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Desde 2019, Bolsonaro e Anvisa se desentenderam ao menos 20 vezes

O presidente acusou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária de “querer algo” com a aprovação da vacina para crianças de 5 a 11 anos

atualizado

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O desentendimento entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o almirante Barra Torres, diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ganhou os holofotes nas últimas semanas. A troca de farpas ganhou imensa repercussão logo após a Anvisa aprovar a vacina contra a Covid-19 para crianças de 5 a 11 anos.

Na ocasião, Bolsonaro chegou a questionar o que estaria “por trás” dessa decisão. O presidente da Anvisa não ficou calado. Rebateu o chefe do Executivo federal e exigiu uma retratação.

“A Anvisa lamentavelmente aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade. A minha opinião, quero dar para você aqui, a minha filha de 11 anos não será vacinada”, afirmou. “O que está por trás disso? Qual é o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina? É pela sua vida? É pela sua saúde? Se fosse, estariam preocupados com outras doenças no Brasil, que não estão”, disparou Bolsonaro.

Barra Torres foi nomeado para a Anvisa em julho de 2019. No início, o diretor da agência vestia a camisa pró-Bolsonaro. Mas quando as falas do presidente começaram a se chocar com a ciência, ficou difícil para o almirante, que também é médico, se calar diante da postura negacionista do Palácio do Planalto.

Levantamento do Metrópoles mostra que a relação conturbada não vem de agora. Bolsonaro e Barra Torres já divergiram em ao menos 20 ocasiões.

A seguir, os desentendimentos entre o presidente da República e a Anvisa, em ordem cronológica:

