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Desde 1985, somente Temer e Bolsonaro não demarcaram terras indígenas

O governo federal planeja um decreto que tornará os critérios para demarcação de terras indígenas mais restritivos. Ativistas reclamam

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1 de 1 imagem colorida indigenas congresso - metrópoles - Foto: Hugo Barreto/ Metrópoles

Desde 2016, nenhum centímetro de território indígena foi demarcado no Brasil. Os dois últimos presidentes do país ignoraram completamente a política. Tanto o ex-presidente Michel Temer (MDB) como o atual chefe do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro (sem partido), não reconheceram nenhuma área.

O fato é inédito desde a redemocratização. Todos os ex-presidentes adicionaram terras indígenas ao país em seus mandatos. O processo começou em 1985, com José Sarney (MDB). Desde a aprovação do Estatuto do Índio, em 1973, esse reconhecimento formal passou a obedecer a um procedimento administrativo. Depois, a Constituição Federal de 1988 tornou o processo obrigatório e deu prazo: cinco anos para tudo ser concluído. O prazo não saiu do papel.

Dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mostram que o assunto foi perdendo força ao longo do tempo. Desde os mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entre 1995 e 2002, o número de demarcações só caiu (veja abaixo).

Com Bolsonaro, ativistas e defensores de povos tradicionais viram o recrudescimento aumentar. O presidente se elegeu com o discurso contra a demarcação e tem cumprido a promessa.

“Não demarcarei um centímetro quadrado a mais de terra indígena. Ponto final”, disse em dezembro de 2018. Na ditadura militar (1964-1985), terras indígenas também não foram reconhecidas.

O governo federal costura um decreto que tornará os critérios para demarcação de terras indígenas mais restritivos. O mesmo deve ocorrer em outra medida relacionada aos quilombolas. A legislação atual é de um decreto presidencial de 1996. Nesta semana, a relação entre o governo Bolsonaro e os povos indígenas voltou a ter atritos, quando o presidente vetou acesso facilitado a indígenas ao auxílio emergencial e a água potável.

Atualmente, são 1.296 terras indígenas no Brasil. Este número inclui as terras já demarcadas (401), em alguma das etapas do procedimento demarcatório (306), terras que se enquadram em outras categorias que não a de terra tradicional (65) ou, ainda, terras sem nenhuma providência do Estado para dar início à sua demarcação (530), segundo dados do Cimi. De todos os territórios, 54,28% ainda não foram identificadas ou constam como “sem nenhuma providência.

Veja por presidente as homologações de terras indígenas por presidente:

  • José Sarney (1985 a 1990) – 67
  • Fernando Collor (1991 a 1992) – 121
  • Itamar Franco (1992 a 1994) – 18
  • Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) – 145
  • Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) – 79
  • Dilma Rousseff (2011 a 2016) – 21
  • Michel Temer (2016 a 2018) – zero
  • Jair Bolsonaro (desde 2019) – zero

Especialistas dizem que sem a demarcação garantida, terras indígenas geram conflitos e insegurança para centenas de comunidades e povos. Bolsonaro defende, por exemplo, o garimpo e a mineração nessas áreas.

Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra em 2019, o número de famílias que sofreram violências em suas casas e terras na Amazônia Legal saltou 87% se comparado com 2018. De cada três famílias envolvidas em conflitos por terra, uma é indígena. Assim, de 144.742 famílias em conflitos, 49.750 são indígenas, representando 34,4%.

Para o secretário Executivo do Cimi, Antônio Eduardo Cerqueira, a gestão de Bolsonaro tende a ser a pior da história para as comunidades tradicionais, dado que Temer ficou apenas pouco mais de dois anos no posto.

“A atitude de Bolsonaro em relação aos direitos indígenas praticamente inexiste. Não há nenhuma preocupação do governo federal. Muitos povos têm os territórios invadidos por garimpeiros e madeireiros, além da pressão do agronegócio”, critica.

“O desinteresse do governo começou no final do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff”, compara. “O governo passou a negociar apoio do parlamento entregando essas questões. Temer paralisou todos os processos administrativos por meio de um parecer”, explica.

“Com Bolsonaro, nenhum ministério recebeu um indígena sequer. A administração da Funai tem feito um trabalho contra aos índios. Em todos os governos houve dificuldade de ser aplicar o que determina a Constituição. Sempre existiu esse desrespeito, mas agora ficou mais forte”, conclui.

Para a demarcação, a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pelo processo, nomeia um antropólogo para elaborar estudo do território. Depois da aprovação, são feitas as declarações dos limites da terra, a demarcação física, a homologação e o registro.

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No começo do ano, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro recorreu a um parecer aprovado pelo então presidente Temer para devolver à Funai 17 processos de demarcação de terras indígenas que estavam no órgão à espera de uma decisão do ministro. O parecer de Temer impõe a aplicação administrativa do chamado “marco temporal”, uma interpretação jurídica que não está na Constituição.

Segundo essa tese, os indígenas que não estavam em suas terras em outubro de 1988 (data de promulgação da Constituição) ou que não lutaram judicialmente por ela não teriam mais direito algum sobre as terras, ainda que sobre elas existam pareceres antropológicos demonstrando que pertenceram a seus antepassados. O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o decreto e vai analisar o texto.

Arilson Ventura, coordenador da Confederação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) é enfático. “O governo está fazendo o que prometeu. Bolsonaro prometeu que não iria titular territórios. Ele tem vetado as principais ações para as comunidades tradicionais”, salienta.

O ativista lamenta a falta de preocupação do governo em atender às necessidades dos povos tradicionais. “Os povos quilombolas não receberam nenhuma atenção até o momento. É muito triste isso que estamos vendo. Não temos proteção dos órgãos. Não temos diálogo com o governo. Não existe o interesse em conversar”, pondera.

Polêmica com a covid-19

Nesta semana, Bolsonaro sancionou, com muitos vetos, a lei que define medidas para combater o avanço da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

O presidente vetou obrigações do Poder Público com esses povos durante a pandemia, como garantir o acesso universal a água potável, distribuir gratuitamente materiais de higiene, de limpeza e de desinfecção das aldeias.

Depois, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou, em liminar, que o governo federal adote uma série de medidas para proteger os povos indígenas.

Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de 12 mil casos de covid-19 foram confirmados entre indígenas até 6 de julho, com 445 mortes. Os óbitos foram registrados em 20 unidades da Federação, em 124 povos diferentes.

Versão oficial

Ao longo da última semana, o Metrópoles entrou em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pela demarcação, por cinco vezes — quatro por email e uma por telefone. O órgão informou que a “demanda foi repassada à área técnica”, mas não respondeu oficialmente.

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