“É política de governo maltratar mulheres”, diz médico da menina grávida
Olímpio Morais Filho criticou portaria que obriga médicos a chamarem a polícia em caso de aborto legal: “É contra a ética médica”
atualizado
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O obstetra Olímpio Moraes Filho, que conduziu o aborto na menina de 10 anos grávida vítima de estupro, criticou a portaria editada pelo Ministério da Saúde, na sexta-feira (28/08), que, além de outras medidas, obriga os médicos que atenderem casos de aborto legal a comunicarem a polícia assim que tiverem contato com a paciente.
Para ele, a norma editada pela pasta representa uma política de misoginia promovida pelo governo de Jair Bolsonaro, cujo único objetivo é “causar sofrimento para as mulheres”.
Apesar de a portaria ser assinada pelo ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, o médico acredita que a norma foi editada como resposta depois que a ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, tentou interferir no caso da menina de 10 anos, de São Mateus, no norte do Espírito Santo, que ficou grávida após ter sido estuprada por um tio, que está preso no estado.
“Foi um atuação desastrosa. A Damares é desastrosa por ela mesma e desenvolve uma política desastrosa. Age sem nenhum embasamento. Vejo as entrevistas dela e a conclusão que chego é de que ela não entende nada que está fazendo. Só desenvolve essa política de misoginia e fundamentalismo religioso, que valoriza mais o embrião do que a mulher”, destacou o médico pernambucano.
A menina precisou sair do estado para conseguir interromper a gravidez em Pernambuco. Após a entrada da ministra no caso, alegando que a pasta iria proteger a menor, grupos fundamentalistas organizaram uma intensa pressão sobre a família da menina para que ela desistisse de fazer o aborto, garantido por lei, e levasse a gravidez à frente.
“Isso é fruto de um governo no qual a política é a misoginia. Trata-se de uma política pública escancarada para maltratar as mulheres”, disse o médico, que precisou driblar religiosos que tentaram invadir o hospital, em Recife. para realizar a interrupção da gravidez.
As novas regras ainda determinam que, no termo de consentimento que as pacientes assinam para fazer a interrupção da gestação, haja uma lista dos riscos e desconfortos decorrentes do procedimento. Além disso, os médicos devem informar as mulheres que elas podem ver o feto ou embrião por meio de um exame de ultrassom antes da realização do aborto.
“Ética médica”
Para Olímpio Moraes, a portaria viola o código de ética médica. Ele espera que a norma seja suspensa pela Justiça, tão logo entidades de defesa das mulheres ingressem com mandado de segurança. “Isso é contra o código de ética médica, contra o humanismo. É coisa de mentes de pessoas doentes e maldosas que fazem a mulher sofrer. Estamos vendo como vamos reagir a isso, porque acredito que não pode passar. A sociedade não pode deixar”, destacou em entrevista ao Metrópoles.
“Já tem vários grupos tomando a frente. A ideia é entrar com um mandado de segurança no STF para sustar o que está acontecendo. Se o Conselho Federal de Medicina (CFM), que só tem decepcionado, não se posicionar, com certeza o Judiciário vai fazê-lo”, disse o médico.
Olímpio Moraes apontou alguns princípios da profissão que, segundo ele, são violados. “Primeiro, o nosso código de ética médica aponta que temos que manter o sigilo. Não se pode quebrar o sigilo sem a vontade de pessoa. Depois, nós médicos temos a obrigaçao de promover a autonomia e a beneficência. Isso significa respeito à dignidade humana”, destacou.
“Existem vários artigos no capítulos que trata de direitos humanos que embasam esse questionamento. O que essa portaria propõe é que o médico obrigue a pessoa a sofrer. A pessoa não quer a gravidez e é obrigada a fazer ultrassom, um exame que não é necessário e que, portanto, não tem nenhum sentido. O único sentido é causar sofrimento”, destacou.