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Ditadura proibiu no Brasil o livro Minha luta, de Adolf Hitler

Obra nazista foi incluída em lista de 205 publicações vetadas pelo governo militar por causa do conteúdo “subversivo” ou “pornográfico”

atualizado

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A divulgação do vídeo com citações do nazista Joseph Goebbels chamou atenção para o perfil ideológico de Roberto Alvim, demitido nessa sexta-feira (17/01/2020) da Secretaria Especial de Cultura por causa da repercussão negativa da mensagem. Apesar da exoneração, o episódio expôs a identificação de um proeminente integrante do governo com o pensamento de Adolf Hitler.

Essa proximidade de Alvim com o discurso nazista confronta o espírito democrático da Constituição de 1988. Mesmo antes do fim da ditadura, em 1985, a pregação hitlerista era coibida no Brasil.

É o que mostra uma lista de obras censuradas no governo militar enviada em 1976 pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) à Universidade de Brasília (UnB). Inédito, o documento inclui Mein Kampf (Minha luta), de Hitler, na “Relação de livros nacionais e estrangeiros proibidos por portaria do senhor ministro da Justiça”.

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Naquele momento, o jurista Armando Falcão ocupava a pasta da Justiça e o general Ernesto Geisel (1974-1979) presidia o Brasil. No total, o documento indicou 205 publicações vetadas pela ditadura por causa do conteúdo “subversivo” ou “pornográfico”.

Sob esses critérios, Mein Kampf aparece com o nome original na mesma lista de obras de Vladimir Lenin, líder da revolução russa, e do escritor francês Marquês de Sade. O livro de Hitler é o 28° da lista, depois de O Poder Jovem, do jornalista Arthur José Poerner, e antes de Filosofia de Alcova ou Escola de Libertinagem, de Sade.

 

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Outra publicação considerada pornográfica, Sexo Impetuoso, do sul-mato-grossense Bernardo Elias Lahdo, encontra-se na 25ª posição da lista. Nossa Luta em Sierra Maestra, de Ernesto Che Guevara, sobre a revolução cubana, está na 31ª.

Com timbre do Departamento de Polícia Federal, a lista com 205 títulos foi encaminhada pela Divisão de Segurança e Informações (DSI) do MEC para a Assessoria de Segurança e Informações (ASI) da UnB. Seguiu como anexo de um documento confidencial de instruções sobre concessão de passaportes diplomáticos e de serviço. 

As DSIs eram as estruturas de vigilância da ditadura dentro dos ministérios. As ASIs cumpriam o mesmo papel nas universidades.

 

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Minha Luta foi publicado em 1925 com as ideias antissemitas e anticomunistas adotadas pelo partido nazista alemão. 

No Brasil, mesmo depois da redemocratização, o livro foi de novo proibido em fevereiro de 2016 pela 33ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Na decisão, o juiz Alberto Salomão afirmou que a obra “incita práticas de intolerância contra grupos sociais, étnicos e religiosos”.

A presença de um admirador de Goebbels na Secretaria Especial de Cultura até a última sexta-feira (17/01/2020) reforça a afinidade de integrantes do governo Bolsonaro com o extremismo do III Reich. No ponto mais evidente, ambos adotaram anticomunismo como linha ideológica para mobilização de seguidores.

Museu do Holocausto
O próprio presidente relativizou, em abril de 2019, os males provocados pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. “Fui, mais uma vez, ao Museu do Holocausto. Nós podemos perdoar, mas não podemos esquecer”, afirmou Bolsonaro durante encontro com evangélicos no Rio de Janeiro. 

A declaração provocou reação da direção do Yad Vashem, centro de memória do Holocausto em Jerusalém, visitado por Bolsonaro. “Não concordamos com a fala do presidente brasileiro de que o Holocausto pode ser perdoado. Não é direito de nenhuma pessoa determinar se crimes hediondos do Holocausto podem ser perdoados”, afirmou a instituição em um comunicado público.

Diante da reprimenda do museu, Bolsonaro fez uma espécie de retratação e chamou o Holocausto de “cruel genocídio”. Mesmo assim, atribuiu a pessoas que supostamente querem afastá-lo de Israel a interpretação de que perdoava a morte de milhões de judeus pelos nazistas.

Na mesma época, o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo afirmou que nazismo e fascismo são “fenômenos da esquerda”. Com esse raciocínio, buscou jogar nos comunistas pelo menos parte da responsabilidade pelos crimes de guerra cometidos por Hitler e seus aliados.

Outros aspectos do nazismo, como nacionalismo e ufanismo, ganharam destaque nas falas de Alvim no vídeo causador de sua demissão. O então secretário de Cultura faz referências a “formas estéticas geradas por uma arte nacional” com poder para proporcionar “energia e impulso” voltados para a “construção de uma nova e pujante civilização brasileira”. 

Com a mistura de conceitos e práticas, os governistas confundem a população e fornece argumentos, mesmo que contraditórios, para os seguidores de Bolsonaro debaterem com os adversários. Neste contexto, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, saiu a campo neste sábado (18/01/2020) para tentar abafar a repercussão negativa do discurso de Alvim.

“Fantástica, e até emocionante, a reação de intelectuais, artistas, historiadores, professores, estudantes, militares e da nação como um todo, ao infeliz resgate de pensamentos nazistas. Mostra uma face da convicção e do apego de nosso povo à democracia e às liberdades individuais”, escreveu o general em sua conta no Twitter.

Se o governo ao qual pertence não desse margem para apreensão na sociedade, o general não precisaria fazer essa intervenção. A situação fica mais preocupante pelo fato de o próprio presidente da República adotar postura negligente em relação às interpretações sobre o nazismo.

Os documentos e a foto em destaque usados nesta reportagem fazem parte do Fundo SNI (Serviço Nacional de Informações) do Arquivo Nacional.

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