Dilma compara impeachment à ditadura: “Negar golpe é esconder cadáver”
Para a ex-presidente, a elite traz herança escravista e a falta de punição para militares motiva ataques antidemocráticos de Bolsonaro
atualizado
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A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ao participar da abertura do Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD), no Rio Grande do Sul, nesta quarta-feira (27/4), comparou as negativas de “golpe” contra ela em 2016 à prática de esconder cadáveres usadas pelo regime militar durante a ditadura.
Ao lembrar do impeachment, a ex-presidente enfatizou a inexistência de manobras contábeis que ficaram conhecidas como “pedaladas fiscais”, motivo expresso na acusação que custou o mandato da petista.
Dilma apontou as várias formas de violência existentes no país e lembrou ter sido vítima da ditadura militar.
“A violência no Brasil assumiu muitas formas e eu presenciei algumas. Eu presenciei a absoluta violência da ditadura em relação aos opositores. Primeiro: preso político não existia. Quando a gente estava preso, o que a gente escutava era que a gente não existia”, lembrou a ex-presidente.
“Preso político de fato não existe nesse país, é uma ficção. A ficção éramos nós presos nos cárceres da ditadura”, ironizou. “Esse país não é um país pouco violento. Pelo contrário. É um país que tortura, assassina e esconde o cadáver”, analisou.
“Esconder o cadáver é uma prática fundamental que foi usada, por exemplo, para esconder que o Jonatan foi morto, que os Kaingangs tiveram meninas estupradas. Esconder o cadáver é também dizer que não havia golpe, e sim pedalada fiscal”, enfatizou a ex-presidente.
Verdade histórica
Dilma ainda criticou a falta de punição para os crimes cometidos pela ditadura militar, lembrou a instalação da Comissão da Verdade em seu governo e colocou a falta de Justiça em relação aos militares que cometeram crimes como causas de se ter no poder hoje um “defensor da tortura e de intervenção militar”, como o presidente Jair Bolsonaro.
“Temos que ter muito cuidado para não fazer a justiça atrasados. Nós fizemos a justiça em relação à ditadura atrasados. Nós perdemos o tempo histórico. A Comissão da verdade é uma pálida retomada do direito à verdade histórica. O país tem esse direito. A história não pode ser simplesmente esclarecer, mas também fazer a justiça de transição e nós não fizemos no nosso país a justiça de transição. Hoje, pagamos o preço por não ter feito”, observou.
“O senhor Jair Bolsonaro, quando coloca no seu horizonte político o elogio a este fato histórico que ocorreu no Brasil que foi a ditadura militar, flerta com a intervenção (militar). E ao flertar com a intervenção ele não tem o obstáculo colocado pelo povo que tem consciência histórica a respeito dos fatos que ocorreram. Por isso é que eu falo que a justiça tarda e falha”, completou.
DNA escravocrata
Dilma ainda fez uma avaliação histórica da desigualdade no país e apontou o caráter escravagista da elite brasileira. Para ela, a desigualdade brasileira se deve, em parte, à “ditadura do integralismo” no país e aos resquícios do sistema de escravidão.
“A escravidão não é um regime qualquer. É um regime que compromete o escravo e o senhor do escravo. A nossa elite tem a herança, tem o DNA dessa visão do escravo negro como sendo uma coisa. Por isso, não dá importância à escolaridade do povo brasileiro. Não dá importância à proteção do povo brasileiro e o acesso a serviços públicos”, analisou a ex-presidente.
“Deixar esse mesmo povo a mercê de processos de justiça que são absolutamente injustos, é algo que deriva daí e por isso, nós temos que ter absoluta clareza de que essa é uma relação que compõe hoje a estrutura de dominação do Brasil”, enfatizou Dilma, que ainda exemplificou o extermínio generalizado da população jovem e negra brasileira.
“A violência tem várias formas. Sem sombra de dúvida uma das formas é o extermínio da juventude negra, isso é generalizado. Em todos estados da Federação”, citou Dilma.
Chip da moderação
Dilma citou a onda neoliberal que levou ao poder governantes em vários países do mundo e avaliou que no Brasil, além do conservadorismo neoliberal, o regime que ascendeu tem também o caráter neofascista.
Segundo ela, a classe política neoliberal acreditava que Bolsonaro tinha o “chip da moderação”. “Eles achavam que o Bolsonaro ia ser contido, que ele tinha o chip da moderação. Ele não tem tem o chip da moderação. O fascismo não tem”, finalizou Dilma.
Apoio a Lula
Dilma defendeu a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e destacou que a atual gestão de políticos do Centrão sobre a Câmara deixa o país “ingovernável”. Para ela, a atual condução da Câmara é pior que a gestão de Eduardo Cunha, que deu início ao processo de impeachment e que aprovou as chamadas “pautas bombas” para desequilibrar as contas do governo na época.
“Está aberta uma alternativa no campo que é o presidente Lula. Essa alternativa precisa de cada um de nós, da organização e da participação de todas as pessoas. Não há condição de nós termos tempo de transformação desse país com o orçamento secreto controlado pelo Centrão, que é algo pior do que foi do que foi a gestão do Eduardo Cunha”, disse.
“Nós vamos precisar de interromper esse escândalo que é a emenda do teto de gastos, porque se não interromper a emenda do teto de gastos, eu quero ver como é que se faz política social, como é que nós vamos retomar as obras de infraestrutura”, destacou.