  • 8/2019 – Bolsonaro criticou as agências reguladoras, “como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária”, que, segundo ele, estaria “procurando criar dificuldade para vender facilidade”.
  • 2/2020 – Bolsonaro insiste e articula na liberação do Moringa, suplemento feito à base de farinha da planta moringa oleifera, e proibido pela Anvisa desde 2016.
  • 5/2020 – Bolsonaro, Barra Torres e Mandetta começam a se desentender sobre supostas mudanças na bula da cloroquina, para ser direcionada ao tratamento da Covid-19. O medicamento contra malária é cientificamente ineficaz contra o vírus.
  • 7/2020 – Mesmo depois de a Anvisa ter recomendado a não utilização do vermífugo ivermectina para o tratamento da Covid-19, por não haver comprovação científica de que era eficaz contra o vírus, Bolsonaro contestou a Anvisa. Em seguida, a agência recuou e disse que “não existiam estudos que refutassem o uso”.
  • 8/2020 – Em live, Bolsonaro diz que a Anvisa havia liberado a compra de cloroquina com receita simples. No dia seguinte, a agência publicou duas resoluções negando que teria flexibilizado a norma.
  • 9/2020 – Depois de tanta insistência de Bolsonaro na utilização da ivermectina para tratar a Covid-19, a agência recuou e decidiu suspender a necessidade de retenção de receita médica para venda de ivermectina e nitazoxanida em farmácias, o que facilitou a comercialização.
  • 10/2020 – Durante live, Bolsonaro disse que não mandava na Anvisa, mas que agência não iria “correr para aprovar as vacinas”.
  • 10/2020 – Depois que Bolsonaro protagonizou um entrave político com o governador de São Paulo, João Doria, por conta da nacionalidade da Coronavac e enfatizou que o Brasil não compraria “vacinas chinesas”, Barra Torres veio a público dizer que “pouco importava qual o país de origem da vacina” e discussões políticas não poderiam interferir na aprovação do imunizante, a aprovação seria guiada, segundo ele, apenas pelo “norte técnico-científico”.
  • 12/2020 – Para justificar a demora na aprovação dos imunizantes, Bolsonaro começou a jogar a culpa na Anvisa e se isentou: “Entre eu e a vacina tem uma tal de Anvisa, que eu respeito e alguns não querem respeitar”.
  • 5/2021 – Em depoimento à CPI da Covid-19, no Senado Federal, Barra Torres expõs manifestações negacionistas de Bolsonaro acerca da doença e da vacina. No mesmo dia, o presidente da Anvisa diz que havia se arrependido de ter ido a uma manifestação ao lado do presidente. Isso porque, em 15 de março de 2020, o chefe da Anvisa participou de uma das idas de Bolsonaro ao cercadinho do Palácio da Alvorada para cumprimentar apoiadores. Algum tempo depois, Barra Torres anunciou havia contraído o coronavírus com a peripécia.
  • 8/2021 – Bolsonaro cobrou “uma resposta” da Anvisa para algumas vacinas, em “especial uma chinesa”, que segundo ele não “estaria dando certo”. Aprovada em janeiro daquele ano, a Anvisa atestou que o imunizante tem eficácia de 100% contra casos graves e prevenção de hospitalizações em decorrência da Covid-19.
  • 9/2021 – Ao voltar de Nova York e ter tido contato com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que estava com Covid-19, Bolsonaro foi recomendado pela Anvisa a pausar os compromissos e ficar em isolamento. O presidente utilizou a recomendação da agência para maldizer a vacina. “Até quem está vacinado tem que ficar de quarentena? Ué, vocês não acreditam na ciência, não acreditam na vacina?”, disse Bolsonaro.
  • 9/2021 – Com toda a confusão causada por jogadores da Argentina, que driblaram as restrições da Anvisa para disputar uma partida no Brasil, Barra Torres foi convocado por um programa da Rede Globo para esclarecer as regras impostas. Bolsonaro teria ficado furioso com a atitude do chefe da agência.
  • 10/2021 – Depois que Bolsonaro disse, sem provas, que pessoas vacinadas contra a Covid-19 supostamente ficavam mais propensas a contrair o vírus da Aids, Barra Torres desabafou em uma reunião do colegiado: “As vacinas aprovadas pela Anvisa não induzem a nenhuma doença. Não aumentam a sua propensão a ter nenhuma doença”.
  • 10/2021 – Depois da aprovação para os adultos, a Anvisa começou a falar sobre a vacinação para crianças. Concomitante ao momento que os diretores começaram a receber ameaças pelo tema, Bolsonaro jogou uma indireta para a Anvisa: “O número de mortes por Covid abaixo dos 20 anos está em quanto, hein? Queiroga? Por que a vacina? […]”.
  • 11/2021 – Com a chegada da Ômicron, a Anvisa recomendou o fechamento das fronteiras para viajantes vindos de seis países africanos. Além disso, também sugeriu que a fosse cobrada a exigência de vacina. O presidente ironizou a situação: “Não é a Anvisa que decide? Pergunta pra Anvisa. Ponto final. Eu não tenho opinião. Eu sou um presidente que não tenho como decidir as questões voltadas à pandemia”, disse.
    “Tem que aprender a conviver com o vírus”, declarou Bolsonaro. “Não vai vedar [a entrada de estrangeiros], rapaz. Que loucura é essa? Fechou o aeroporto o vírus não entra? Já está aqui dentro”, completou.
  • 12/2021 – Contrariando a sugestão da Anvisa sobre as medidas de contenção à Ômicron, principalmente sobre as ações aos viajantes, o governo decidiu não exigir o passaporte de vacina de pessoas que adentrassem o território nacional.
  • 12/2021 – Bolsonaro diz que vacinação de crianças seria uma incógnita, colocando em crédito a capacidade médica e técnica da agência de aprovar a utilização da vacinação de crianças. “A Anvisa não disse qual o antídoto para possíveis efeitos colaterais”, questionou o mandatário, na ocasião.
  • 12/2021 – Assim que aprovada, Bolsonaro ameaçou divulgar nomes de técnicos responsáveis pela análise e autorização do uso das vacinas contra a Covid-19 em crianças.
  • 12/2021 – Bolsonaro diz que a aprovação das vacinas em crianças, pela Anvisa, é “inacreditável”. “Estamos trabalhando. Nem a tua é obrigatória, é liberdade. Criança é coisa muito séria. Não se sabe os possíveis efeitos adversos futuros. É inacreditável, desculpa aqui, o que a Anvisa fez. Inacreditável”, disse na ocasião.
  • 12/2021 – Depois de aprovada a vacina infantil, o chefe do Executivo continuou colocando em dúvida o profissionalismo dos técnicos da agência, questinou qual seria a “intenção” da Anvisa com a aprovação. “O que que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse das pessoas taradas por vacina?”, disparou Bolsonaro.
  • 12/2021 – Após tanto receber pancadas do presidente, Barra Torres chegou ao limite e enviou uma carta aberta a Bolsonaro, na qual exigiu que o presidente da República fizesse uma denúncias formal ou se retratasse por ventilar a possibilidade de corrupção na agência.
    “Agora, se o sr. não possui tais informações ou indícios [de corrupção dentro da Anvisa], exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”, disse Barra Torres.
  • 12/2021 – Ofendido com a carta, Bolsonaro disse que não havia motivo para o desabafo de Barra Torres. “Me surpreendi com a carta dele. Não tinha motivo para aquilo. Eu falei o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo?’ Ninguém acusou ninguém de corrupção. Por enquanto, não tenho o que fazer no tocante a isso aí”. Eu que indiquei o almirante Barra para a Anvisa, a indicação é minha, assim como outros da diretoria passaram pelo crivo meu”, disse.
  • 12/2021 – Em uma promessa de não tocar mais no assunto, Bolsonaro declarou: “É quase impossível conversar com o presidente da Anvisa. Ele tem a opinião dele, tem mandato, e continua lá. Sorte para ele, tomara que ele acerte”.

