes.
O ex-delegado Arismar Araújo (Patriota) foi eleito numa eleição suplementar no final de 2018, com 83% dos votos (13.771), após a ex-prefeita Juliana Roque (PSB) e o vice, Luiz Henrique Sanches (PSB), serem cassados.
Neste ano, três adversários lançaram pré-candidaturas, mas foram desistindo aos poucos antes da campanha. De acordo com Araújo, a falta de oponentes foi uma surpresa. “Os partidos de esquerda são fortes no município”, diz.
Araújo, contudo, segue em campanha. ”Vamos manter o ritmo como se tivéssemos um adversário. É uma oportunidade de se aproximar do eleitor para escutar críticas, sugestões e reivindicações”, diz, acrescentando que quer bater o número de votos absolutos da última eleição.
Um outro caso curioso chama atenção: em Mato Queimado, no Rio Grande do Sul, nunca houve, desde a criação em 1996, uma disputa eleitoral, propriamente dita. Desde a primeira eleição em 1999, esta é a sexta vez seguida que a eleição ocorre com candidato único.
“Condomínio”
O cientista político Arthur Leandro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ponderou que a ausência de adversários não necessariamente representa um problema democrático e usa um “condomínio”, como exemplo.
“Não tem prejuízo nenhum para democracia. A regra institucional da democracia é que você tenha a possibilidade do contraditório. A ausência de candidaturas como a expressão livre de uma determinada comunidade política não é nada demais. Pode acontecer num distrito pequeno, as pessoas pensarem: ‘Deixa fulano prefeito. Ele está fazendo bom trabalho e ninguém se preocupa com isso’, mais ou menos como acontece no condomínio”, explica.
“Em locais com população diminuta, a dinâmica política é mais próxima de uma dinâmica comunitária, das relações interpessoais. Em centros urbanos mais complexos, se predomina o modelo societal, onde pessoas com visões de mundo são concorrentes”, acrescenta.