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Disputa política contamina “guerra da vacina” e polariza até a ciência

Disputa travada entre Doria e Bolsonaro extrapola o campo da saúde e é usada como ferramenta para fortalecimento de discursos

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO CONTEÚDO
JOÃO DORIA jair bolsonaro
1 de 1 JOÃO DORIA jair bolsonaro - Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO CONTEÚDO

Os recentes embates entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a respeito do desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus pela farmacêutica chinesa Sinovac extrapolaram o campo da saúde. Mais do que uma preocupação sanitária, os estudos clínicos do imunizante se transforaram em uma ferramenta política – usada pelos governantes para angariar aliados em torno de questões ideológicas.

Enquanto Bolsonaro usa as recente suspensões no estudo clínico para cantar vitória sobre Doria, o tucano responde e alimenta o embate com o mandatário do país em busca de fortalecimento político. O governador paulista é tido como preferido do partido para ser lançado candidato à Presidência da República em 2022.

Há a possibilidade de que a dupla trave novos embates na próxima eleição, uma vez que o atual presidente não descarta concorrer à reeleição.

Somada à discordância entre as partes sobre a eficácia do imunizante chinês, a dupla também discorda se a aplicação das doses deve ou não ser obrigatória. O mandatário do país defende que “o povo brasileiro não será cobaia” da vacina. O tucano, por sua vez, assegurou que irá instituir a obrigatoriedade da vacina no estado.

Em outra ocasião, o chefe do Executivo chamou Doria de autoritário e disse que sua tentativa de impor a vacinação contra Covid-19 faz parte de um “nanico projeto de ditador“. Como resposta, o governador disse que negar o acesso às doses será um “ato criminoso”. “Se o absurdo já era grande, agora beira a situação criminal”, disse o governador paulista.

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Governador João Doria
Bolsonaro defende que o "brasileiro não será cobaia" das vacinas
O presidente Bolsonaro já se manifestou contra a vacinação obrigatória
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O governador de São Paulo apoia a imunização obrigatória

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Governador João Doria

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Bolsonaro defende que o "brasileiro não será cobaia" das vacinas

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O presidente Bolsonaro já se manifestou contra a vacinação obrigatória

Alan Santos/PR
Mas quem vence?

Pesquisador em Comunicação Política e Saúde Pública da Universidade de Brasília (CPS-UnB), Max Stabile avalia que “não há vencedores nessa briga”. “Há, apenas, perdedores, e estes somos nós. Isto é, a sociedade brasileira é quem perde com essa disputa, com essa briga”, explica.

O cientista político afirma que não há atualmente como dissociar a questão da vacinação contra Covid-19 da polarização político-ideológica.

“Pesquisas conduzidas por nós já atestam que os apoiadores do governo têm um menor conhecimento sobre a Covid-19 do que pessoas que desaprovam o governo. O estudo também mostra que quem aprova o governo Bolsonaro está relutante em ser vacinado, principalmente se as vacinas forem de origem chinesa ou russa”, explica.

Para Stabile, é a desconfiança com a eficácia de vacinas que acaba alimentada pelos embates entre os governantes. “A vacina e sua eficácia já eram questões resolvidas no imaginário coletivo há mais de 100 anos. Acho que os ganhos dessa disputa serão marginais, porque Doria e Bolsonaro, se conseguirem aprovar as vacinas que querem aprovar, não fazem mais que a obrigação deles, como gestores públicos.”

O pesquisar enfatiza: “Bolsonaro e Doria não são detentores do conhecimento a respeito da segurança ou não de uma vacina. Há um único detentor desse conhecimento, que é a ciência”.

Ciência polarizada

Mas Bolsonaro e Doria não são os únicos personagens dessa disputa que ronda a vacina chinesa. Dois órgãos técnicos também travam embate direto nos estudos clínicos do imunizante: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Butantan, que é o desenvolvedor do imunizante no Brasil.

No episódio mais recente, os órgãos técnicos trocaram acusações após a morte de um voluntário da Coronavac. O episódio levou a Anvisa a determinar a suspensão de futuras aplicações em testes da vacina.

O instituto defendeu que notificou o óbito à agência e que a morte – um aparente suicídio – não tem relação com as pesquisas. A Anvisa, por sua vez, justifica que as informações prestadas pelo Butantan são insuficientes para garantir a segurança e, consequentemente, a continuidade da aplicação das doses.

Um mês antes, em 22 de outubro, o Butantan acusou a Anvisa de retardar a importação da matéria-prima para produzir a vacina da farmacêutica Sinovac contra o novo coronavírus. O órgão federal alegou falta de documentação necessária para autorizar a importação do conteúdo.

Para o cientista político Leonardo Leite, as rixas entre os órgãos técnicos servem de combustível para a disputa entre Bolsonaro e Doria. Segundo o especialista, os políticos se apropriam de decisões técnicas para fortalecerem seus respectivos discursos e tornarem o ambiente ainda mais polarizado.

“Ela [disputa política] parte, sem dúvida, do Bolsonaro. O Doria responde porque eles se alimentam. É um jogo de tentar vender, para a nação, uma ideia de quem está na frente na busca pela vacina, como se isso não dependesse de questões técnicas”, acrescenta.

O especialista, contudo, reitera que os agentes técnicos têm papel importante para assegurar o enfraquecimento desta polarização.

“Acho que a questão só não está tão contaminada porque Butantan e Anvisa, devido à qualidade técnica dos cientistas que empregam, não permitem que essa contaminação política seja tão grave. A Anvisa, como um órgão de regulação, é um órgão técnico, não pode ter contaminação política.”

É fato que a polarização da disputa chegou aos órgãos técnicos e, inclusive, ligou o alerta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, confirmou existir uma guerra política em torno dos estudos clínicos. “Ela [a guerra política] existe, mas tem que ficar do lado de fora do muro”.

Segundo Torres, o compromisso dos técnicos é com a segurança dos medicamentos. “Não somos comentaristas nem analistas políticos. O Brasil não precisa de uma Anvisa contaminada por guerra política.”

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