Elogios

Em meio a tantas críticas, Bolsonaro teceu um raro elogio ao trabalho da Anvisa, em 2019. A agência havia liberado naquela ocasião o registro e a venda de medicamentos à base de Cannabis em farmácias no Brasil, mas vetado o cultivo pessoal de maconha para fins medicinais. A decisão agradou o presidente e sua base aliada.

Em uma publicação no Twitter, Bolsonaro elogiou a agência, dizendo que o resultado garantiria “melhor acesso” dos pacientes aos seus respectivos tratamentos, “mesmo com a não aprovação do cultivo”.

Ao todo, da nomeação até a fatídica carta redigida por Barra Torres, foram ao menos 20 alfinetadas de Bolsonaro direcionadas à Anvisa ou ao diretor-presidente do órgão, Antônio Barra Torres. Em contrapartida, o chefe do Executivo também elogiou a agência ao menos 5 vezes. No fim de 2020, foi quando aconteceu a maioria desses incentivos.

Bolsonaro chegou a conceder medalhas a Barra Torres e, em uma das ocasiões, ainda o chamou de “pessoa bastante equilibrada”.

“A Anvisa é uma agência de Estado, não de governo. Sua atuação é independente e reconhecida no mundo todo, pela excelência do trabalho dos seus servidores”, disse Bolsonaro, em dezembro de 2020, ao comentar sobre a liberação da agência às vacinas contra a Covid. Algum tempo depois ele ainda acrescentou: “Entre eu e a vacina tem uma tal de Anvisa, que eu respeito e alguns não querem respeitar”.

O clima de respeito durou até fevereiro de 2020, quando Bolsonaro fez uma live ao lado de Barra Torres para responder um aliado, o líder do governo na Câmara dos Deputados, o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), que disse que a Anvisa precisaria ser “enquadrada” pela liberação ágil da vacina.

Bolsonaro foi categórico na defesa da agência: “Ninguém fala por mim diante de uma agência, seja qual for, e a agência de destaque no momento é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a nossa Anvisa, que tem um histórico de trabalho muito bom ao longo de mais de uma década”, salientou Bolsonaro na ocasião.

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Barra Torres e Bolsonaro em transmissão ao vivo
CPI covid senado Oitiva do Antonio Barra Torres diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária 2
Almirante Barra Torres, presidente da Anvisa chega ao Palácio do Planalto
Oitiva do Antonio Barra Torres diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pela comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia.
Diretor presidente da ANVISA, Antonio Barra Torres, fala em coletiva sobre pausa nos testes da Coronavac.
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Barra Torres ao fundo, em manifestação pró-Bolsonaro

Foto: Myke Sena/ Especial Metrópoles
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Barra Torres e Bolsonaro em transmissão ao vivo

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CPI covid senado Oitiva do Antonio Barra Torres diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária 2

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Almirante Barra Torres, presidente da Anvisa chega ao Palácio do Planalto

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Oitiva do Antonio Barra Torres diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pela comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia.

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Diretor presidente da ANVISA, Antonio Barra Torres, fala em coletiva sobre pausa nos testes da Coronavac.

Fotos: Gustavo Moreno/Especial Metrópoles

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